A mística que cerca o tiro de precisão em nosso país ainda é muito grande, seja por falta de literatura destinada a essa área, seja pela escassez de locais para a pratica de disparos de distâncias mais longas, ou ainda por diminutas escolas que aplicam tais cursos com equipamentos inadequados
Infelizmente o tiro de precisão no Brasil ainda é cheio de mistérios, e muitas vezes a pessoa que quer aprender acaba desanimando por falta de informação, lugares para praticar, professores, ou até mesmo equipamentos inadequados. Hoje em dia, mesmo com plataformas digitas como Youtube ou sites especializados, é muito comum conversar com pessoas que estão iniciando e perceber que estão completamente perdidos, precisando de ajuda e as vezes até desistindo, pois não achavam que tinham habilidade.
O primeiro passo para começar no tiro de precisão é montar um equipamento que atenda suas necessidades, e esse é o primeiro grande desafio do aluno, seja pelo alto custo dos equipamentos, ou pela dificuldade em se achar esses armamentos e acessórios (as coisas) no Brasil. Antes da existência da internet, era um desespero para conseguir comprar equipamentos, lunetas, rings, mounts, bipés, bandoleiras, range finder, etc. Comprava-se aquilo que estava a venda e pronto!!
As vezes um amigo dizia que alguem estava vendendo uma luneta, e se você estava precisando de uma, comprava sem pestanejar e verificar se aquilo lhe serviria. Muitas vezes sabia apenas detalhes básicos, como quantidade de aumento e marca, nada mais…. Quando a luneta chegava às suas mãos, quando ia montar sobre seu armamento, o tubo não era da mesma medida dos seus rings, ou o reticulo era totalmente diferente do que você esperava, enfim, gastava-se uma fortuna comprando coisas erradas e isso acabava desencorajando o pretendente ao tiro de precisão.
Para isso foi criado um conceito chamado “envelope operacional” que ajuda a entender o que se precisa para, realmente, sanar suas necessidades. Um exemplo que eu gosto de usar é: “Você quer comprar uma TV e está pesquisando as de 80”, mas você sabe qual o tamanho da sua sala? Se sua sala comporta uma TV desse tamanho? Aí você mede a sua sala e descobre que o tamanho ideal é 65”. E se tivesse optado pela de 80”? Teria gasto muito mais dinheiro e teria uma performance muito pior”.
O envelope operacional vai te ajudar a determinar a configuração do seu equipamento, seja para uma competição caso você seja um atleta, ou para sua missão se você é um profissional de segurança pública ou militar. A idéia desse artigo não é esmiuçar todas as possibilidades, mas pontuar as questões mais comuns para orientar quem pretende iniciar no tema.
Primeira escolha: “Semiautomática ou Ferrolho?”
Essa é uma das escolhas mais difíceis e polêmicas, dependendo muito do objetivo do atirador. Antigamente era comum dizer que um fuzil de ferrolho é mais preciso do que um semiautomático, mas com a evolução dos materiais e métodos de fabricação esse conceito já caiu por terra. Pode-se dizer sim que um fuzil de ferrolho é mais fácil de atirar se comparado a um semiautomático, pois esse, por sua vez, cobra mais fundamentos do atirador. O Fuzil semiautomático é mais arisco, e se os fundamentos não estiverem em dia, fatalmente os tiros vão “escapar” e os grupos desses disparos não terão a mesma consistência. Essa escolha é fundamental para o atirador de precisão esportivo e o profissional de segurança pública ou militar, pois no Brasil a maioria das ocorrências policiais envolvem alvos múltiplos, e a autonomia da arma é um fator determinante para sua escolha.
Luneta:
Tão complicado quanto “ferrolho ou semiautomático”, a escolha da luneta é uma questão muito pessoal. Opções como: miliradianos (MIL) ou minutos de ângulo (MOA); primeiro (FFP) ou segundo (SFP) plano focal; quantidade de aumento (máximo e mínimo); tipo de reticulo, etc, são determinantes, principalmente, se o atirador vai ter mais de uma arma com luneta ou lunetas diferentes, podem complicar sua atividade de tiro.
