Talvez esse seja um dos temas que mais geram dúvidas entre os usuários de armas de fogo. Essas dúvidas surgem pela escassez de bibliografia sobre o tema e da pouca oferta de mão de obra especializada no mercado.
Felizmente esse quadro está mudando com o aquecimento do mercado de armas. Nos últimos anos, surgiram muitas escolas de armeiros (mecânicos de armas) e empresas especializadas em customização.
Isso ainda não é o suficiente para ajudar e orientar o usuário final do armamento, policiais, agentes, atiradores, proprietários.
Quero trazer neste artigo, alguns aspectos ligados à manutenção de armas de fogo, as boas práticas que você deverá adotar para conservar seu equipamento e garantir seu funcionamento na hora que você mais precisa.
Veja as 5 etapas essenciais para manutenção da arma de fogo.
ETAPA 1 – Esfriamento da Arma
Quando lidamos com armas de fogo, é importante garantir a segurança e a integridade física das pessoas que compartilham o ambiente conosco, seja no estande de tiro, em casa ou no trabalho.
Antes de fazer qualquer coisa, procure um local seguro para esfriar a sua arma (retirar toda e qualquer munição existente na câmara e nos carregadores).
Local seguro é todo aquele que, na eventualidade de ocorrer um tiro involuntário, ele é capaz de absorver o projétil sem risco de ricochete, dano ou lesão a alguém.
Seguindo as regras de segurança, realize o esfriamento da sua arma, reserve as munições em local adequado e, antes de iniciar a manutenção, mostre aos demais que o armamento está frio (sem munição). Sempre que alguém for fazer a manutenção da arma, cobre essa prática.
ETAPA 2 – Desmontagem da arma
Considerando que você é um usuário/proprietário de arma de fogo, provavelmente você vai realizar aquela manutenção preventiva periódica. Essa manutenção tem por finalidade manter o armamento em condições de uso, seja numa inspeção periódica, seja após o seu uso.
Com que frequência devo realizar a manutenção preventiva da minha arma?
A resposta mais simples para essa pergunta é SEMPRE QUE NECESSÁRIO.
Na dúvida, faça a manutenção preventiva.
Essa manutenção é obrigatória sempre que a arma é exposta a condições adversas, seja pelo seu porte ou pelo seu uso. Ela deve ser realizada periodicamente para prevenir a corrosão, quando a arma passa muito tempo guardada.
Para realizar a desmontagem, siga as instruções contidas no Manual de Instruções do armamento.
Geralmente, a desmontagem para manutenção preventiva não exige uso de ferramentas, se for necessário, recomendo SEMPRE utilizar a ferramenta adequada para aquela tarefa, seja ela uma ferramenta manual ou especial.
NUNCA faça adaptações, isso poderá danificar seu armamento… o que pode custar muito caro!
Feita a desmontagem, vamos para a próxima etapa.
ETAPA 3 – Limpeza, Proteção e Lubrificação
Essas são três etapas muito importantes nesse processo.
A Limpeza visa garantir que não haja corpos estranhos dentro do armamento, que podem interferir no seu funcionamento.
A Proteção visa impedir o contato do metal com outras substâncias que podem provocar a corrosão do armamento, ar, umidade, suor, etc.
A Lubrificação visa prevenir o desgaste prematuro das partes móveis e facilitar seu funcionamento.
Antes de aplicar qualquer gota de óleo ou produto líquido no armamento, remova toda e qualquer sujidade com uma escova seca, poeira, areia, limalha, etc.
Uso de Solventes
O uso desse tipo de produto requer uma atenção especial. O solvente é um produto que visa remover alguma substância que está aderida à sua arma.
Alguns solventes são próprios para remover óleo velho. Muita atenção, o uso de solvente vai deixar a superfície metálica da arma exposta. Aplique uma camada de óleo novo para proteção o quanto antes.
Também existem os solventes para pólvora . Esse tipo de solvente deve ser aplicado somente onde há acúmulo de pólvora que a escova não conseguiu remover. Aplique uma gota no local e aguarde o solvente agir. Utilize um pano ou cotonete para remover a sujeira. O uso de escova nesse caso, pode espalhar a sujeira para outros pontos da arma.
