Beabadotiro por Luciano Lara
Essa semana voltaram a circular questionamentos sobre as definições legais sobre acessórios previstos no regramento jurídico sobre armas e munições no País.
Como sempre falamos nessa coluna, o assunto armas e munições é tão dominado por ideologias e preconceito que, apegados ao sentimento pessoal ou ao desconhecimento efetivo, até mesmo os profissionais do direito, já acostumados com os institutos jurídicos, acabam patinando em questões básicas e sem qualquer dificuldade de intelecção quando se trata de qualquer outro tema que não o armamento.
E já ocorreu nas malfadadas decisões proferidas em sede de ADI no Supremo, onde se notou que quando se trata de arma de fogo há quem não saiba nem pra onde sai o disparo, ainda que esteja olhando o cano de frente, quando não se gosta do assunto armas, mesmo quanto às questões jurídicas sequer se respeita o cumprimento das formalidades do rito de ação em julgamento, que se o diga procurar saber os conceitos da lei ou entender o tema.
Quanto à definição de acessórios de armas de fogo, sempre motivo de dúvidas, para fim de caracterização de conduta criminosa ou mesmo de infração administrativa, temos que talvez a dúvida seja por confusão injustificada.
Ainda que haja um conceito ou um conhecimento popular no sentido de que acessório é aquilo que acompanha o principal, ou mesmo como descreve o pai dos burros, o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o “que se acrescenta a uma coisa, sem fazer parte integrante dela; suplementar, adicional”, ter esse conhecimento não me autoriza a intuir ou induzir interpretação sobre a definição legal do acessório de arma de fogo.
Isso porque em Direito quando há definição legal de algo é sobre essa vontade do legislador que deve se ater o aplicador da norma, e no caso de armas, munições e acessórios, coube ao legislador dizer o que é o que.
Dispõe o artigo 23, da Lei 10.826/03, assim escrito:
Art. 23. A classificação legal, técnica e geral bem como a definição das armas de fogo e demais produtos controlados, de usos proibidos, restritos, permitidos ou obsoletos e de valor histórico serão disciplinadas em ato do chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do Comando do Exército.
Ato do Chefe do Executivo Federal é o Decreto Presidencial, e especificamente quanto a Produtos Controlados pelo Exército (PCE) é atualmente o Decreto n. 10.030/19, que em seu texto estabelece o que é produto controlado, o que se entende por arma de fogo de uso proibido, restrito e permitido, bem como conceitua armas, munições e acessórios, tudo para que o intérprete possa aplicar a lei com base nessa definição legal.
Repito sem medo de ser exaustivo: NÃO É O QUE EU ACHO, É O QUE A LEI DIZ QUE É.
E a lei diz, no Anexo III, do citado Decreto 10.030/19, que:
Acessório de arma de fogo: artefatos listados nominalmente na legislação como Produto Controlado pelo Exército – PCE que, acoplados a uma arma, possibilitam a alteração da configuração normal do armamento, tal como um supressor de som.
Com isso acessório não é o que o leigo/popular acha ser (simples coisa que “se possa acrescentar ao bem, sem dela fazer parte integrante”) no conceito do dicionário e sim e somente, artefato listado nominalmente na legislação como Produto Controlado pelo Exército.
Não estando listado como PCE, o fato de ter deixado de ser acessório restrito/permitido, com efeito o bem NÃO É ACESSÓRIO DE ARMA DE FOGO para a definição legal e portanto não completa a definição típica para a configuração do delito ou infração administrativa daquela situação em análise.
Explico e exemplifico.
O crime é de posse, porte, comércio ou importação ilegal de armas, munições e acessórios de arma de fogo, então o objeto a ser apurado deve ser, NA DEFINIÇÃO LEGAL, arma de fogo, munição e acessório de arma de fogo.
O que eu acho que é arma, o que eu penso ser munição, o que eu acredito ser acessório de arma de fogo, se não está previsto na DEFINIÇÃO LEGAL, pouco importa.