Tanto em MIL, quanto em MOA, as lunetas funcionam muito bem, o que faz a diferença é o uso e a linguagem a ser executada, pois uma leva em conta mais com sistema métrico e a outra leva em conta o sistema imperial. É possível se observar que existe uma tendência maior das lunetas táticas serem em MIL, e as lunetas para esporte em MOA, pois a regulagem em MIL é mais rápida, pois em MIL cada “click” das torres de queda (vertical) e de lateralidade (horizontal) implica numa mudança de ponto de impacto maior, e no esporte as lunetas em MOA proporcionam um acerto mais fino.
Primeiro Plano Focal (FFP) X Segundo Plano Focal (SFP): a principal diferença entre essas duas opções é que nas de primeiro plano o retículo varia de tamanho proporcionalmente a quantidade de aumento que o atirador está usando, ou seja, conforme se aumenta ou diminui o “zoom” da luneta o reticulo o acompanha proporcionalmente, isso faz com que independentemente da quantidade de aumento da luneta o reticulo será sempre uma régua proporcional ao aumento utilizado, isso ajuda quando é preciso estimar distâncias sem o uso de aparelhos eletrônicos por exemplo. Já as lunetas de segundo plano focal possuem um retículo que não muda de tamanho conforme se ajusta o aumento, portanto os “clicks” da luneta serão proporcionais apenas em uma quantidade de aumento, normalmente no máximo. Tem quem prefira um em detrimento ao outro, e o preço normalmente é maior nas de primeiro plano focal.
A quantidade de aumento é comumente confundida com a distância em que é possível atirar, contudo não existe relação alguma entre esses dois fatores, um exemplo disso eram as lunetas militares que tinham 10 vezes de aumento fixo e seus atiradores executavam tiros a mil metros com sucesso. É muito comum atiradores procurarem lunetas com aumento mínimo e máximo bem grandes como, por exemplo 12-32, porém quando vão atirar em distâncias menores percebem que não conseguem focalizar o alvo. Com o tempo, acabam optando por aumentos menores como, por exemplo, 5-25, e percebem que tem uma versatilidade muito maior. O aumento máximo da luneta nos possibilita fazer uma identificação de um alvo, pegar uma informação numa operação como a placa de um carro, distinguir uma arma de um celular na mão de uma pessoa suspeita, mas normalmente diminui-se o aumento no momento do disparo.
Tipos de reticulo também são um capítulo importante na decisão da luneta, hoje em dia existem diversos modelos, dos mais simples e tradicionais aos mais elaborados que parecem uma arvore de Natal. Mas essas características não estão lá por estética, estão lá pois contém inúmeras informações que podem ajudar o atirador em vários aspectos, como por exemplo, fazer um disparo em um alvo em movimento, calcular distancias, etc. O importante é o atirador pesquisar e escolher bem, pois retículos diferentes implicam em preços diferentes, e as vezes podem atrapalhar mais do que ajudar, por exemplo um reticulo muito poluído e cheio de informação pode dificultar um atirador que quer máxima precisão, e o reticulo é tão poluído, tem tanta informação que acaba cobrindo o seu alvo dificultando na hora de fazer um grupo pequeno.
Calibre
Pronto, já sabemos qual o sistema de funcionamento, já escolhemos a luneta, agora precisamos definir um calibre! Essa escolha talvez seja limitada ao .223REM ou ao .308win, pois qualquer coisa fora desses dois calibres no Brasil complica muito a vida do atirador, em especial no que tange ao acesso ás munições para disparos de precisão (MATCH). Mas vamos imaginar que não temos essa limitação.
Existe uma infinidade de calibres, cada um com suas características com prós e contras, todavia a escolha do sistema de funcionamento da arma pode eliminar vários deles. Vamos supor que eu queira montar um fuzil semi auto no calibre 6.5 Creedmoor, muito provavelmente, nesse sistema não funcionará bem, pois o ângulo acentuado no ombro do cartucho torna a alimentação da arma muito precária. Assim, uma opção seria o .260REM, que usa os mesmos projeteis, tem uma balística muito parecida, mas o desenho do cartucho o torna muito mais eficiente numa arma semiautomática.
