O caso, que ficou conhecido como Massacre de Realengo, está na memória de todos os brasileiros. Foi um dia trágico e muito triste. Mas não foi único. Casos como este recebem acontecem mundo afora, às dezenas por anos. Sobretudo nos Estados Unidos. Lá, recebem o nome de active shooters. Aqui, costumamos chamar de agressores ativos, e têm maior prevalência em escolas.
Embora com particularidades, os casos lá e aqui são em muito aspectos semelhantes. Primeiro, vamos à um conceito. Na tradicional definição do FBI, são casos de active shooters quando “um ou mais indivíduos ativamente engajados em matar ou tentar matar pessoas em uma área povoada”.
Mas o que isso significa?
Há ao menos três particularidades relevantes que os distinguem. Primeiro, são “ativos”. Isto é, os agressores atuam “ativamente engajados” em fazer múltiplas e aleatórias vítimas. Segundo, não precisam necessariamente ter vítimas fatais. A mera tentativa já pode perfazer o conceito. Isso está no “matar ou tentar matar pessoas”. Um terceiro elemento é que devem ocorrer em uma área povoada. Não sendo povoado, seria inócuo aos propósitos dos perpetradores.
Casos de agressores ativos são tipos específicos de incidentes críticos. São crises. E mais: são crises policiais. O FBI – novamente – definiu crise policial como sendo “um evento ou situação crucial, que exige uma resposta especial da polícia, a fim de assegurar uma solução aceitável”.
Para entendermos, outros tipos de crises policiais são, por exemplo, a tomada de reféns, rebeliões, ocorrências com bombas, algumas ações terroristas, tentativas de suicídio. Todas elas são situações cruciais, que demandam uma resposta especial da polícia e para as quais se busca um desfecho aceitável.
Mas isso ainda pode parecer vago. Podemos entender uma crise policial como uma ocorrência grave, importante, e cuja responsabilidade é da polícia. Óbvio. E esta resposta deve ser especial, não ordinária. E, por fim, que deve-se buscar uma solução aceitável. Isso pode parecer estranho, mas faz sentido. Nem sempre o melhor resultado é possível. Por vezes, o aceitável.
Tradicionalmente elenca-se também algumas características de uma crise policial: imprevisibilidade, risco iminente à vida, urgência, baixa incidência, complexidade. Confrontando os casos com a definição e suas características, parece indubitável que eventos de agressores ativos constituem, de fato, incidentes críticos policiais. São crises policiais.
E porquê isso importa?
O fato é que crises policiais demandam respostas elaboradas, especiais. Buscar uma resposta aceitável exige da polícia um processo de gestão de recursos específica e eficiente. À isto denomina-se gerenciamento de incidentes críticos, ou gerenciamento de crises (há sutilezas terminológicas que aqui não vêm ao caso). No caso específico, vamos aqui chamar de gerenciamento de incidentes críticos de agressores ativos. Pra facilitar, uma sigla: GICAA.
E o que é gerenciar crises? Mais uma vez, o FBI: é “o processo de identificar, obter e aplicar recursos necessários à antecipação, prevenção e resolução de uma crise”. Ainda, para a Polícia Militar do Estado de São Paulo, é “o processo de identificar, obter e aplicar os recursos necessários à antecipação, prevenção e gestão de uma crise. Os principais fundamentos desse gerenciamento são: preservar vidas e aplicar a lei”. Esta definição traz consigo os objetivos do gerenciamento de crises: preservar vidas e aplicar a lei.
Então, em resumo, GICAA é o processo de gerir recursos de forma a antecipar, prevenir e resolver uma crise de agressor ativo, no sentido de preservar vidas e aplicar a lei. Isso é que se espera em casos como o de Realengo. Mas, há mais. Embora a polícia tenha fundamental importância na resposta, antecipar e prevenir também são parte do gerenciamento. Sim, o processo de gerenciamento pode ser dividido em quatro etapas:
Estas fases ou etapas têm intercessões, não sendo estanques e totalmente separadas entre si.