Vejamos especificamente o que dispõe o artigo 12 da Lei n. 10.826/03:
Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Trata-se da chamada norma penal em branco em que há necessidade de uma complementação, em outra norma, das definições constantes no artigo sobre o que é arma, o que é munição, o que é acessório, o que é de uso permitido, tudo para que se compreenda o alcance do artigo e sua aplicação efetiva.
As questões de dúvidas atuais se voltam em especial a carregadores, lunetas e red dots, os quais não mais constam como Produtos Controlados (PCE), por ato normativo expresso de quem de direito, Decreto Presidencial baixado sob proposta do Comando do Exército, conforme determina a Lei de Armas.
CONSEQUÊNCIAS
Assim, não sendo produtos controlados por definição legal (e não por achismo de quem quer que seja), algumas consequências decorrem quanto a esses itens:
1 – não exigem autorização de compra ou autorização do Exército Brasileiro para a sua aquisição, no mercado interno ou externo, já que NÃO SÃO PCE.
2 – não geram caracterização de crime para as definições exigidas pela Lei n. 10.826/03, já que NÃO SÃO PCE.
3 – condutas praticadas antes da alteração das definições desses itens e que tenham levado a persecução penal e até condenação, quando da saída desses produtos da lista de PCE deixaram de ser crimes pelo fenômeno da abolitio criminis.
Para desenhar faço um paralelo para a lei de drogas, que estabelece em seu artigo 33 o crime de tráfico de drogas, assim dispondo:
Lei 11.343/06. Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Vejam que o legislador na lei de drogas não disse o que entende serem drogas, coube a uma Portaria do Ministério da Saúde definir quais as substâncias são sujeitas a controle especial e portanto passíveis de punição caso traficadas.
Se a substância não está listada na Portaria do Ministério da Saúde, por mais que eu não goste dela, para os fins da Lei de Drogas ela não é droga.
E se essa substância deixar de constar da Portaria do Ministério da Saúde, quem vendeu aquela substância não praticou tráfico de drogas porque a substância, para a lei, deixou de ser droga.
Fácil, tranquilo, simples de entender quando se trata da aplicação da norma penal em branco quanto a droga como a qualquer outro assunto. Menos para armas e munições…
O triste é quando a confusão de conceitos se dá pela definição de uso proibido, restrito e permitido.
NÃO ESTAR EM LISTA DE PCE NÃO QUER DIZER QUE ESTÁ CLASSIFICADO COMO DE USO PERMITIDO.
O QUE NÃO É PROIBIDO É PERMITIDO NADA QUER DIZER QUANTO A DEFINIÇÃO DE USO PERMITIDO E USO PROIBIDO.
Mais uma vez, dizer que não está proibido então é uso permitido somente pode ser aceito ao leigo, jamais ao profissional do direito, uma vez que há definição legal sobre o assunto, de novo expresso no Anexo II do Decreto n. 10.030/19 que trata do tema PCE:
PCE de uso permitido : produto controlado listado nominalmente na legislação como PCE cujo acesso e utilização podem ser autorizados para as pessoas em geral, observada a classificação elaborada pelo Comando do Exército, prevista nos decretos regulamentadores da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003.
Dizer que saiu da lista então é de uso permitido é INVENÇÃO, é ERRO CRASSO, é ILEGAL.
Não sendo Produto Controlado pelo Exército quer, enfim, dizer que não é de controle do exército e sua aquisição INDEPENDE DE ATO FORMAL, não pode haver cogitação de exigência de Licença de Importação porque isso não existe – O PRODUTO NÃO É DE CONTROLE, portanto, não há de se falar em licença, em formalidade, em nada.
Resumindo e repetindo: ou há previsão legal ou se trata de um nada jurídico.
Em tempo, a Portaria Colog 118 em seu anexo I traz a lista de todos os Produtos Controlados pelo Exército, e complementa o Decreto n. 10.030/19, mas para chegar nela é preciso entender o que está no Decreto, com base no que determina a Lei.
Mas Luciano, luneta e red dot são coisas sérias e perigosas… acha você e não o EB que é quem diz o que deve ser controlado ou não.
Por menos achismo e mais leitura e interpretação legal, não porque eu gosto e porque eu quero. O que vale é a Lei. Fique vivo, não seja preso por ideologia e desconhecimento, dispara o like e até a próxima.