Outro fator é o tamanho do cartucho, calibres Magnum ou que usam cartucho muito grande não tem plataformas semiautomáticas disponíveis, obrigando o atirador a buscar um fuzil de ferrolho.
Mas talvez o fator mais importante e determinante na escolha do calibre seja a balística terminal. Por isso as questões a serem sanadas são: “Qual a minha necessidade? Furar um papel? Caçar um animal? Qual o tamanho do animal?” Para os profissionais de segurança: “Penetrar uma barreira intermediaria? Uma blindagem? Uma operação de contra sniper onde o range de ação é muito grande?”
As respostas a essas perguntas vão nos mostrar o caminho a ser seguido em relação a calibre a ser utilizado, contudo se sabe que um só calibre não executa todos os trabalhos, de forma alguma.
Agora sim!!! Temos a arma, a luneta, já sabemos o calibre, então agora é só ir para o range de tiro e começar a treinar!!!! NADA DISSO!!! Ainda faltam os periféricos, Bipé, bandoleira, lanterna, range finder, etc…
Periféricos
Um ítem que as vezes é ignorado, mas faz toda a diferença do mundo, é o bipé. Não adianta nada eu ter o melhor fuzil, com a melhor luneta, a melhor munição, e não ter uma plataforma estável. Atualmente existe uma quantidade muito grande de bipés, e a escolha errada pode condenar todo o conjunto, por exemplo: bipés que tenham jogo, não fiquem na posição, são um pesadelo para o atirador, e a escolha de um bom bipé é fundamental para um bom resultado.
A bandoleira no fuzil de precisão não serve apenas para pendurar a arma nas costas num deslocamento, mas funciona como um ótimo ponto de apoio quando se atira em posições não ortodoxas. Podemos usar a bandoleira para fazer um garrote que ajuda muito na estabilização da arma, por isso o modelo e material de fabricação são fundamentais.
Lanterna num fuzil de precisão???? Claro!! Nenhuma arma é considerada tática se não tiver uma lanterna acoplada. Seja numa operação, ou numa caçada, lembre-se que devemos chegar e sair de locais de difícil acesso e com baixa luminosidade, uma boa lanterna pode ser fundamental.
Range finder (telêmetro), esse pode ser considerado um dos maiores amigos do atirador de precisão, pois nosso maior inimigo é estimar a distância errada, caso isso aconteça todos os seus cálculos estarão errados e, automaticamente, fora será o ponto de impacto. Portanto, um bom range finder é fundamental.
Saber a teoria e medir as distancias usando o reticulo é imprescindível, porém numa operação ou numa prova, não temos tempo de ficar fazendo conta, sem contar o stress mental que pode nos atrapalhar ainda mais, por isso é obrigatório ter um bom range finder. Lembre-se de que você está equipado com uma arma com capacidade de executar trabalho a distâncias consideráveis, então tenha em mente que seu range finder precisa executar leituras em distancias, no mínimo, proporcionais a capacidade do seu armamento. Não existe sensação pior do que se posicionar para uma missão e descobrir ali que seu range finder não lê as distancias que você precisa.
O Cronógrafo também é um item fundamental, uma vez que você vai precisar dele para verificar a velocidade do projetil disparado pela sua arma para fazer sua tabela balística. Existem tabelas de velocidade publicadas pelos fabricantes, mas esses testes são realizados utilizando-se provetes com comprimentos de cano e passos de raiamento provavelmente diferentes dos da sua arma, resultando em velocidades distintas das do seu equipamento pessoal.
Conclusão
Tiro de precisão é um assunto muito extenso, mas não deve ser tratado como um mistério, quanto mais informação o atirador conseguir, menos dinheiro ele vai gastar com coisas que não precisava, e a evolução será mais rápida. Procurem sempre escolas e professores que estão dispostos a passar conhecimento, e não apenas ficar mostrando como atiram bem ou suas armas são caríssimas. E lembrem-se, só tem um jeito de ficar bom, é praticando e estudando, volume de tiro em condições variadas é o melhor professor.