Lendo a última edição da Recoil, revista americana sobre armas com grande circulação no mundo todo, uma das reportagens chamou atenção. Com o título “Weapons of War, Civilians Lead the way” que em uma tradução livre seria o equivalente a: Armas de guerra e como as armas civis lideraram o caminho.
Essa matéria chama atenção pra uma narrativa bem comum lá fora e que está se tornando comum aqui após a liberação aos CACs dos Fuzis do tipo AR-15. A narrativa de que não existe uso para armas de guerra em mãos civis. A matéria mostra que na grande maioria dos casos as pessoas que usam essa argumentação esquecem que muitas das ditas “armas de guerra” na realidade tem origem no mercado civil.
O exemplo mais recente é a pistola padrão das forças armadas americanas a M17 feita pela Sig Sauer, baseada (pra não falarmos aproveitada completamente) da P320 que já estava no mercado Americano antes da seleção do exército. O mesmo ocorreu anteriormente com a M9A1 baseada na Beretta 92FS que também já era comum no mercado mundial.
A realidade é que a adoção de uma arma por uma ou mais forças armadas não faz do modelo mais ou menos letal. Armas são como ferramentas e são selecionadas para cumprir diferentes tarefas. A M17 é uma pistola leve, de polímero, modular e que principalmente era mais barata que suas concorrentes, o que é de extrema importância quando se esta adquirindo mais de 421.000 armas de uma única vez.
Existem outras armas no artigo que são citadas, como por exemplo a M40 que basicamente é a versão militar da Remington 700, fuzil de ferrolho muito usado na caça e que foi comprado aos milhares em sua configuração civil na guerra do Vietnam por que o exército precisava dessas armas rapidamente e haviam milhares de exemplares disponíveis no mercado civil.
Outro exemplo colocado são as espingardas calibre 12, mais especificamente as Remington 870 e as Mossberg 590 que são utilizadas pelo exército americano em larga escala.
No Brasil temo menos exemplos de armas adotadas pelos militares após a venda no mercado civil. Mas no decorrer da história foi comum exemplos de adoção de armas civis pelas forças policiais. Como exemplo a PT100 baseada na PT92 que por sua vez se baseia na Beretta 92FS. Ou mesmo o uso das carabinas Puma na década de 70 a 90, carabinas essas que geraram verdadeiras lendas como a arma que mais perfurou tetos de viaturas pelo manuseio errôneo.
A função que damos a uma arma, seja pela adoção dela por forças de segurança não deve ser considerado um selo de funcionalidade ou de letalidade. Nossas forças armadas ainda adotam o Para-FAL e o FAL como armas padrões, estamos numa lenta transição para o IA2. Por mais que o calibre 7,62×51 NATO seja um excelente calibre o FAL deixou de ser uma plataforma prática para a utilização em combate, o peso excessivo e a falta da possibilidade de acessórios fez com que quase a totalidade das forças armadas que o adotava no mundo tenha o deixado de lado. É um ótimo fuzil, confiável e preciso, mas em um mundo onde a mobilidade das tropas e o combate em recintos fechados toma conta ele deixa de ser uma opção tão ideal.
Por outro lado em competições esportivas muitas vezes os fuzis utilizados são infinitamente mais precisos e com poder de fogo maior para cumprir com desafios que não fazem parte de um combate bélico. Fuzis militares precisam acertar um alvo humanoide a uma distancia relativamente curta. Em provas de tiro muitas vezes os alvos tem tamanhos de CDs e a distancias vertiginosamente longas. Aplicações diferentes pedem armas diferentes. O que não necessariamente exclui o intercambio entre esses mundos.
A plataforma 1911 foi uma das armas mais utilizadas nas duas primeiras guerras mundiais e foi utilizada como arma padrão até a guerra do Vietnam, Atualmente com sua capacidade padrão de 8 disparos e seu peso devido ao aço da sua construção dificilmente seria caracterizado por esses mesmos críticos como uma arma de guerra. Outras armas presentes em guerras são revolveres de no calibre 38 e 32, muito comuns durante a primeira guerra e que mesmo na classificação mais ferros contra o armamento da lei 10.826 (estatuto do desarmamento) e suas legislações durante os governos de esquerda ainda eram considerados de uso permitido por serem considerados de baixa periculosidade a população, o que no mundo real não significa nada, já que um tiro de .22 LR colocado no lugar certo tem a mesma letalidade de um .50 BMG. Exemplo disso é o fato de a Mafia Americana ter usado durante anos o calibre .22LR e o calibre .32 como armamento padrão para assassinatos. Um tiro na cabeça de ambas as armas se prova letal. Algo que faz com que a teoria do stopping power tenha se desfalecido com o passar dos anos. recomendo a leitura dos artigos :
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Mas o ponto principal que é levantado muitas vezes é se o cidadão de bem que não é atirador desportivo deveria ter acesso a esses armamentos, e a resposta ao meu ver é mais uma vez sim. Quando se esta buscando uma forma de se protejer, seja de um bandido, um agressor ou mesmo de um governo opressor, a presença de uma arma de fogo que tenha as condições necessárias para cumprir seu papel é fundamental. Não levo aqui em foco nenhuma situação atual ou política do Brasil, a ideia é refletir que armas mais eficazes ou mais modulares não trazem mais letalidade a uma sociedade e que muitas vezes a classificação de uma arma por ela ter participado de uma guerra como sendo um artefato de destruição em massa é uma coisa tão fora da realidade que merece uma volta pela história.