Limpeza
Como já citei, o primeiro passo da limpeza é escovar a arma em seco, para remoção da poeira e dos resíduos sólidos. Cuidado para não jogar a sujeira em outros pontos da arma.
Quando for passar a escova no cano da arma, recomendo realizar a primeira passada no sentido do disparo. Empurre a escova deixando-a girar com o raiamento até sair toda do outro lado, depois puxá-la de volta.
Repita esse processo até remover toda a sujeira (verifique olhando o cano contra a luz).
Sempre utilize a escova indicada para o calibre da sua arma.
Após remover a sujeira com uma escova, você poderá utilizar um produto específico para limpeza da arma. A aplicação deste produto deve ser realizada com cautela.
Você pode aplicar o produto do seguinte modo:
- Pano ou escova umedecidos – quando você quer utilizar o produto em um ponto específico da arma (recomendado);
- Spray direto – quando você quer banhar a arma (exige a remoção de todo produto após a aplicação).
Sempre tenha muita atenção quanto ao uso do modo spray. Além de contaminar o ambiente com vapor do produto, você poderá atingir outros pontos do armamento no qual você não deseja.
Proteção
Essa é uma das etapas mais importantes para evitar dores de cabeça mais tarde. Já vi armas que praticamente emperraram por causa da corrosão no mecanismo interno. Não é isso que queremos para o nosso armamento.
Antes de falar sobre proteção, preciso te explicar como a corrosão ocorre.
Vamos pegar como exemplo o aço. Todo aço é uma liga de ferro e carbono, com porcentagens deste último variando entre 0,008 e 2,11%. Alguns elementos de liga conferem características especiais ao aço, tais como vanádio, cromo, níquel, cobalto, entre outros.
O aço é obtido do minério de ferro (óxidos), seu estado natural. O processo de corrosão é a busca do metal por este estado. Nesse caso, o oxigênio é um dos elementos que ajudam nesse processo.
Abaixo temos uma imagem de microscópio onde é possível ver a superfície de um aço, formado por grãos, que sofreu corrosão (oxidação/ferrugem).
Quando protegemos a arma, o óleo penetra na rugosidade existente na superfície metálica, entre os grãos, criando uma camada de proteção. Como dissemos antes, o solvente remove essa camada, expondo o metal à oxidação.
Para proteger sua arma, basta que você aplique óleo em um pano, ou diretamente na superfície, e remova o excesso com um pano. O brilho na superfície indica a presença de óleo sem acúmulo.
Lubrificação
Como disse antes, a lubrificação visa prevenir o desgaste prematuro das partes móveis e facilitar seu funcionamento.
Lubrificar significa criar uma barreira que impede ou reduz o contato entre as superfícies metálicas com movimento entre si. Siga as indicações do Manual de Instruções.
Em alguns casos, o fabricante indica lubrificação generosa ou leve em algumas partes da arma, siga essas indicações com atenção.
Abaixo temos uma imagem ilustrativa mostrando:
- as superfícies metálicas com sua rugosidade (picos e vales);
- a ação lubrificante reduzindo ou impedindo o contato entre as superfícies metálicas.
Que tipo de óleo devo usar?
No passado, era muito comum a utilização de óleo Singer, inclusive lembro de ver meu velho e experiente pai usando em sua arma, nos anos 80.
Hoje temos fartura de produtos próprios para armamento no mercado.
Evite receitas caseiras e óleos que não são próprios para armas de fogo.
Os óleos próprios, como o Lubrax Utile PA-15, que atende à especificação MIL -C-372B para limpeza e conservação de armamentos, entre outros, são os que indico.
E o WD-40?
O que o site https://www.wd40.com.br/ diz:
AVISO LEGAL: Os usos de WD-40 Produto Multiusos descritos neste site, foram fornecidos à WD-40 por usuários finais do produto, e não constituem recomendações técnicas da Theron Marketing Ltda e WD-40 Company. Estes usos não foram testados pela WD-40 Company. Leia sempre atentamente ao rótulo do produto e consulte o fabricante do equipamento onde deseja aplicar WD-40 antes da aplicação. (GRIFO NOSSO)
WD-40® Produto Multiuso é óleo?
