Felipe Palma Freitas
Luiz Charneski
Introdução
A atividade policial no Brasil tem contornos altamente complexos. Além dos riscos inerentes à profissão, policiais lidam, diariamente, com a falta de valorização do elemento humano, carência de meios e treinamento, anacronia do modelo policial, falta e má gestão de recursos, desconfiança por parte de setores da sociedade e ausência de respaldo jurídico para realização de seu ofício. Isto gera reflexos na forma como se combate o crime, havendo uma onda inaceitável de ataques a profissionais de segurança pública, em virtude dos problemas do sistema policial e de persecução penal.
Neste contexto, casos de investidas diretas a policiais, resultando na tomada de seu armamento, se tornam cada vez mais comuns, o que vêm atraindo atenção de gestores sérios e instrutores da área de defesa pessoal. Recentemente, em contato com Luiz Charneski, que aprimorou técnicas de defesa policial voltadas para a manutenção da arma com seu operador (técnicas de retenção e contrarretenção de arma de fogo), surgiu a ideia de realizar uma pesquisa sobre o tema. Assim, foi realizado um amplo levantamento de casos ocorridos no Brasil, no ano de 2019, sendo o resultado apresentado a seguir.
Metodologia
É de amplo conhecimento que é virtualmente inexistente a prática de se produzirem estatísticas e informações relacionadas à segurança pública e, consequentemente, sobre vitimização policial. Não há uma catalogação adequada de dados sobre ataques e morte de policiais. As poucas iniciativas sobre o assunto dificilmente se afastam da superficialidade ou de vieses ideológicos. As próprias instituições pecam ao não darem a devida atenção ao tema.
Portanto, este trabalho se deparou com as mesmas dificuldades enfrentadas por pesquisadores nacionais da área de segurança pública, qual seja, a identificação de fontes confiáveis e capazes de apresentarem os detalhes necessários para a elaboração de um material robusto.
Para tornar a análise possível, recorremos aos jornais dos diversos estados do país, através de uma pesquisa, que se serviu de termos específicos, na ferramenta Google. Para tanto, foram buscadas as seguintes expressões, que resultaram em 130 links de notícias dos mais variados portais jornalísticos do país:
O resultado foi analisado, buscando-se extrair os mais diversos dados sobre as ocorrências, dentre os quais:
É fundamental destacar, portanto, que este material se baseia em coberturas jornalísticas, havendo, obviamente, uma grande variação na profundidade e riqueza de detalhes das matérias encontradas.
Além disso, não se pode desconsiderar a existência de uma grande cifra negra, isto é, casos não relatados à imprensa, ou que não chegaram a seu conhecimento.
Em função destas características, reconhecemos que o presente artigo não dispõe de rigor científico, apesar de acreditarmos que as informações nele disponibilizadas são capazes de apresentar um panorama de ataques envolvendo cenários de retenção e contrarretenção de arma de fogo.
Visão geral
A catalogação dos dados oriundos das matérias jornalísticas encontradas permitiu a identificação de 84 casos nos quais houve a tentativa ou efetiva tomada do armamento de profissionais de segurança pública. A proporção de policiais militares envolvidos em situações desta natureza foi muito superior às demais carreiras, possivelmente em razão do maior contingente das polícias militares e de sua interação mais aproximada com cidadãos e infratores, o que aumenta sobremaneira sua exposição a potenciais ataques.
Apesar da possível crença de que agressões assim recaiam, em maior quantidade, sobre profissionais que estejam fora de serviço (folga ou aposentadoria/reserva), em razão de sua maior vulnerabilidade tática (número, equipamentos, atenção, etc), os dados coletados apontam para uma quantidade levemente superior de ocorrências envolvendo policiais que se encontravam em serviço (44 casos)[1]. Por outro lado, foram identificados 35 ataques ocorridos em situação funcional de folga e 5 contra policiais em aposentadoria/reserva.
Ainda que não haja nenhum dado ou trabalho nacionais que apontem um menor risco de ataques contra policiais do sexo feminino, os números desta pesquisa indicam que apenas 2 foram atacadas em cenário de retenção e contrarretenção de arma de fogo, em oposição a 82 policiais masculinos vitimados.
No que diz respeito aos Estados com maior incidência de investidas, São Paulo saiu na frente, fato que, provavelmente, mantém relação com seu imenso contingente policial, o maior do país. Espírito Santo, por outro lado, chama a atenção, tendo em vista sua pequena população e, consequentemente, reduzida quantidade de profissionais de segurança pública, se comparado ao primeiro colocado.
