Caso 1: policial Timothy Gramins acerta 14 tiros em um marginal, de calibre .45 ACP, incluindo coração e dois pulmões, e somente consegue incapacitá-lo após 3 tiros na cabeça.
Caso 2: no estado de Sergipe, marginal é atingido por um disparo de fuzil calibre 5,56 x 45 mm no centro do tórax, é socorrido e ainda foge do hospital.
Caso 3: nos EUA, durante um assalto, atendente de loja de conveniência é alvejado por um tiro de .357 Magnum, perde metade da cabeça, mas sobrevive.
Caso 4: em Minas Gerais, vítima recebe um único tiro de .22 LR nas costas e vai a óbito em seguida, não havendo tempo para chegar socorro.
Caso 5: também em Minas Gerais, vítima é atingida por um tiro de espingarda 12 ga nas costas e continua descendo uma escada, somente sendo incapacitada por um novo tiro que seccionou seu tronco encefálico com um único projétil de chumbo SG.
Todos esses casos aconteceram na prática e estão devidamente documentados. Contudo, para quem se inicia no estudo das armas de fogo esses relatos podem parecer fantasiosos ou aumentados. Afinal, como que uma pessoa continua atirando após receber 14 tiros de .45 ACP? Como que um cartucho tão diminuto como o .22 LR é capaz de levar uma pessoa a óbito tão rapidamente? Essa é a temática que trataremos neste artigo.
Desde que publiquei o livro “Balística para Profissionais do Direito”, em março de 2020, tive a grata surpresa de vê-lo citado por diversos autores que são referência no assunto, como os amigos Professor João Bosco e Perito Criminal Barros (que contribuíram com os relatos dos casos 4 e 5). A recepção da obra foi além das expectativas e aproveito a oportunidade para agradecer a todos que contribuíram para que se tornasse realidade.
Curiosamente, talvez a expressão mais lembrada e citada do livro tenha sido justamente a “balística do caos”, retirada de um parágrafo logo do primeiro capítulo. Mas, o que é a “balística do caos”?
Uma pesquisa rápida no Google nos traz a seguinte definição de caos: “Sistema sem estabilidade, dinâmico, que se altera no tempo a cada pequena alteração das suas condições iniciais.”
Os matemáticos talvez preferissem que eu tivesse denominado o fenômeno de processo estocástico, pois “mesmo que se conheça a condição inicial, existem várias, por vezes infinitas, direções nas quais o processo pode evoluir.” Essa inexistência de certeza do resultado pelas infinitas possibilidades é o cerne da balística do caos.
De toda sorte, a ideia por trás da “balística do caos” é justamente a absoluta imprevisibilidade do que vai acontecer quando um projétil adentra o corpo humano. A miríade de variáveis em ação é tão grande que não há qualquer possibilidade de afirmar, de antemão, como a ogiva ou a vítima irão reagir ao evento interativo. Analisando friamente, temos a atuação de elementos da Física, Química, Bioquímica, Fisiologia e outras ciências.
Os elementos imprevisíveis começam a agir desde que o percussor atinge a espoleta do cartucho, iniciando a queima (de forma adequada ou não) do propelente. A forma como aquele projétil vai se engastar no raiamento, se conseguirá acelerar o suficiente, se será estabilizado adequadamente pelo raiamento, o tamanho do cano, a existência de defeitos na coroa do cano (que podem perturbar a estabilidade), a velocidade de saída do cano e tantas outras variáveis farão diferença no resultado terminal daquele projétil.
Pensemos ainda no tipo de arma e calibre empregados, tipo de projétil, a distância da boca do cano até a vítima, o ângulo em que ela foi atingida, sua compleição física, o tipo de roupa que estava usando, sua pressão sanguínea, sua frequência cardíaca, a presença ou não de substâncias entorpecentes na corrente sanguínea, o impacto com ossos ou tecidos moles e seus diferentes níveis de resistência, o nível de penetração do projétil e sua (errática) expansão, se houve fragmentação ou não, o calibre e tipo dos vasos danificados, a razão de sangramento, o quão nobre foram as estruturas atingidas, se houve ou não transfixação, dentre tantos outros fatores.
Isso é somente uma amostra de tudo o que está em jogo em termos de balística terminal. Para tentar antever o resultado final daquele confronto, ainda temos que levar em conta se a vítima tinha equipamento e treinamento em APH de combate, se foi prontamente socorrida ao hospital, quanto tempo levou seu deslocamento, se foi corretamente estabilizada pelos primeiros atendentes, se o centro de saúde tinha os insumos básicos disponíveis (muitos sequer possuem banco de sangue), se havia cirurgiões e anestesistas capacitados, equipamentos e toda o resto da equipe necessária para o procedimento e assim por diante.
Sem entrarmos em grandes elucubrações, também são cruciais os aspectos psicológicos da pessoa atingida, se está altamente motivada ou não, sua resistência a dor, sua mentalidade de combate e etc.
Trocando em miúdos, sempre haverá um fator caótico e imprevisível na balística terminal de um confronto armado. Alguns casos reais beiram o inacreditável e de fato parecem inventados. No fundo, o conhecimento mínimo sobre o que de fato ocorre no corpo em termos de interação com um projétil de arma de fogo, é mais uma ferramenta que desmente aqueles “especialistas de botequim”, que dizem aos quatro ventos que “um tiro de 45 derruba qualquer um” ou que “se não resolveu com 6 tiros não resolve mais”.
Em suma, a escolha correta do armamento, do calibre e da munição, bem como a manutenção constante do treinamento com armas de fogo, minimizam essas variáveis e colaboram para um resultado positivo para o operador de segurança pública, com a salvaguarda de sua vida e de terceiros. Contudo, é de extrema importância ter em mente que não é porque uma munição X performa de forma extraordinária em gelatina balística e outros testes que irá se comportar da mesma maneira no corpo humano, dadas as inúmeras variáveis já citadas e outras que estarão presentes somente no caso concreto específico.
Na vida real, por vezes calibres “anêmicos” apresentam resultados balísticos impressionantes. Por outras, tiros bem colocados, com calibres reconhecidamente apropriados, são incapazes de cessar a agressão do oponente. Lembre-se: diversos fatores cruciais para o sucesso de uma reação armada não dependem da vontade do operador, por isso minimize os riscos envolvidos que estão dentro de sua esfera de escolha, em especial o equipamento adequado e treinamento constante!
Até a próxima!
Fontes:
www.dicio.com.br