Considerações sobre algumas diretrizes de treinamento
As regras de segurança, típicas de condutas envolvendo armamento e tiro, devem sempre ser observadas!
O assunto requer atenção e dedicação. Não há aqui qualquer intenção de exaurimento do tema, apenas chamamento de atenção para alguns fatores.
Os fundamentos merecem muita dedicação para que sejam corretamente edificados. Falar da importância deles é incidir em redundância.
Seja no esporte ou no combate, empunhadura e controle do gatilho são os fundamentos mais caros.
Controle de gatilho, de todos os fundamentos, é o mais difícil no treinamento de arma de porte, segundo Robert Vogel, Policial e membro reformado de time de SWAT nos EUA, campeão americano e mundial por repetidas vezes.
Fato é que ainda há um processo de cultura armamentista em curso de amadurecimento no nosso país e isso faz com que, por vezes, saltemos etapas, todos nós. Isso ocorre no esporte, no meio dos entusiastas e no de defesa.
A busca por velocidade e a veiculação de imagens com isso, costumam ganhar mais espaço do que a correta dedicação à sedimentação nos fundamentos. As duas coisas são importantes.
Quando assistimos alguma atividade de tiro nossa filmada, concluímos que a forma como estávamos imaginando nem sempre coincide com o que realmente foi feito. Filmagens são ótimas formas de “feedback”.
Nesse sentido de sedimentação do básico e compartilhando mais do porquê do seu sucesso citamos alguns autores:
Murray e Haberfeld, no contexto de exposição de competência inconsciente, expõe que “o tiro tático é um sistema intrincado de habilidades motoras, não havendo atalhos para se fazer bem-feito”, numa tradução livre de nossa parte.
Pellegrini e Moraes, no seu ótimo livro Tiro de Combate – Pistola, fazendo uso de uma didática sensacional, explicam que a construção de uma boa memória neuromuscular depende de “mielinização”, que será concretizada com um grande número de repetições, considerando cada parte de uma cadeia de movimentos mais complexos, e ainda destacando que, para desconstruir algo tido como apartado das melhores técnicas, que os números em questão podem ser dez vezes maiores.
Em resumo, técnicas ruins sedimentadas (vícios) poderão demandar milhares de repetições para serem desconstruídas e desse momento em diante, reiniciar um ciclo de repetições no sentido correto. Muito TEMPO reflete muito gasto ($$$$), ainda mais no nosso cenário.
Outro autor com experiência em instruções e combate nos EUA e no Mundo é o Força Delta reformado Paul Howe. Com base em parâmetros americanos, talvez os que mais nos influenciem, ele reitera que “em conceitos de memória muscular, são necessários pelo menos de 2000 a 3000 repetições para solidificar uma habilidade simples”.
A manutenção e a evolução de níveis também requerem repetições e ensaios. Não há outra forma. O espaçamento entre treinamentos também faz muita diferença, ele deve ser pequeno, procurando manter constância, pelo menos nas disciplinas mais importantes, em se tratando de atividades visando situações de defesa e de combate. Esses são outros fatores que também são esquecidos.
O lado bom vem agora, já que é sabido que muito do que pode ser feito é derivado de treinamento em seco. A proporção indicada é de 70/30, ou seja, para cada repetição com disparo real são necessárias duas ou três vezes mais de disparos ou repetições em seco.
Explicações preliminares sobre movimentos dos punhos – Cinesiologia do punho

O entendimento prévio sobre os movimentos do punho é imprescindível para as construções de raciocínio seguintes.
A empunhadura da mão dominante é próxima da posição neutra, para fins de melhor entendimento.
Ainda no sentido da facilitação, podemos dizer que o antebraço, no que diz respeito aos ossos que o formam, é composto de Rádio e Ulna. Didaticamente dizendo, o Rádio seria como que a continuação do polegar, enquanto a Ulna, o prolongamento do dedo mínimo.
Daí falarmos que os movimentos do punho, partindo da posição neutra, no sentido do dedo mínimo, são considerados desvios ulnares.
Ainda tomando a posição neutra como inicial, como na parte da figura que apresenta as setas coloridas, aproximando a palma da mão do antebraço (movimento da seta verde), temos a flexão do punho.
Considerações sobre as formas do mecanismo de disparo
Existe uma fala antiga que remonta ao tempo das minhas primeiras aulas como aluno. Era comum ouvirmos dos antigos e respeitados mestres que a pressão a ser exercida sobre o gatilho deveria ser uniforme, constante e reta, até a ocorrência do disparo.
Quanto a possibilidade de ser realizada uma “pressão reta” e para trás, primeiramente cabe ressaltar os eixos de possibilidades de desvios, podendo ser esses últimos verticais, laterais ou os dois combinados.