Quanto aos resultados das agressões, foram contabilizados 7 policiais mortos, 12 alvejados de maneira não letal e 3 feridos por disparos acidentais, isto é, autolesão durante luta corporal ou em decorrência de reações psicofisiológicas relacionadas ao estresse do confronto. Por outro lado, os profissionais envolvidos conseguiram alvejar 33 agressores, sendo contabilizados 15 mortos, 18 feridos por disparo de arma de fogo e 2 por elastômero.
Ataques a policiais em serviço
A conduta do profissional de segurança pública em serviço tende a diferir muito em relação àquela adotada fora de serviço. No primeiro caso, o policial, naturalmente, apresenta um nível de atenção mais elevado. Há uma verdadeira concentração de esforços na busca de qualquer situação destoante, como forma de permitir uma ação proativa visando à neutralização de riscos e ameaças a si, sua equipe e cidadãos inocentes. Além disso, nessas ocasiões, o profissional também será acionado para intervir diretamente em situações de crise e violência, de forma que há foco total ao cenário no qual está inserido.
Em suma, em serviço, há a tendência de que o policial se encontre em posição de superioridade tática, se comparado à sua folga ou aposentadoria/reserva e em relação a eventuais oponentes. Talvez por esta razão é que das 44 ocorrências encontradas, em apenas 5 delas os policiais foram feridos por disparos de arma de fogo efetuados por seus agressores, sendo registrados, também, 3 casos de autolesão.
Tendo em vista a natureza do serviço policial militar, que, pela sua ostensividade, favorece uma maior quantidade de interações com o público e, consequentemente, com indivíduos de alta periculosidade, profissionais desta categoria são alvos de mais investidas, que totalizaram 36 situações. Já os policiais civis sofreram 4 ataques, seguidos de guardas civis municipais, em 3 e 1 policial federal.
Ataques a policiais fora de serviço
Fora de serviço, o policial encontra-se em estado de vulnerabilidade relativa, pois, via de regra, ele não dispõe de pronto suporte de seus colegas, tampouco dos mesmos equipamentos de proteção individual utilizados em serviço, encontrando-se, também, geralmente, em um estado de atenção mais relaxado. Cumpre salientar que a vulnerabilidade, como dito, sempre será relativa, pois sua intensidade dependerá da postura, mentalidade e preparo do profissional.
Em função da tendência de uma repercussão mais intensa dos resultados de ataques a policiais fora de serviço (morte ou ferimento do profissional, roubo da arma de fogo, etc), é natural que a imprensa realize uma cobertura minuciosa. Percebemos, assim, maior riqueza de detalhes nas notícias desses casos, o que permitiu o levantamento de dados mais aprofundados e com grau de confiabilidade diferenciado.
Foram noticiados 40 ataques a profissionais fora de serviço, dos quais 31 tiveram como foco policiais militares. Policiais civis foram vitimados em 7 circunstâncias e guardas civis municipais em 2. Profissionais masculinos representaram a maioria (38) e femininos, apenas 2.
Dos agredidos, 34 se encontravam em seus períodos de folga e 5 deles em situação de aposentadoria/reserva. Em 1 caso, o profissional, apesar de estar na folga, encontrava-se fardado, o que não impediu que dois criminosos o dominassem e roubassem sua arma.
No total, foram 7 policiais alvejados de maneira não letal, 7 mortos e 26 que saíram ilesos ou com lesões de menor gravidade.
Os locais em que se deram os ataques variaram, com a via pública se destacando.
No que tange a motivação da interação entre policial e agressor, roubos e latrocínios (tentados e consumados) representaram a maioria das ocorrências (25), sendo seguidos de brigas e intervenções em situações envolvendo terceiros, com 10 casos. A este respeito, é importante salientar o peso da postura e mentalidade do profissional fora de serviço. Em roubos e latrocínios, obviamente, que a tendência é de uma postura inicialmente passiva da vítima, que permita a aproximação e ataque pelo criminoso. Por outro lado, a postura ativa, no envolvimento em brigas e intervenções em situações envolvendo terceiros também agrava o risco de reveses para o policial, sendo necessário, em ambos os casos, avaliar e dosar adequadamente a conduta, aumentando-se o grau de atenção e controlando-se o ímpeto de intervir ou participar em interações potencialmente violentas desnecessariamente
Foram identificadas as mais variadas ações no momento do ataque, havendo uma preponderância de discussões com os agressores e condutas corriqueiras com um reduzido grau de atenção.
