Considerações Iniciais
A atividade de tiro, seja na sua vertente esportiva ou defensiva, sempre despertou o interesse de relevante parcela da sociedade. Na atualidade existe um crescimento considerável de professores/instrutores e empresas de treinamento de tiro – cada qual com suas características, técnicas e especificidades – que ministram diversos tipos de instruções.
As instruções de tiro, apesar de serem interessantíssimas, também precisam ser sérias, seguras, funcionais e voltadas para a realidade do emprego de seu receptor. Entretanto nem sempre isso ocorre, pois observa-se várias instruções sendo ministradas de maneira aleatória, orientada apenas pela intuição do instrutor e sem fundamentação para as técnicas e procedimentos realizados.
Muitas vezes essas instruções são ministradas até por pessoas bem intencionadas, que não tem o propósito de enganar o aluno, mas que infelizmente e por diversos motivos desconhecem as nuances pedagógicas necessárias para condução funcional de um treinamento tão sério, envolvendo vidas, como o treinamento de tiro.
Isso posto, este artigo tem como objetivo estabelecer um entendimento exequível sobre as atividades de instrução de tiro, esclarecer sobre as “Escolas” Doutrinárias do tiro e traçar um paralelo entre as mesmas, buscando um entendimento de como as instruções devem ser encaradas, haja vista a evolução da técnicas de tiro, principalmente pelas características dos enfrentamentos modernos.
Breve Histórico
Durante o Regime Militar as Polícias Militares do Brasil receberam influência direta das Forças Armadas na sua doutrina de emprego. Não diferente, o treinamento de tiro foi por muito tempo voltado para a perspectiva militar do Tiro de Combate – com enfoque na eliminação do inimigo.
Nesse espectro, formou-se para os policiais uma cultura de treinamento aos moldes do praticado no Exército. Assim sendo, diversas gerações de instrutores disseminaram, tanto nas academias e instituições como em escolas/clubes de tiro, conhecimentos correlatos ao tiro de eliminação do inimigo em que os procedimentos eram típicos de combates regulares – objetivo das Forças Armadas.
Com a Constituição de 1988 houve a invocação de uma série de direitos, incluindo os contemplados na Declaração de Direitos Humanos. A partir de então, começou-se uma busca, mesmo que lenta, de adequação aos treinamentos policiais e de um modo geral dos treinamentos de armamento e tiro, sendo o objetivo comum a busca de um alinhamento às necessidades mais contemporâneas que respeitassem, inclusive, os Direitos Humanos.
Na prática muitos vícios ainda continuam ocorrendo, principalmente pela falta de investimento específico na atividade e pelo relativo comodismo dos instrutores, que muitas vezes não se atualizam ou mesmo realizam treinos pouco voltados para a realidade. Isso tudo, gera uma falsa sensação de estarem aptos ao desempenho de suas funções. Em outras palavras, provoca a conhecida e infeliz tranquilidade da ignorância.
As “Escolas” do Tiro
A didática de instrução não pode ser um entrave para a obtenção da máxima performance operacional dos operadores, ao contrário, ela deve ser um catalisador para a obtenção da eficiência desejada.
A didática será, sem sombra de dúvidas, advinda da Doutrina e esta deve ser desenvolvida ao longo do tempo, por estudos e aplicação de métodos que coloquem em prática a parte conceitual, que, após testada e analisada, seja verificada a sua eficácia e viabilidade de emprego.
A A didática de instrução não pode ser um entrave para a obtenção da máxima performance operacional dos operadores, ao contrário, ela deve ser um catalisador para a obtenção da eficiência desejada.
Entretanto isso não é uma tarefa fácil de se executar, pois uma gama de meios, recursos humanos e logísticos precisarão ser colocados em prática, além de, por fim, serem lapidados instrutores para a execução da importante tarefa de disseminar o conhecimento.
No Brasil e o no mundo, as “Escolas Doutrinárias” do Tiro podem ser, de um modo geral, divididas em 03(três) grupos conceituais: (1) Escola Tradicional, (2) Escola Intermediária e (3) Escola Moderna.
- Escola Tradicional – Esse sistema foi utilizado durante longos anos (e ainda permanece nos dias atuais) porque relaciona o tiro no estande com a capacidade de acertar o alvo com precisão. Assim, as técnicas, táticas e procedimentos deixam de ser desenvolvidas no estande, em conjunto ao tiro. Neste sistema, o instrutor permanece como expectador atrás da linha de tiro, aguardando o último disparo para, junto com os atiradores, “avaliar os resultados à frente” e proceder o registro dos impactos. Pouco interessa desenvolver a capacidade do atirador de atingir os mesmos resultados, mas sob situações que simulem as pressões típicas do combate real.
- Escola Intermediária – Grande parte das escolas de tiro atuais encontram-se em estágio intermediário entre as escolas tradicionais e escolas modernas. Treina-se, por exemplo, situações como as trocas táticas, de emergência e até panes, mas elas são “cantadas” pelo instrutor. Assim, o atirador fica com a impressão de que aprendeu o exercício. No entanto, quando ocorre a necessidade de realizar o mesmo procedimento em situações não controladas pelo instrutor, percebe-se a falta de iniciativa, dúvida e indecisão quanto ao que deve ser realizado.
