Por Marco Matos, Diretor Geral da Academia Estadual de Segurança Pública de Minas Gerais.
INTRODUÇÃO
O tema em questão é bastante delicado, uma pela violência empregada no seu acontecimento, outra pelo desconhecimento da maioria das pessoas para com a matéria. Então, antes de aprofundarmos, necessário se faz conceituar a terminologia e buscar parâmetros fora do nosso país, especialmente nos Estados Unidos, onde a incidência é enorme e, portanto, a preocupação é real.
Os americanos chamam o fenômeno por “Active Shooter” (Atirador Ativo), e no conceito mais difundido, no qual nos apoiamos, seria o indivíduo (ou indivíduos) ativamente engajado em matar ou tentar matar pessoas em local povoado. Assim uma das maiores agências policiais e de pesquisas correlatas do mundo, o Federal Bureau of Investigation – FBI, conceitua esses atiradores.
Por lá, a maioria absoluta dos instrumentos utilizados pelos indivíduos ativamente engajados em atentar contra a vida de pessoas inocentes são as armas de fogo. Para exemplificar com dados recentes, em 2023 os Estados Unidos sofreram 48 ataques, sendo que em 100% destes, armas de fogo foram utilizadas, predominando as pistolas semiautomáticas, conforme gráfico abaixo.
Portanto, fazendo uma análise rápida, podemos afirmar que a melhor nomenclatura, para os americanos, realmente é Atirador, pois a predominância desse instrumento está mais que comprovada. Vale ressaltar, que em alguns incidentes, mais de uma arma de fogo foi utilizada.
As vítimas, nesses casos, somam números assustadores, pois com uma pistola, portando alguns carregadores, um tremendo estrago num lugar aglomerado é causado. Quando se usa armas brancas, a tendência é diminuir o númerdo de mortos ou feridos, já que a ação se torna mais lenta, porém, não menos violenta.
Apoderando-se, mais uma vez, das estatísticas feitas pelo FBI, em seu documento denominado ACTIVE SHOOTER INCIDENTS IN THE UNITED STATES 2023 (JUNE 2024), os atacantes ativos fizeram 244 vítimas, sendo 139 feridos e 105 mortos.
(1 – https://www.fbi.gov/file-repository/2023-active-shooter-report-062124.pdf/view )
Analisando os dados do ano anterior, podemos destacar os locais de preferência dos incidentes. Os espaços abertos e comércio representam 87% das escolhas dos atiradores, seguidos por escolas (6%), áreas de saúde (4%) e residência (2%). E esse ranking prevalece no decorrer dos anos.
Podemos, ainda, concluir que quase na metade das vezes, o atirador tinha alguma conexão com o local escolhido. E isso representa, para todos nós, uma possibilidade de perceber algo estranho num indivíduo, seja no seu comportamento, seja no seu afastamento, seja por suas ideias. Enfim, as bandeiras vermelhas se acendem antes do cometimento desses massacres. Temos que aprender a ler esses sinais e informar às forças policiais locais, ministério público etc. Quando falamos de atiradores (ou agressores) menores de 18 anos, muitas das vezes, crianças, o papel da família é ainda mais fundamental. Os pais devem fiscalizar seus filhos. Não exite quarto inviolável, mochila inviolável, telefones invioláveis. A intimidade e inviolabilidade acontecerá quando seu filho estiver crescido, trabalhando, se sustentando. Enquanto isso não ocorre, a fiscalizaçao deve acontecer, não devendo deixar apenas e tão somente nas mãos dos educadores.
PANORAMA BRASILEIRO
Ao contrário dos norte americanos, em nosso país, na maioria das vezes, os intrumentos utilizados para os ataques não são as armas de fogo. As armas brancas aparecem como principal ferramenta dos atacantes. Por tal motivo, preferimos utilizar a nomenclatura Agressores Ativos, que algumas vezes agirão com armas de fogo, outras vezes com uma machadinha, por exemplo, ou até mesmo com artefatos incendiários ou explosivos.