Aqui, a biomecânica e a cinesiologia têm influência.
O Sentido do dedo do gatilho, lateralizado e da direita para esquerda, considerando o atirador destro, por exemplo, por falta de habilidade ou busca de velocidade além da capacidade, dentre outros fatores, pode se combinar com um desvio ulnar ou o decorrente de um pouco de flexão de punho enquanto se realiza a pressão no gatilho com flexão do dedo. A consequência poderá ser um impacto vertical para baixo, para o lado ou ambos.
A quantidade de treinamento certo incidirá isolando coisas e permitindo a correta estabilização de empunhadura e de pressão de gatilho. Assuntos que, pela sua riqueza de detalhamentos mereceriam, por si só, atenção especial.
Cabe ainda destacar os formatos de gatilho e a concepção do mecanismo de disparo que conhecemos como mais comuns. Num deles é realmente possível de ser assim pressionado, tal como o típico da plataforma 1911 clássica, por estar direta e duplamente conectado a duas barras “laterais” como um só corpo, fazendo com que o curso do gatilho seja realizado de forma linear, acompanhando o eixo longitudinal da arma. Somado a isso, o tipo de ação e as demais características desse gatilho e das armas que fazem parte, tais como peso, curso, arrasto, ligados ao tipo de ação, também podem interferir positivamente no resultado.

Outro tipo de gatilho, por estar afixado transversalmente em seu eixo de movimento inicial, típico das pistolas com mecanismo exclusivo de percutor (“strike fire”), que pivotam ao serem pressionados, fazem da tarefa que citamos agora a pouco algo mecanicamente mais difícil. O movimento será angular, também considerando o eixo longitudinal do armamento. Assim, acreditamos aqui que o foco deva permanecer nas outras características, valendo mais a intenção e o controle efetivo nesse sentido anterior, a depender do tipo de plataforma de pistola.

Nos esclarecimentos confirmatórios quanto aos movimentos de acordo com o mecanismo de afixação dos gatilhos, agradecemos a ajuda do Mestre e irmão, Luiz Gaspar R. Mariz, cujas obras são algo imprescindível de leitura no meio armamentista.
Ainda existem gatilhos com afixação que fará o movimento ser angular, mas que por terem a forma retificada (“flat face”), acabam gerando melhores adaptações às diferenças pessoais, ajudando muito aqueles que, por exemplo, requeiram uso de luvas para a execução da sua atividade. Acreditamos assim, sem receio de opiniões contrárias, porque a face reta pode se mostrar “mais indiferente” quanto às escolhas de local de dedo e parte do dedo escolhida para o contato.
Armas iguais, com essas variações de gatilho, curvo e reto, numa visão particular, se mostraram melhores na segunda configuração.
Uniformidade e Constância
A uniformidade e a constância podem se confundir ou se cindir em explicação, contanto que na prática, a conjunção da coordenação das forças exercidas para uma boa empunhadura e da necessária para a pressão do gatilho não faça gerar desvios por excesso de pressão no gatilho e consequente flexão indesejada de punho ou, como já dito, desvios ulnares.
Em outras palavras, procura-se separar a mão em hemisférios, de maneira que a maior parte dela, um dos hemisférios, esteja imbuída na manutenção do envolvimento, com pressão e fricção, na altura correta (…) enquanto a outra, o outro hemisfério, querendo dizer o indicador, esteja condicionada a premir o gatilho somente com o uso, para isso, dos flexores do dedo em questão, com independência de forças.

Isso requer treinamento muito específico porque a maioria esmagadora dos movimentos com maior vigor que fazemos de flexão na mão são em conjunto e sem discriminação de força, além do desvio ulnar, que é na verdade o maior responsável pelo desvio vertical para baixo de algum disparo, potencialmente dizendo, repetimos.
Essas memórias nos acompanham desde recém-nascidos, ou até antes, além de serem construídas e associadas com atividades que não exigem essa separação.
Não é algo natural, muito pelo contrário, movimentar o indicador de maneira independente do resto da mão, quando há necessidade de força considerável num sentido, especialmente nessas hipóteses em que se segura algo com firmeza, sendo o dedo indicador um prolongamento acessório “terminal”.
Além disso, na busca por fluência e posterior velocidade, essa tendência tende a se aflorar e crescer mais, requerendo ainda mais esforço e treinamento. Domínio das mãos e coordenação motora fina falam muito alto nesses aspectos.
Atividades práticas que antecedem os educativos (“Drills”)
Após a breve introdução sobre controle de gatilho, vale a exposição de algumas atividades, partindo das básicas, mas não menos importantes, até a exposição de alguns educativos.