Como era de se esperar, criminosos tendem a agir em grupos, o que lhes confere superioridade tática sobre suas vítimas, fato observado em 23 casos.
Em relação às respostas dos policiais às investidas, em 35 casos não foi registrado qualquer tipo de lesão grave nos agressores. De um total de 40 ocorrências envolvendo profissionais fora de serviço, houve, apenas, 4 agressores mortos e 3 alvejados.
Em função desta aparente vantagem dos agressores, em 37 casos o policial teve sua arma tomada, sendo ela disparada por seus oponentes em 15 oportunidades e levada do local em 30.
Policiais alvejados ou mortos
No total, somando ocorrências em serviço e fora dele, houve 7 mortes e 15 policiais feridos por disparos de arma de fogo, dos quais 12 foram alvejados por seus agressores e 3 se autolesionaram. Em todos os casos os profissionais eram do sexo masculino, sendo 19 policiais militares, 2 policiais civis e 1 guarda civil municipal.
Quanto à situação funcional, 8 dos policiais feridos encontravam-se de serviço, 5 deles na folga e 2 em aposentadoria/reserva. Todos os mortos se encontravam fora de serviço (6 na folga e 1 aposentado/reserva).
Via pública se apresentou como local de maior incidência de situações, seguida de bares e casas de show, e postos de gasolina.
No que diz respeito ao motivo da interação, latrocínios e brigas se destacaram, com 4 casos cada, acompanhados de intervenções em situações envolvendo terceiros e abordagens policiais, com 3 ocorrências cada.
Já em relação a ação das vítimas no momento do ataque, em 6 circunstâncias houve a tentativa de prisão do agressor, resultando em ferimentos no profissional. Investidas ocorreram em meio a discussões em 5 casos.
Quanto ao local dos ferimentos não letais sofridos pelos policiais, em decorrência de disparos de arma de fogo, é fundamental apontar a importância de o policial sempre levar consigo um kit básico de atendimento pré-hospitalar de combate, em especial o torniquete. À exclusão das lesões múltiplas, das de tórax e costas, foram 7 lesões em membros inferiores e superiores.
Das lesões que resultaram em óbito, 2 foram na cabeça e 4 em locais não relatados. Em 1 caso, a lesão fatal se deu na perna do policial vitimado, o que, mais uma vez, chama a atenção para a necessidade de porte do torniquete.
Apesar de criminosos tenderem a agir em bando, como tratado anteriormente, nas ocorrências que resultaram em lesões ou morte de policiais, a maioria deles agiu solitariamente, ou seja, em 14 casos.
Em todas as situações de policiais feridos em serviço, havia apoio de outros profissionais no local da ocorrência. Por outro lado, fora de serviço, os policiais vitimados se encontravam sem qualquer apoio imediato, o que ressalta uma vulnerabilidade ainda maior neste cenário.
Dos 22 casos registrados, em apenas 7 houve resposta por parte do agredido ou de outro policial presente, através de disparos de arma de fogo. Nas 14 situações ocorridas fora de serviço, apenas 2 resultaram em agressores alvejados.
A respeito do destino da arma de fogo, ela foi efetivamente tomada em 18 casos, 13 deles fora de serviço. Como consequência, os armamentos foram disparados pelos agressores em 15 situações (5 em serviço e 10 fora), sendo que em todas os policiais foram atingidos.
Por fim, como consequência dos embates, as armas tomadas foram levadas pelos agressores em 10 situações, das quais 3 em serviço e 7 fora dele.
Agressores alvejados ou mortos
Em relação à resposta policial mediante uso de arma de fogo, foram identificados 32 agressores alvejados, 2 deles por munição de elastômero. Interessante notar, neste ponto, a influência das reações psicofisiológicas ao estresse do confronto, bem como a dificuldade de se efetuar um disparo de qualidade em situações de combate aproximado. As lesões apresentadas pelos agressores se concentraram em áreas inferiores do corpo, como pernas, pés e abdômen.
Quando a arma do policial é tomada
Analisando especificamente os casos em que o policial teve sua arma tomada, como resultado do ataque (43), verificamos que, em 19 deles, ela foi disparada pelos agressores. Em outras 19 situações, eles não efetuaram disparos. Foram registrados 2 casos em que dados sobre este aspecto não foram informados, 2 em que o agressor utilizou arma que já trazia consigo e 1 em que uma arma não identificada (se do agressor ou do policial) foi disparada.
Em apenas 7 cenários, o policial ou um parceiro de serviço conseguiram reagir e alvejar os agressores.