Na maior parte das crises, a chegada dos primeiros policiais – denominados primeiros interventores – é seguida de passos mais ou menos uniformes. Ao se deparar com um fato que evidencie uma crise, os primeiros interventores devem: conter, evitando que a situação se alastre ou agrave; isolar, de modo a estabelecer perímetros e interromper comunicações com o ambiente externo; estabilizar, acalmando o perpetrador e diminuindo as tensões; verbalizar, iniciando as comunicações; e acionar, buscando acionar o comando de incidentes e os grupos especializados. É uma síntese, claro. Mas é mais ou menos isso.
E isso foi aplicado a muitas crises por muitos anos. Parecia uma boa resposta sempre. Ou quase sempre. Mas a história nos trouxe algumas lições, e não me parece sábio ignorar o passado.
Em abril de 1999, na cidade de Columbine, EUA, dois alunos estraram na escola Columbine High School com o propósito de matar o maior número de pessoas. Utilizando explosivos e armas de fogo, mataram 13 pessoas e feriram outras 23. As suas vítimas foram estudantes e professores.
A polícia foi acionada e chegou ao local apenas cerca de cinco minutos após o início do tiroteio. E estes, os primeiros interventores, tomaram decisões conforme se preconizava. Estabeleceram perímetro, contiveram, isolaram, acionaram equipes especializadas da SWAT, e assim por diante. E aguardaram. Fazia sentido para eles.
Estas decisões, porém, acarretaram consequências devastadoras. O comando da SWAT – equipe tática e especializada – chegou ao local às 11:36, cerca de 17 minutos após o início do tiroteio. Porém, só efetivou a entrada às 12:06. Ou seja, as equipes táticas entraram cerca de 47 minutos após os primeiros disparos.
Neste intervalo, os perpetradores continuaram a atirar e matar pessoas. Sem parar. Em outras palavras, enquanto policiais aguardavam do lado de fora, pessoas – crianças inclusive – morriam lá dentro. E isso não foi tudo. Após os agressores terem se suicidado, as equipes ainda não tinham como ter certeza de que o local estava seguro. E as equipes de atendimento médico emergencial não sabiam se poderiam trabalhar com segurança. Por um longo tempo.
Como resposta, foram revistos os protocolos. Foi criado algo para tratar especificamente de casos como ataques de agressores ativos. No lugar das ações iniciais habituais, faria mais sentido que os primeiros interventores buscassem neutralizar os agressores o mais rápido possível. Isso era urgente para salvar vidas. Pois, neste caso, tempo é vida.
Restou ainda um segundo problema não solucionado. Embora seja urgente neutralizar a ameaça, há ainda muito o que ser feito após isso. Pode haver diversos feridos. E, para estes, tempo também pode ser vida. Então seu atendimento médico deve ser prestado o mais breve possível.
Um colégio de cirurgiões americanos, após alguns eventos com múltiplas vítimas – dentre eles um caso de agressor ativo na escola de Sandy Hook -, postulou algumas ações que julgaram necessárias. E convalidaram a urgência desse atendimento. Este grupo formulou o que se conhece por Consenso de Hartford, que sintetizou as ações necessárias em um acrônimo: THREAT. Em resumo:
Ou seja, deveriam, o mais rápido que pudessem, atender as vítimas. Mas como?
Surgiram algumas sugestões, mas um caso ocorrido em maio de 2022, na Robb Elementary School, em Uvalde, Texas, mostrou que ainda havia muito a melhorar.
Às 11:33 da manhã um homem de 18 anos, utilizando um fuzil, iniciou o ataque nesta escola do Texas, indo rapidamente para as salas de número 111 e 112. Os primeiros policiais chegaram em 3 minutos. Eles entraram e foram neutralizar o agressor. Até aí, tudo conforme o protocolo.