Utilizado nas primeiras aulas sobre fundamentos, a apresentação do gatilho com atividade de fracionamento em “micro estágios” é bastante interessante como introdução. Temos tido notícias que alguma parte dos instrutores pátrios mais estudiosos têm demonstrado isso.
Com a arma numa posição inicial que permita “ler” os movimentos em frações (gosto de fazer inicialmente na altura dos olhos, como se fosse um livro), após colocar o dedo no gatilho, com foco também no gatilho, e retirar o “curso morto” (primeiro estágio, curso sem resistência ou de resistência marcadamente leve…), segue a pressão resistida contra a “parede” ou estágio de maior resistência, até que haja o disparo.
Durante esse curso resistido, digamos assim, é possível, a depender da arma e da coordenação motora fina, ver nitidamente a separação em estágios menores (2,3,4,5,6,7…). A intenção não é se especializar e construir uma memória neuromuscular nisso, mas sim saber que é necessário conhecer o curso, o peso e o arrasto de cada gatilho e de cada ação, numa mesma arma, para seguir buscando um movimento fluido, e num momento posterior, a sedimentação na perfeição até a busca de velocidade.
Após visualmente entender isso, esse condicionamento pode ser feito com a arma numa posição mais próxima ou na própria posição final de tiro, em empunhadura simples e dupla. O fato de não recorrermos ao nosso sentido dominante, a visão, junto ao tato, nesse segundo momento, induzirá ainda mais concentração. Posteriormente, também na posição final de tiro ou em alguma outra próxima a ela, buscando a maior coordenação possível, vale também apontar para o para-balas e fazer com disparos reais.
Seguindo a esse segundo momento, a ideia não mais será a de fracionamento, mas a de busca de constância e de suavidade para refutar interferências desse movimento na estabilização da arma, no que diz respeito a empunhadura correta, além da independência das forças atuantes. Novamente vale frisar, o que se busca aqui é desenvolver dentro de conceitos de muita calma e tranquilidade, um início de intimidade com o conteúdo.
O acompanhamento do aparelho de pontaria e seus movimentos podem ser úteis na confirmação da estabilização correta ou de alguma tendência de movimento. O “red dot” ajuda muito nisso, sendo um verdadeiro “dedo duro” de desvios. Utilizações como coadjuvantes nesses casos.
As armas com mecanismos de disparos exclusivos de percutor, destacadas como as mais comercializadas atualmente, trazem, em regra, a necessidade de manobra do ferrolho para o rearme do mecanismo de disparo.
Algumas armas exclusivas de treinamento afastam essa necessidade e mantem o treinamento no melhor caminho, afastando adaptações ou a necessidade de desfazimento da dupla empunhadura, se for o caso, mas não é fácil e barato achar armas idênticas às de emprego efetivo.
Armas de ação dupla geralmente permitem treinar da mesma forma que com a realização de disparos reais.
Armas de dupla ação permitem o treino mais adequado para os disparos de ação dupla, geralmente os primeiros.
Armas de ação simples também induzem necessidade de manobra do ferrolho para armar o mecanismo de disparo.
Após toda aquela apresentação e ganho de intimidade, vale refletir se haverá mais ganhos em desfazer constantemente a empunhadura para o rearme do mecanismo, por mais que atenção concentrada com fracionamento de atividades colabore em sedimentação.
Nem todo treino ou fase de treino gera a necessidade de pressão do mecanismo armado ou de se seguir no curso até o desarme.
“Reset” ou rearme
Com isso dito, outro fator importante se refere ao rearme do mecanismo de disparo e o aproveitamento disso. Realizar o “reset” do gatilho, nesse sentido, quer significar trabalhar o rearme do mecanismo de disparo preocupando-se com o possível aproveitamento de um segundo disparo ou de disparos sequenciais, com um curso colaborativo, digamos assim.
Então, ainda nos primeiros treinos ou numa adaptação a uma arma nova, além de conhecer o curso de disparo, importante também se faz conhecer o curso contrário, até o primeiro ponto de rearme do mecanismo. Vale muito fazer o treinamento disso, de forma isolada e completamente despreocupada do destino dos disparos, num primeiro momento(!) com ou sem disparos reais, mas bem melhor começar sem.
Cursos curtos e suaves, nos dois sentidos, tendem a facilitar o processo. Peso, arrasto, suavidade, tudo conta, além do desenvolvimento da habilidade específica. Dedicação ao treino é insubstituível.

Esses fatores, incluindo o ponto de rearme, devem inclusive direcionar, dentro do possível, a aquisição da arma.