- Escola Moderna – Na metodologia moderna deve-se educar o atirador para tomar decisões sobre situações inusitadas e individuais, comandadas ou não pelos instrutores. Dessa forma, o instruendo deixa de “copiar” os procedimentos que estão sendo feitos por toda a linha de tiro e passa a se preocupar realmente com a sua arma e o procedimento que deve ser realizado. Dessa maneira, mesmo em uma linha de tiro com vários atiradores, consegue-se um treinamento individualizado, aumenta-se a capacidade de reação e a iniciativa.
Não há o que se questionar sobre a Escola Moderna ser o objetivo a ser buscado nas instruções contemporâneas sobre treinamentos de tiro, porém, como já consabido, além de todas as dificuldades encontradas, ainda existe a necessidade da preparação de instrutores capazes para conduzir treinamentos com essas características.
A Escola Moderna
Não há mais espaço, para quem realmente busca um desenvolvimento de uma consciência situacional nos treinamentos, para a aplicação de protocolos superficiais e sem fundamentação que levam apenas o atirador a acertar um alvo de papel parado e a uma distância preestabelecida.
Na atualidade, o operador precisa equilibrar suas habilidades com outros procedimentos que elevem a sua vantagem defensiva. A atividade de tiro deixou ser algo isolado e precisa ser encarada como uma tarefa que exige uma multidisciplinaridade de competências.
Na doutrina moderna, o treinamento deve colocar o operador em uma situação de equilíbrio nos Vetores do Tiro, que entendemos ser Precisão, Segurança e Procedimento (PPS).
Nessa senda, são objetivos da doutrina moderna:
- O desenvolvimento da iniciativa – Levar o operador a identificar os seus erros, desenvolvendo no mesmo a capacidade de corrigi-los sem o auxílio externo;
- O desenvolvimento no operador da autoanálise; e
- O desenvolvimento da progressividade quanto à técnica, à presença e intensidade de resposta de forças de reação, ao nível de estresse e à apresentação de situações especiais.
O processo de ensino deve sempre estar pautado em 03(três) elementos:
- Treinamento em Grupo e análises individualizadas;
- O feedback como forma de correção e enriquecimento do processo; e
- A sequencialização do processo instrutivo.
A evolução para a doutrina moderna é justificada, dentre outros aspectos, pelos seguintes:
- Heterogeneidade dos instrutores/professores;
- Treinos poucos reais;
- Instruções “teatrais” e sem fundamentação;
- Falta de interdisciplinaridade entre os módulos;
- Falta de contextualização do processo de ensino;
- Operadores com escolas de formação diferente;
- Falta de padronização das metodologias ensinadas;
- Pouca importância para a atividade de treinamento; e
- Pouco emprego da ciência nos treinamentos.
Conclusão
Pelos fatos elencados, torna-se bastante claro que a aplicação de qualquer método educacional esta ligado diretamente à figura do Instrutor/Professor. A competência desse profissional e a capacidade de transmitir o conhecimento de forma prática e didática é que tornará todo o processo instrutivo dinâmico e progressivo.
Em um processo de ensino moderno o instrutor de tiro inspira o aluno. Ele procura manter-se atualizado; pensa diuturnamente na atividade; é apaixonado pelo que faz, mas humilde para aprender e se corrigir sempre que necessário.
O maior desafio, na atualidade, é encontrar no Brasil professores/instrutores que tenham a capacidade de conduzir instruções “dentro” da Escola Moderna. Claro que existem ótimos instrutores com essas características e fazendo um excelente trabalho, porém existem muitos outros que pensam estarem desenvolvendo algo “avançado”, quando na verdade estão conduzindo instruções sem um caminho metodológico funcional – o famigerado mais do mesmo. Na verdade estão juntando vários módulos sem um objetivo específico.
Claro que se a “Escola” Moderna é a solução, o aluno interessado deve primeiro fazer a sua parte, que consiste em se preparar fisicamente, obter equipamentos adequados, se preparar mentalmente e então buscar uma empresa/instrutor/professor de confiança. A partir de então, seguir os protocolos de treinamento, sempre buscando treinar a “seco” em casa e frequentar rotineiramente um clube/escola de tiro.
Em se tratando do instrutor, este deve “sair da zona de conforto” e buscar os meios que o coloquem dentro da concepção da doutrina moderna. Isso não acontecerá de uma hora para outra, por isso o mesmo deve ter resiliência e humildade para atingir o fim proposto.
Por fim, o fator relevante de sucesso no confronto não será a denominação dada a qualquer tipo de treinamento, mas a capacidade que o instrutor e o aluno têm de se doaram para que os protocolos se tornem funcionais, realísticos e eficazes. Afinal de contas, o melhor treinamento ainda é o que nos leva em segurança de volta para casa.