WD-40® Produto Multiusos não se classifica como óleo. Na realidade, WD-40® Produto Multiusos é uma mistura de concentrados químicos complexos diluídos de alta qualidade. Não contém silicones ou lanolinas de qualquer espécie. É mais fino do que a água e penetra na peça, não deixando a mesma com aspecto de gordura como os óleos comuns. (GRIFO NOSSO)
Em linhas gerais, o WD-40 não foi desenvolvido para uso em armas de fogo.
Devido à sua característica desengripante, ele promove o descolamento de peças metálicas presas por aperto, e tem capacidade de penetração em fendas e pontos de contato entre as peças.
De que modo isso pode ser prejudicial?
Essa capacidade de penetração pode gerar afrouxamento de parafusos, se a sua arma os possui, e a contaminação da pólvora/espoleta, caso entre em contato com a munição.
Fazendo uma comparação entre o WD-40 e o PA-15, vemos que o óleo Lubrax PA-15 tem maior capacidade de lubrificação, por ser mais viscoso:
Produto | Viscosidade a 100°F (37,8°C) |
WD-40 | 2.79-2.96 cSt |
PA-15 | 3.15 cSt |
ETAPA 4 e 5 – Montagem, Testes e Inspeção
Essas duas etapas ocorrem simultaneamente e vou explicar por quê.
Até o presente momento, nós executamos as medidas necessárias para eliminar tudo aquilo que não deve estar presente no armamento, óleo velho, poeira, limalha, suor, etc. Agora vamos colocar as peças no seu devido lugar, garantindo o funcionamento dos mecanismos da arma, afinal…
ELA É SUA FERRAMENTA DE DEFESA / ESPORTE!
Antes de iniciarmos a montagem, precisamos fazer uma inspeção visual detalhada de cada parte.
O que estamos buscando? Tudo aquilo que parece estar fora do lugar, diferente do que costuma ser, trincas, rachaduras, corrosão, deformidades.
Como podemos identificar isso? Quando criamos o hábito de olhar atentamente para algo, criamos uma “fotografia mental” do seu estado de normalidade.
Toda vez que houver algo diferente, você vai ter uma sensação de estranheza e irá buscar mais detalhes a respeito disso. Nesse processo, você acaba adquirindo intimidade com o armamento e seu funcionamento. Na medida em que for montando os conjuntos, teste-os.
Um exemplo simples é a Trava do Percussor, existente na maioria das pistolas semiautomáticas. O teste é um processo bastante simples, sem desativar a trava, tente aflorar o percussor no orifício da parede interna do ferrolho. Por ação da trava, este não deverá aparecer.
Depois, desative a trava e repita o processo. Nesse momento, você está verificando o funcionamento da trava, geralmente possui movimento livre com resistência de uma mola e a integridade do percussor, que deverá aparecer no orifício.
Faça o mesmo com outros mecanismos da arma. Para isso, basta que você estude o funcionamento da arma e entenda como ela trabalha.
A montagem
Durante a montagem, você precisa ter atenção à sequência correta e aos procedimentos indicados pelo fabricante no Manual de Instruções.
Não é comum a arma precisar de pancada para realização da montagem. Se isso for necessário, reinicie o procedimento verificando se está fazendo exatamente o que o Manual indica. Caso você opte pela pancada, poderá danificar alguma parte do seu armamento.
Ao final da montagem, faça nova inspeção visual e teste os mecanismos que ainda não foram testados.
Considerações Finais
Espero ter ajudado você a preservar e deixar seu armamento em condições de uso.
Como sugestão, imprima esse artigo, grife as partes que julgar mais importantes e tenha a mão como um guia sempre que for fazer a manutenção preventiva da sua arma.
Por último, indique a leitura a outros atiradores, compartilhe o conhecimento.
Se você quiser comentar, criticar ou sugerir algo sobre o artigo, você pode me encontrar no Instagram @falconi.iat
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Forte abraço ??