O resultado dessas 43 investidas apresenta diversos quadros, sendo necessário registrar que em apenas 15 não foi houve nenhum tipo de agressão ao profissional.
Em consequência da perda do domínio da arma, na maioria das ocorrências (33) elas foram levadas do local pelo agressor.
Reações dos policiais fora de serviço (folga ou aposentadoria/reserva)
Foram variadas as respostas adotadas pelo profissional atacado fora de serviço. Houve casos em que ele não reagiu ou não teve oportunidade para tanto, lutou, tentou fugir, disparou contra o agressor ou tentou sacar seu armamento sem sucesso.
Em 17 oportunidades, o policial não reagiu. Nesses casos, os estopins dos ataques foram roubos e latrocínios (tentados ou consumados) em 15 deles. Os demais foram 1 briga e 1 caso em que o policial foi identificado como tal e vitimado em área hostil.
Quando não houve reação, o profissional saiu ileso em 12 casos, foi alvejado em 2, espancado em outros 2 e esfaqueado em 1.
Na única ocorrência em que a vítima tentou fugir, ela acabou agredida. Da mesma forma, em 1 caso o policial tentou sacar sua arma, que caiu, foi tomada e disparada pelo agressor, que, por sorte, não o atingiu, apesar de ter levado o armamento do local.
Analisando cada padrão de reação, verificou-se que quando o policial decidiu pela luta (8), se encontrava diante de roubo ou latrocínio (tentado ou consumado) em 3 circunstâncias, de briga em outras 3 e de intervenção em situação envolvendo terceiros em 2. Como resultado, foi alvejado em 3 casos, espancado em mais 3 e esfaqueado em 2. Em apenas 1, sua arma não foi levada do local.
Por outro lado, quando o policial conseguiu disparar sua arma e alvejar seus agressores (2), saiu ileso, não sendo ela tomada.
Por fim, nos cenários em que o profissional lutou e alvejou agressores (4), ele foi atacado por mais de um, com exceção de um caso. O resultado foi a morte da vítima em 3 e lesões corporais decorrentes de espancamento em 1. Sua arma foi tomada em todos os casos.
Uma estrutura problemática e suas repercussões na atividade policial
Os dados apresentados indicam as inúmeras variáveis envolvidas em um embate físico pela posse da arma de fogo. E, apesar de a sociedade e o público leigo em geral esperarem que o confronto, especialmente quando envolva policiais, seja esteticamente agradável e limpo, é inegável que ele se apresenta de forma caótica. Seus resultados são imprevisíveis, sendo impossível traçar posturas que garantam que o oponente seja repelido ou subjugado, tampouco que o seja da forma citada e sem intercorrências. Tudo é possível em um combate aproximado.
Em função do atual estágio da legislação penal brasileira e das normas que regulam a atividade policial, bem como das intensas críticas à atividade em si, a mentalidade de profissionais de segurança pública vem sofrendo duros reveses. Em um sistema que tornou regra a suspeição sobre intervenções policiais e no qual críticas são tecidas por pessoas sem gabarito para tanto, isto é, sem a necessária junção entre bagagem teórica e experiência prática, cada ação passou a ser envolvida por uma névoa de incerteza e insegurança. A situação é tão grave que 45,5% dos profissionais da área temem enfrentar sanções judiciais em razão de sua atividade[2].
Obviamente que isto repercute negativamente na performance profissional, na medida em que se verifica a hesitação de muitos policiais quando se deparam com uma situação que exija alguma ação sua, especialmente quando necessário o uso da força. Como consequência, há um agravamento dos riscos enfrentados o que é potencializado pelo déficit de treinamento e carência de protocolos claros sobre como agir em situações específicas[3].
É inegável que, com as inúmeras crises nos estados da federação, os recursos destinados à segurança pública sejam insuficientes. A isso se soma o fato de que dados e informações sobre a atividade policial são extremamente escassos no Brasil. Estes fatores não apenas dificultam a tomada de decisão relacionada à elaboração de projetos de treinamento, como praticamente impõem que os processos de formação sejam enxutos e inadequados.
Por demandas sociais e pressões exercidas pela mídia e grupos políticos diversos, de uma maneira geral, há uma prevalência, nos cursos básicos de formação, de matérias teóricas, em detrimento das técnicas necessárias para a realidade das ruas. É possível afirmar que, em muitos casos, há uma verdadeira negação a respeito da violência a ser enfrentada pelo policial, como se este padrão de postura fosse capaz de reduzir o ímpeto combativo do profissional e, por consequência, situações de enfrentamento e eventuais desvios. Obviamente, o resultado é justamente o contrário.