Porém, foram alvejados, sendo atingidos por estilhaços. Decidiram então abrigar e esperar. Tentaram entrar, sem sucesso, e passaram a tratar a situação como de um sujeito barricado. Ou seja, como outro tipo de crise. Estavam errados. Chamadas no 911 (o 190 deles) e disparos indicavam que não era aquilo. Ainda assim, decidiram iniciar a evacuação e aguardar por forças especializadas. Enquanto isso, pessoas inocentes continuavam sob risco de vida.
Análises posteriores mostraram que dificuldades de comando e comunicação tornaram a situação grave, dificultando a correção de rumos. E a explicação é mais ou menos a seguinte: em casos de agressores ativos, como tomam decisões críticas, os primeiros policiais a chegarem assumem – ou devem assumir – o comando da crise. O comandante está na primeira equipe a chegar no local. Mas sua percepção do todo, de tudo que ocorreu lá fora desde sua entrada e de todas as novas informações, é limitada. Seus meios de comunicação também.
Todos precisam saber quem está no comando, quais as necessidades e qual a situação de fato. Além disso, outros policiais e recursos chegam ao local de forma ininterrupta e precisam ser bem utilizados, de forma eficiente. Então, como melhor gerir todos os recursos, internos e externos, se o comando estiver limitado, sem percepção e comunicações eficientes?
Uma solução parece ter sido, linhas gerais, esta: os primeiros interventores devem assumir o comando de forma clara e inequívoca. Porém, eliminado o risco ou a ameaça, faz sentido passar o comando para a área externa ao centro da crise – a zona vermelha. Deve estar ainda próximo ao cenário, mas fora do ponto crítico. Na zona morna. Sua função é coordenar todas as forças que chegam e iniciar o atendimento e extração das vítimas. Apenas nessa condição se pode atuar de forma coordenada e eficaz. E faz sentido, certo?
Essa mudança de comando ocorre em uma segunda fase do gerenciamento desse tipo de crise. E ela tem propósitos diferentes da primeira. Mas esse ainda não é o gerente de crises especializado, nem necessariamente o policial com maior patente. E, se a crise se estender demais, tiver muitas vítimas ou demandar coordenação de alto comando com outros órgãos, ele terá dificuldades em gerenciar esses múltiplos recursos.
Como fazer então? E, ainda, quais os passos para cada fase, o que e como cada medida deve ser feita?
Há certamente boas sugestões de ações encadeadas para cada fase, dados seus propósitos. E há também, evidentemente, particularidades no cenário nacional que demandariam adequações. Lógico. Mas, creio que já me estendi demais. Vou deixar para um próximo momento.
Fiz essa pergunta durante uma palestra numa escola e a resposta não me surpreendeu. Havia cerca de 200 professores e colaboradores, imbuídos dos melhores propósitos e aptos a lidar com as mais inusitadas e inimagináveis adversidades das turmas infantis. Ante tentativas tímidas – e frustrantes – de respostas, não demorou para que o diretor, com indisfarçável incômodo, pedisse a palavra. Sob expectativas de salvação, alegou que a escola cumpre a Lei Lucas, tendo habilitado em primeiros-socorros um percentual de professores. Louvável. De verdade. Isso é um enorme avanço e denota responsabilidade. Mas, insisti: se você tomasse um tiro agora, neste momento, o que faria?
Evidente que interrompi o desconforto. Por vezes o constrangimento é um colateral necessário ao aperfeiçoamento. Mas nem sempre. Anos atrás fomos admoestados ante o trágico acidente com o jovem Lucas. Então com 10 anos, engasgou-se comendo um cachorro-quente na escola e, infelizmente, faleceu. Trágico. Triste. E o constrangimento era nosso: o que não fizemos para salvar Lucas? Certamente, muita coisa. Cerca de um ano depois foi sancionada a Lei 13.722, conhecida como Lei Lucas. Ela tornou “obrigatória a capacitação em noções básicas de primeiros socorros de professores e funcionários de estabelecimentos de ensino públicos e privados de educação básica e de estabelecimentos de recreação infantil”. Um avanço, sem dúvidas. Mas será o suficiente? Temo que não.