Poderíamos conceituar da seguinte forma: Agressor Ativo é aquele indivíduo que age sozinho ou em companhia de outros, ativamente motivado e engajado em ferir e/ou matar pessoas num local habitado, tendo ou não vínculo com as vítimas, cessando seu ato após atingir seu intento ou por força maior e contra sua vontade. Ou seja, se a intenção era matar (e estava ativamente engajado em cometer o massacre), a quantidade de mortes, tipos de instrumentos ou equipamentos utilizados, número de atacantes ou atingir o resultado morte não importa. A vontade delitiva do agressor irá enquadrá-lo no conceito.
Sabemos que essa conduta se amolda perfeitamente no código penal, tipificado, o ato, como homicídio qualificado. Contudo, salvo melhor e maior juízo, deveríamos iniciar discussões legislativas sérias para aumentar o rol do art. 121 ou criar uma tipificação específica para os agressores ativos, devendo, inclusive, constar a punição dos atos preparatórios, tendo em vista o absurdo da polícia poder, somente, advertir um indivíduo que não iniciou seu ato, estando “apenas” se preparando para atacar.
Tivemos, em nosso país, no decorrer dos anos, massacres que feriram e mataram dezenas de pessoas. Evidentemente estamos longe dos Estados Unidos quando pensamos nas estatísticas frias. Mas, infelizmente, estamos à frente dos americanos quando detalhamos um local específico escolhido pelos atacantes. E como nesse local estão nossos bens mais preciosos, a preocupação deveria se tornar exponencial. Estamos diante dos Agressores Ativos Escolares.
Enquanto em 2022 os Estados Unidos sofreram 50 ataques, aqui no Brasil tivemos 9 (alguns números apontam 10 ataques). As escolas daquele país foram atacadas 4 vezes, enquanto somamos 9 casos de agressores ativos em nossas escolas. Em 2023, conforme relatado acima, os EUA tiveram 48 ataques, sendo que em 3 vezes as escolas foram os alvos. Aqui no Brasil tivemos 12 ataques ativos, e adivinhem quantos em ambiente escolar? Respondendo, foram 12 ataques em 12 escolas!
O relatório de política educacional, denominado Ataques de Violência Extrema em Escolas no Brasil, Causas e Caminhos aponta os números do fenômeno de 2001 à outubro de 2023. Chama-nos atenção os dois últimos anos, responsáveis por 60% de todos os casos brasileiros. Isso demonstra a curva ascendente e problemática cuja qual teremos que enfrentar e frear. Para melhor ilustração, segue o gráfico:
Como dito, o Brasil vem sofrendo com esses massacres, que ocorrem, via de regra, em ambientes educacionais, especialmente nas escolas públicas. Entre 2001 e outubro de 2023, 137 pessoas foram vítimas, sendo 35 fatais.
A idade dos agressores chama atenção. Em sua grande maioria, tinham entre 12 e 18 anos, havendo um caso de uma criança de 10 anos ser autora de um ataque. Onde essas crianças e jovens buscaram informações para cometerem uma atrocidade? Quais pesquisas faziam na internet? Quais jogos violentos jogavam? Com quem conversavam no ambiente cibernético? Qual fiscalização sofriam? Deram sinais que foram ignorados?
Responder essas perguntas não é nada fácil. Se assim fosse, resolveríamos de forma simplória. A maior potência do mundo, acaso a resolução tomasse traços fáceis, não sofreria quase que semanalmente com massacres em massa. Cumpre salientar que os EUA não são o único país a sofrer com ataques. França, Israel, Nova Zelândia são outros exemplos, contudo, em números muito menores.