Algumas formas de realização de “reset”
Sugerimos duas formas de reset como treinamento e teste. Na primeira é mantido o contato com o gatilho o tempo todo, tanto no caminho/curso de pressão quanto no curso de regresso, acompanhando então a volta do gatilho até o primeiro ponto de rearme, independentemente da realização de outro disparo ou não. Inicialmente, como tudo exposto anteriormente, conscientemente, e após, automatizando.
Na segunda forma, após a pressão num sentido, ao invés de retornar acompanhando o gatilho, procura-se retornar independentemente dele, pelo menos em intenção, para o ponto onde se condicionou que haverá o rearme. É sutil, mas é diferente. Particularmente falando, consideramos algo muito difícil, que expomos por fidelidade ao que já tivemos conhecimento. Nesse sentido, pesquisem por antecipação de “reset”.
Aspectos psicofisiológicos
Normalmente, ainda em fase de dessensibilização ou aclimatação, ocorre do novo atirador, além de deixar o gatilho retornar por todo o seu curso, perder o contato com o gatilho e até retirar o dedo da guarda do gatilho. Trabalhando no sentido de controlar esse impulso, aconselha-se manter por um breve momento, inicialmente, a pressão no curso final e seguir trabalhando o retorno buscando o rearme no seu primeiro ponto.
Educativos de controle de gatilho
Alguns exercícios e suas variantes são opções na construção desse fundamento, ajudando ainda em outros fatores.
Após a afixação de um alvo com uma listra vertical bem demarcada em contraste, com a arma em condição de tiro e na posição final de tiro, exerça pressão técnica no gatilho de maneira a permanecer com a arma constantemente alinhada com a parte demarcada do alvo. Lembre-se do procedimento de manutenção das partes técnicas pós-disparo (preocupação com o rearme do mecanismo como se fosse realizar sempre um segundo disparo…). O intuito aqui é identificar e trabalhar, se necessário, questões ligadas a desvios relacionados à flexão de punho.
Com um pouco de início de maturidade de treino, é possível identificar a ocorrência de desvios de resultado mesmo em seco. A atividade com disparos reais vale como confirmação e ajuda também naqueles aspectos psicofisiológicos que expusemos.
A mesma listra, agora colocada de forma horizontal, colabora para manutenção da estabilidade vertical. Lembrando, os alvos devem possuir um bom contraste e as listras devem ser não maiores do que duas polegadas (5cm aproximadamente). O objetivo aqui é poder concentrar para que não ocorra desvio ulnar.
O educativo “50/50” consiste em carregar e ficar pronto, retirar o carregador e realizar dois disparos. Metade do exercício (50%) será com a arma “quente” enquanto a outra será com o disparo em seco. Nesse sentido, as armas realizarão o seu ciclo e possibilitarão o segundo disparo. Será ainda possível o trabalho de identificação de tendências de antecipação de recuo, proporcionando real ciência e diferenciação das chamadas “gatilhadas”. É atividade rica que concilia num só exercício disparos reais e treinamento em seco, com os benefícios de ambos. Há outras formas de execução desse mesmo “drill”. Frisamos que a antecipação do recuo não é diretamente ligada ao controle de gatilho, para que não haja confusão nesse sentido.
O termo “gatilhada” é o mais usual, mas nem sempre explica exatamente o que busca significar. Havendo dúvidas, vale retornar nas partes que falam dos desvios ulnares e da flexão de punho.
Outro treinamento bom é o que inclui disparos singulares partindo de três posições iniciais de dedo. Indicador ao longo da armação (1), indicador no gatilho e já com a folga tirada (2) e indicador no gatilho já trabalhando após a “parede”, dentro do curso resistido (3). Nesses casos, melhor se realizado com utilização de temporizador, “timer”. Além disso, recomenda-se a utilização de alvos pequenos, algo próximo de 6 cm de diâmetro, ou de acordo com a habilidade de cada um. A distância pode ser de 3 metros do alvo. Aqui já há necessidade de um pouco mais de tempo de experiência. Novamente, como em todo tempo, a atenção com as regras de segurança não muda. Vale comparar o tempo e a dispersão dos impactos dentro da área desejada.
A escolha dos alvos é primordial para alguns direcionamentos e conclusões. Alvos do tamanho do Maracanã poderão representar grande tolerância e aceitação para o erro. Treine em alvos pequenos, pelo menos em alguns momentos.
MCNamara, no capítulo do seu livro que trata do tamanho de alvos, na intenção de fazer nascer e continuar a responsabilidade sobre cada disparo e a sua exata colocação, sugere manter tudo que for possível para a visualização da certeza de “endereçamento” durante todo o treinamento. Acompanhar o local exato de cada impacto, tanto para confirmar intenções quanto para refutar de pronto qualquer sedimentação ruim.
A esperança de contribuição na parte técnica é sempre alta em intenções da nossa parte.
Bons treinos e mantenham o controle!