Primeiros-socorros são daquelas habilidades que não se contentam com diplomas e certificados nas paredes. Ela demanda esforço contínuo. Estudo sugeriu que a qualidade do atendimento de RCP caiu de 78% – índice logo após o treinamento – para 40% em em seis meses. Outro avaliou 40 pessoas treinadas e, após um ano, apenas 16 dessas ainda foram capazes de realizar a manobra com eficácia. E, mesmo estas, com retenção média de 60% a 70% apenas. Acho que não preciso ir além. O treinamento não-habitual, sem revisões periódicas e rotineiras, tem chance razoável de ser insuficiente.
Todavia, isso não é tudo. Habilidades práticas que serão exigidas sob estresse agudo raramente serão performadas com a mesma proficiência. Em situações críticas, o corpo humano sofre alterações fisiológicas relevantes. Há vasoconstrição, redução da capacidade motora fina, perda da visão periférica. Não bastasse, também as capacidades cognitivas se deterioram, prejudicando o processo de tomada de decisões.
Acontece que a maior parte dos treinamentos ocorrem sob as condições mais favoráveis possíveis. Em uma sala confortável, climatizada, com pessoas amistosas e sorridentes. Há um manequim à frente, e o professor pede gentilmente, ante inevitáveis brincadeiras da turma, que sejam realizadas as manobras recém-aprendidas. Esse cenário, embora convidativo, certamente será bastante diferente daquilo que se apresentará em um caso real. No momento crucial, ante a platéia atônita e barulhenta, haverá uma pessoa que dependerá dos seus conhecimentos e esforços. Entender o que está ocorrendo, o fluxo de ações necessárias, e tomar decisões assertivas, somada a excitação de não poder errar e o fardo da responsabilidade, não parece trivial. E não será.
Mas há ainda um outro problema. Será o último aqui, prometo. O conteúdo e as habilidades treinadas nas escolas dialogam com as ocorrências mais habituais. Engasgos, contusões, desmaios, quedas, afogamentos. Mais de 3.300 crianças são vítimas fatais de acidentes por ano no Brasil. Faz sentido focar nessas adversidades. Todavia, há um problema aterrorizante e real. Em algum momento uma pessoa pode entrar na sala de aula, com uma arma de fogo ou uma machadinha, e desferir disparos ou golpes indiscriminadamente. Isso aconteceu em Realengo, em 2011. Aconteceu em Suzano, 2019. Em Blumenau, 2023. E vai acontecer novamente. E novamente. Infelizmente.
As vítimas destes fatídicos episódios dificilmente precisarão de manobras de desengasgo ou RCP. As habilidades, talvez não aprendidas e nunca treinadas, serão outras. Sabemos quais? É possível. Após um terrível evento de agressão em escola nos EUA, em 2012, especialistas sugeriram uma série de medidas para preservar vidas em casos assim. Dentre as habilidades está a contenção de hemorragias maciças. Um programa então foi desenvolvido para difundir estes conhecimentos. Certamente não é a solução derradeira, mas pode ser um passo. Certo?
A mera insegurança daqueles profissionais no auditório é indício de que algo precisa ser feito. Responder em público é bem menos aterrorizante que atender uma criança com uma machadinha cravada nas costas, como ocorreu em Suzano. Muito menos. Ainda assim, ninguém afirmou com segurança o que deveria ser feito. E já é hora de nos prepararmos. Já é hora de perguntarmos: o que estamos fazendo é suficiente? Sigo temendo que não. E nosso desdém pode ter custos. No momento decisivo, você saberá suas falhas. E lembre-se: esse constrangimento será seu.