Como bem sintetiza Igor Dutra Cavalcante, autor da excelente obra Atrás das Lihas Aliadas, Active Shooter: casos de massacres no Brasil, ao estudarmos o tema, buscamos “qualificar e compreender os casos e difundir o conceito, melhorando a compreensão. E essa compreensão deve passar pela comunidade escolar, governo, polícia, todo o sistema de justiça e sociedade. Somente assim trataremos com o devido cuidado esse tipo de crime, que deixa marcas irreparáveis, e para o resto da vida.
PADRÕES E COMPORTAMENTOS
Traçar padrões e comportamentos dos atiradores (ou agressores) não é, pois, uma atividade fácil, especialmente quando afunilamos o assunto para os atiradores ou agressores escolares ativos. Muitos jovens têm características comuns, como depressão, afastamento, comportamento violento, fascínio por jogos de grande violência. Usam sobretudo copiando personagens sombrios. Se afastam dos amigos. Enfim, características que se assemelham à muitos atacantes, contudo, não podemos afirmar que serão os próximos a cometerem um massacre em massa.
Entretanto, resta claro que os sinais não podem passar desapercebidos, tanto pela comunidade escolar, quanto pela família. Traços em comum são detalhados em muitos casos, especialmente o sentimento de injustiça percebido em muitos agressores, que criam em suas mentes coisas que não existem mas se tornam o que se denomina “cobradores de injustiças”. Os ataques, então, se correlacionam com essa “cobrança”, e esses alienados buscam seus reconhecimentos da forma mais negativa possível, por meio de seus atos, propagados midiaticamente (é o que os Agressores Ativos buscam) e infelizmente copiados num próximo atentado, sendo a internet uma grande incentivadora.
( 2 – https://www.almeppb.com.br/_files/ugd/dcccab_0ff7a17afe254df8bfdbbfbf3cde4152.pdf)
O FBI diz que 25% desses criminosos tinham diagnóstico mental antes da eclosão dos ataques, havendo, ainda, evidências de problemas mentais em cerca de 61% deles. E um fato não se nega, qual seja, o planejamento de suas ações. Um ataque ativo não ocorre de uma hora para outra, por conta de uma explosão de raiva do perpetrador. Normalmente são bem planejados, estudados e preparados. E durante o iter criminis o comportamento pré-ataque exibe sinais, como mudança abrupta de comportamento e violência deliberada, além de pesquisas incessantes por ataques pretéritos. Falas de vingança contra o mundo ou de grupos específicos são comuns.
As chamadas red flags podem não ser percebidas, mas estão lá. Sue Klebold, mãe de Dylan Klebold, um dos atiradores de Columbine, diz que nunca percebeu nem imaginou a atrocidade que seu filho estava prestes a cometer, mesmo sendo uma mãe presente e disposta a criar, da melhor maneira, seus dois filhos, como afirma. O sentimento der dor, consigo mesma e com as famílias que ficarão em luto eterno, é torturante. Ela sabe que fracassou de alguma forma.
Por óbvio, culpar as famílias seria condená-la duas vezes. Primeiro pela aflição que sentem por seus filhos terem tirado a vida de muitos inocentes, causando esse desespero infinito. Segundo porque realmente os sinais podem ter se acendido, mas os pais não terem interpretado por ser, essa tarefa, um esforço enorme. Você não cria seu filho para aparecer nos jornais sendo o responsável por mortes em massa. Entretanto, não podemos deixar que atitudes desconexas com a realidade flutuem sem se perceber. Os pais são os responsáveis por seus filhos!
Uma ótima alternativa para promover e interpretar padrões e comportamentos fora da curva, são as “avaliações de ameaças”, realizadas por equipes multidisciplinares e que funcionam extremamente bem como prevenção. As condutas inadequadas de alunos são observadas e a partir de então, acompanhadas de perto. Uma das formas de conter um ataque é mostrar para o possível Agressor que está sendo monitorado, tanto pela polícia quanto pela escola, uma vez os atos preparatórios, infelizmente, nesses casos, não serem passíveis de punição em nosso país.