Além disso, o sistema de aquisição de equipamentos pelas instituições policiais brasileiras tende a ser complexo e ineficiente. São poucas as que estabelecem padrões elevados relacionados aos materiais a serem adquiridos e que avaliam, com a devida profundidade, as reais necessidades dos profissionais que se encontram na linha de frente. No que diz respeito à retenção e contrarretenção de arma de fogo, um item se mostra vital, que é o coldre, cuja escolha acaba prejudicada pelos fatores mencionados.
Conclusões
Como se pode antever na leitura do item anterior, há medidas que possibilitam que policiais aumentem suas chances de êxito em situações de confronto, especialmente, de retenção e contrarretenção de arma de fogo, o que envolve 3 fundamentos, quais sejam, mentalidade, treinamento e equipamento.
No que diz respeito à mentalidade, é fundamental que o policial tenha confiança em suas habilidades e se sinta seguro para agir quando necessário. Para tanto, há um trabalho em duas linhas, que são a informacional e a profissional.
É importante que instituições policiais e profissionais de segurança pública aumentem sua interlocução com órgãos de controle da atividade, mídia e sociedade, de forma equilibrada. Em suma, é necessário falar, explicar como funcionam as dinâmicas relacionadas a interações violentas e uso da força, para que se derrubem mitos e que, gradativamente, se insira na mente do leigo que a profissão policial não é exercida à maneira hollywoodiana, envolvendo decisões e procedimentos de altíssima complexidade. Havendo esta aproximação, é possível que se moldem e adequem as expectativas do público à realidade da atividade, o que repercutirá nas críticas e pressões sobre o profissional.
Outro aspecto envolve, justamente, o reforço, na mente deste último, da necessária e constante busca por capacitação, compreensão de protocolos, reciclagem e aprofundamento de conhecimentos, o que demanda uma série de medidas institucionais, que vão desde a valorização do elemento humana, passando pela consolidação de doutrina, pela oferta de instruções internas e/ou privadas e pelas devidas ações de valorização meritocrática. Tornando aquele que está na linha de frente mais consciente dos riscos e responsabilidades de sua atividade, bem como seguro de que dispõe das ferramentas para agir e de apoio institucional, haverá uma natural melhora na sua performance.
No que diz respeito ao treinamento, é necessário que haja uma adequação de currículos de formação com base em conceitos modernos. Para tanto, é primordial que as instituições estejam atentas à evolução de doutrinas nacionais e estrangeiras, bem como adotem uma postura aberta à recepção de conhecimento, seja ele advindo de seus próprios profissionais que se dediquem à sua busca ou de elementos externos, públicos ou privados. Esta busca deve ser constante, de forma que instruções e reciclagens sejam realizadas com base em programas abrangentes e rotineiros, que sejam apresentados de forma atraente para os profissionais, já extremamente desgastados pela atividade que exercem.
Por fim, há a questão do equipamento, que, no caso do presente estudo, recai, fundamentalmente, sobre coldres. Sua aquisição, bem como de outros equipamentos, não deve se dar com base em critérios simplórios, mas na análise das necessidades reais dos policiais e nas opiniões de profissionais atualizados em relação à evolução da indústria. Coldres com níveis adequados de retenção e resistência, sejam eles para uso ostensivo ou velado, devem ser fornecidos aos profissionais de segurança pública. Isto não apenas favorece a padronização de equipamentos e, por consequência, de doutrina, como a segurança na atuação do profissional, que, confiante nas ferramentas de que dispõe, poderá focar suas ações nos pontos cruciais que se apresentam em cenários de crise.
[1] Sobre este aspecto, cumpre ressaltar que a experiência nos leva a acreditar que este número seja muito maior, considerando a cifra negra citada anteriormente e o fato de que ataques contra policiais fora de serviço, geralmente, gozarem de maior interesse por parte da mídia.
[2] Pesquisa de vitimização e percepção de risco entre profissionais do sistema de segurança pública, disponível em http://www.forumseguranca.org.br/storage/publicacoes/FBSP_Pesquisa_vitimizacao_percepcao_risco_2015.pdf
[3] 51% dos policiais brasileiros “têm receio alto ou muito alto por falta de diretrizes claras sobre como conduzir ações específicas (abordagem, prisão por drogas, uso da força, etc.)”, conforme a Pesquisa de vitimização e percepção de risco entre profissionais do sistema de segurança pública, disponível em http://www.forumseguranca.org.br/storage/publicacoes/FBSP_Pesquisa_vitimizacao_percepcao_risco_2015.pdf