]]>A Maratona de Boston é uma das mais famosas e tradicionais corridas de longa distância do mundo. São 42.195 km entre as cidades de Hopkinton e Boston, em Massachusetts, EUA. A primeira edição ocorreu em 1897, sendo a segunda maratona em antiguidade, ficando atrás apenas das maratonas olímpicas, que iniciaram um ano depois. Com frequência anual, reúne cerca de 30 mil atletas, sendo um evento que reúne milhares de pessoas de todo o mundo.
Ano após ano, essa tradicional corrida ocorreu sem grandes transtornos. Mas no ano de 2013 tudo foi diferente. Aquele momento de alegria e conquistas foi marcado por um trágico e lamentável evento. Naquela tarde de 15 de abril, duas bombas improvisadas explodiram próximo à linha de chegada, deixando 3 pessoas mortas e outras 264 feridas. Terroristas motivados por crenças extremistas deixaram explosivos improvisados com panelas de pressão no chão, próximos ao público. O terror, pânico e desespero transformaram aquele ambiente, há pouco carregado de otimismo e desafios.
Os serviços de emergência foram acionados, e a população ajudou prestando assistência aos feridos. Os feridos foram tratados em 27 hospitais locais. Como as bombas estavam no chão, houve um grande número de vítimas com ferimentos nas pernas. Estudos (1) indicam que, dos 152 pacientes que apresentaram-se aos departamento de emergência nas primeiras 24 horas, 66 sofriam de ao menos uma lesão em extremidades. Destes, 4 tiveram lesões em membros superiores, 56 em membros inferiores, e 6 em combinação inferiores/superiores. Houve 17 amputações em membros inferiores, decorrentes dos traumas, em 15 pacientes.
Foram aplicados 27 torniquetes. Todos improvisados! E, por fim, nenhuma destas vítimas foi a óbito.
Se você está familiarizado com o Atendimento Pré-Hospitalar (APH) em combate, TCCC, TECC ou mesmo com o programa Stop the Bleed (StB), então deve estar se perguntando: mas pode-se usar torniquete improvisado?
A dúvida faz muito sentido. E acredito que a melhor e mais simples resposta seja: o torniquete comercial e recomendado é o ideal. Mas quero propor uma discussão em um contexto não habitual.
Primeiro, ratificando o óbvio: sim, torniquetes comerciais e recomendados são melhores. São mais rápidos de aplicar e mais eficientes. Também diminuem os riscos. Porém, nem sempre estão disponíveis, tampouco nas quantidades por vezes demandadas. Atentados em massa, com centenas de vítimas, podem consumir recursos pré-hospitalares de forma rápida. Isso parece ter acontecido no caso da Maratona de Boston.
E lógico que métodos como pressão direta, indireta e preenchimento de feridas são eficazes. Quando possível, são mesmo muito bons e podem salvar muitas vidas. As análises após o tiroteio na escola primária de Sandy Hook, em 2012, corroboram este entendimento. Talvez por isso o StB não recomende torniquetes improvisados. Em muitos casos, faz sentido. Todavia, nem sempre o contexto permite a aplicação destas técnicas, que exigem alguma imobilidade, demandam tempo, atenção e permanência. Ou, ainda, podem não ser suficientes em casos de amputações.
Casos como o tiroteio em Las Vegas, em 2017, são complexos e trazem outras dificuldades. Um atirador em um ponto alto disparou cerca de 1.000 vezes contra a multidão presente no festival de música. Foram 10 minutos de disparos, e neste tempo as vítimas tiveram que ser atendidas sob fogo, enquanto buscavam entender o que ocorria e encontrar um abrigo. Algumas técnicas podem ser difíceis de se executar enquanto buscar abrigos improvisados parece ser a atitude mais razoável. E os torniquetes podem ser úteis nestas horas, sendo medida recomendada pelo TCCC mesmo no atendimento sob fogo.