CONCLUSÃO
Temos um árduo trabalho pela frente. A temática é muito nova no Brasil, apesar de termos casos que foram se repetindo durante o tempo. Mas fato é que 2022 e 2023 nos mostraram que não podemos ficar inertes. Então, sugerimos algumas frentes para realmente estudarmos, nos posicionarmos e combatermos os Agressores Ativos, especialmente, os Escolares.
Prevenção
Não há caminho melhor que prevenir. E essa prevenção deve ocorrer, como já dito, pela família, escola e polícia. A família fiscalizando, educando, colocando limites. A escola criando ambiente de confiança, para que os próprios colegas informem o que ficarem sabendo, uma espécie de setor de inteligência escolar. A Polícia com suas equipes de inteligência navegando e impedindo os atos preparatórios a concretizarem. E quando digo Polícia, englobo todo o sistema de justiça, com o Ministério Público envolvido nos projetos. Em Minas Gerais, a prevenção policial funcionou algumas dezenas de vezes. Não que todos os casos fossem concretizar um ataque, mas se dessas dezenas, um se concretizasse, quantas vidas seriam perdidas? Colocar a avaliação de ameaça para funcionar, é um ótimo caminho.
Outra forma de prevenção é levar conhecimento para as pessoas, através de palestras educativas acerca do tema. E para um público heterogêneo. Não somente para policiais. O problema é muito mais amplo. Negar a realidade não funciona.
Treinamento
O treinamento policial se torna indispensável. Os policiais, principalmente aqueles primeiros interventores, devem ter conhecimento aprofundado do protocolo policial. Deparando-se com um ataque, não deve agir como numa situação de gerenciamento de crises convencional. Deve parar a matança imediatamente, sem aguardar grandes reforços, pois o tempo de duração de um ataque ativo não passa de 5 minutos. Até a chegada dos BOPE’s e CORE’s, o agressor já concretizou seu plano, portanto, o primeiro interventor se torna essencial. Sua atitude salvará muitas vidas, vide o exemplo da dupla policial em Realengo. O emblemático tiroteio de Columbine nos ensinou isso. Aguardar a SWAT resultou em mortes!
Ainda sobre treinamento, o protocolo civil de resposta deve ser realizado por funcionários, professores e alunos (esses, de forma lúdica). O mais conhecido deles, CORRER, ESCONDER E LUTAR, preconizado pela Advanced Law Enforcement Rapid Response Training – ALERRT em parceria com o FBI, é amplamente divulgado nos Estados Unidos. É uma plataforma de atitudes simples e eficientes.
Parar o sangramento
Ocorrendo o ataque, resta diminuir danos. E saber conter um sangramento massivo torna-se obrigatório. Com o simples uso de um torniquete, conseguimos salvar a vida de uma criança. Sabemos que o rompimento de uma artéria ou veia calibrosa, levará à morte em poucos minutos (3 a 5 minutos em média). Então essa habilidade é imprescindível. E como qualquer protocolo que funciona, o Atendimento Pré-Hospitalar Tático é simples e eficaz.
Enfim, o problema está posto. Basta, agora, disposição para debruçar sobre ele, analisar, estudar e formar uma doutrina nacional para combatê-lo. Esse artigo está longe de esgotar qualquer dos tópicos aqui apresentados, contudo foi pensado como forma de reflexão.
Sobre o Autor:
Marco Matos
Diretor Geral da Academia Estadual de Segurança Pública da Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais.
Policial Civil há 27 anos. Instrutor e Coordenador na ACADEPOL/MG da matéria TAP – Técnicas de Ação Policial.
Foi Inspetor (chefe dos Investigadores) do DEOESP – Departamento Estadual de Operações Especiais, unidade que continha a CORE, DAS e DRACO.
Fundador da CORE – Coordenadoria de Recursos Especiais. Integrou a Antissequestro. Fez parte do GER – Grupo Especial de Resgate de Minas Gerais.
Formado em Direito, pós-graduado em APH de Combate pelo Grupo TIGRE/PR.