Ou seja, há circunstâncias em que os torniquetes podem ser necessários, mas, ainda assim, podemos não tê-los – torniquetes ideais, comerciais e recomendados – em quantidade suficiente.
Embora não incontroverso, há estudos que parecem amparar alguma eficácia dos torniquetes improvisados. “Concluímos que torniquetes improvisados, quando aplicados corretamente, desempenham um papel vital no controle de sangramentos com risco de morte”, consta na conclusão de estudo (3) comparando e avaliando torniquetes. Outro estudo (4), embora ratifique que torniquetes comerciais recomendados são muito mais eficientes, diz que “Este programa baseado em simulação melhorou significativamente a aplicação eficaz de torniquetes improvisados. Eles podem ser uma alternativa razoável quando os torniquetes de emergência não estão prontamente disponíveis e devem ser incluídos nos currículos nacionais de controle de sangramento.”.
Ainda assim, parece haver muitas críticas a respeito do uso e eficácia dos torniquetes improvisados. Parte da explicação talvez seja que as análises, por vezes, considerem todos os tipos de improviso como sendo uma só bloco, sem os diferenciar. Mas nem todas as improvisações são iguais, podendo variar de forma substancial. E podem existir formas melhores, e outras piores.
Estudo (2) sugere que torniquetes improvisados sem molinete falharam em estancar o sangramento em 99% dos testes. Já com molinete, os torniquetes improvisados falharam em 32% das vezes. As tentativas de estancar o pulso sem molinete falharam totalmente (100%). Nestes casos, mas com molinete, todavia, falharam em 31% das vezes. “A diferença nas proporções foi significativa (p < 0,0001)” (2).
Este estudo parece concluir que torniquetes improvisados com molinete/alavanca parecem mais eficientes que os mesmos sem haste para constrição mecânica. Mas ambos – com e sem molinete – são considerados improvisados, o que pode, em uma análise geral, levar a conclusões enviesadas sobre sua eficácia. Correto?
Para visualizar o que seria um torniquete improvisado com molinete, a imagem ilustra. No exemplo ilustrativo, usa-se um bandagem com tira grossa e algo rígido, como um galho ou outro objeto similar, como molinete. Esse modelo parece presente em muitas improvisações.
O objetivo deste artigo não é, de forma alguma, sugerir ou estimular o uso de torniquetes improvisados. Não é isso. Quer-se tão somente estimular o debate a respeito, pois há casos reais em que as circunstâncias trazem dificuldades além do habitual e ideal. E, por vezes, na prática, ele acaba sendo utilizado de qualquer forma, sendo recomendado ou não.
Gerenciar casos de atentados em massa, agressores ativos e de terrorismo, pode ser desafiador. O uso de explosivos na altura do solo em uma multidão ou tiroteios incessantes a partir de pontos altos podem consumir os recursos médicos locais de forma rápida, ou ainda impedir o acesso às vítimas por tempo demasiado. E, em certos casos, tempo pode ser vida.
Por fim, não pode-se negligenciar todas as considerações extremamente relevantes sobre o uso dos torniquetes, quaisquer que sejam eles. Tempo de aplicação, local, pressão adequada, uso correto e demais circunstâncias são considerações necessárias. E apenas pessoas qualificadas, em ambientes adequados – cursos, treinamentos, etc -, podem manejar estas informações de modo apropriado. Não é este o caso desse artigo.
E isso não é tudo: há sempre riscos associados, e eles devem ser considerados. Sempre! Um risco especial dos torniquetes improvisados é o chamado “torniquete venoso”, e isso é um risco real e grave. Ou seja, o assunto deve ser tratado com seriedade e nos locais corretos.
Por hora, quer-se tão somente trazer este assunto para a discussão. Evidente que isso deve ser feito com cautela, por profissionais competentes e levando muitas variáveis em consideração. Mas a discussão não me parece absurda e sem propósito. Pelo contrário. Talvez seja necessária.