“O Ciclo O.O.D.A (acrônimo para: Observar, Orientar-se, Decidir e Agir), foi o resultado de uma vida de análises de um Piloto da Força Aérea Norte Americana chamado John Boyd”
Quem foi John Boyd?
O Ciclo O.O.D.A (acrônimo para: Observar, Orientar-se, Decidir e Agir), foi o resultado de uma vida de análises de um Piloto da Força Aérea Norte Americana chamado John Boyd. Ele foi piloto na guerra da Coréia e lá pode observar algo incomum no combate aéreo. Na época, os americanos utilizavam os F-86 Sabres, contra os MIG-15, de fabricação russa, que eram bem superiores ao modelo americano. Eram mais rápidos, maiores e mais potentes. Mesmo com toda essa vantagem para os Russos, os pilotos Americanos alcançaram uma taxa de abate de 10:1 contra os MIG-15, algo que despertou a curiosidade de Boyd.
Ele analisou as táticas de combate utilizadas e verificou que a grande vantagem do F-86 estava na maior visibilidade que o piloto possuía, provocando uma maior “consciência situacional”, aliada com capacidade de manobra da aeronave de maneira menos cansativa. Essa análise inicial levou Boyd a uma série de estudos sobra tática de combate, estratégia de guerra e até o desenvolvimento de novos modelos de caça.
Durante sua vida profissional, Boyd organizou o que viria a ser conhecido como ciclo de Boyd, ou ciclo O.O.D.A. Ele percebeu que nosso pensamento funciona de maneira cíclica, em loops . Fazemos isso centenas de vezes todos os dias. Por exemplo: Quando estamos em um local conhecido pela alta taxa de crimes e “observamos” dois homens em uma moto, passamos a entender (nos “orientamos”) que é provável que sejam assaltantes e “decidimos” entrar em um estabelecimento comercial com maior movimento, “agindo” assim com o objetivo de evitar o assalto.
“Boyd organizou o que viria a ser conhecido como ciclo de Boyd, ou ciclo O.O.D.A. Ele percebeu que nosso pensamento funciona de maneira cíclica, em loops “
Uso do Ciclo O.O.D.A no Brasil
Na maioria dos cursos e análises no Brasil sobre o ciclo O.O.D.A e sua utilização por profissionais de segurança pública dentro e fora de serviço, é falado que devemos realizar nosso ciclo de maneira mais rápida que o nosso adversário, pois quando fazemos isso o obrigamos a reiniciar o próprio processo e obtemos vantagem tática sobre o oponente.
De fato, isso faz sentido, mas não nos diz tanto assim sobre nossas formas de treinar. Além do mais, a maioria das pessoas relaciona o ciclo O.O.D.A apenas com a necessidade de agir preventivamente (se eu não estiver no celular e estiver “observando” o ambiente, tenho vantagem sobre meu adversário na realização do ciclo O.O.D.A e vou conseguir entender o cenário de forma mais rápida), citando uma série de casos práticos que mostram como é importante estar atento ao que acontece ao redor, mas nem sempre isso explica uma série de problemas que experimentamos em ocorrências reais, como quando não percebemos algo que está na nossa frente, ou quando não ouvimos algo que está sendo gritado do nosso lado ou quando não conseguimos tomar certas atitudes racionais por conta de cargas emocionais relacionadas com o que está sendo visto.
O grande “O”
A maioria das pessoas ignora as melhores análises de Boyd sobre o que ele chamou de “Grande O”, que é a “Orientação”. No esquema abaixo, temos a versão expandida e mais profunda do ciclo, mostrando os principais pilares que tornam a orientação algo complexo e multifatorial.
De acordo com o gráfico, a herança genética, tradições culturais, experiências passadas, novas informações e capacidade de análise e síntese definem a forma como iremos entender as informações que chegam ao nosso cérebro através dos sentidos (principalmente a visão). Desde os antigos filósofos, existe a noção de que o que a gente vê pode ser totalmente diferente daquilo que entendemos. Ver é algo físico, resultado de estimulo luminoso no globo ocular que se transforma em estimulo elétrico e chega ao cérebro. Entender o que está sendo visto é algo psicológico e os fatores supracitados e que estão no esquema de Boyd são espécie de filtros, lupas ou barreiras que alteram essa percepção a respeito do que foi visto.
A compreensão disso é vital para o operador que trabalha no patrulhamento tático, em blitz de trânsito, em unidades especiais que realizam resgate de reféns ou agentes de segurança de qualquer atividade que lida diretamente com os riscos da imprevisibilidade.
A forma como agimos está sujeita a influências específicas que nem sempre poderão ser identificadas facilmente por quem vai analisar essas ações (judiciário, imprensa, sociedade), e o operador precisa ser treinado de maneira adequada para compreender essas interferências e realizar um julgamento mais adequado sob forte estresse.
Ciclo O.O.D.A na prática
Posicionamento em ambientes de acesso público
(bares, lotéricas, restaurantes, farmácias): Para ter maior “Consciência situacional”, você deve ficar num local onde possa ver de maneira antecipada quem vai entrar no ambiente e quem já está dentro do ambiente. Quem Observa primeiro, consegue se Orientar antecipadamente e tem vantagem no tempo de Decisão para Agir.
Briefing de operações
Tenha consciência de que você não conseguirá decorar todas as informações passadas, então selecione as mais importantes e não defina elas como 100% corretas, pois frequentemente ocorrem enganos em levantamentos de dados e a interpretação incorreta pode levar a um erro de decisão por parte do operador. Se você será responsável por realizar o briefing de uma missão, tenha em mente que você já está familiarizado com os dados, mas os operadores que irão participar da missão talvez não estejam. Seu papel é proporcionar essa familiarização para que os operadores tenham segurança para operar. Alguns briefings precisam de alguns minutos, outros precisam de várias horas. Esteja atento a isso. Frequentemente o que faz missões darem errado são erros muito simples de percepção.
Informações do rádio
Diversos são os relatos em que informações são passadas de maneira equivocada no rádio, fazendo com que os operadores decidam as próximas ações com base em uma premissa falsa. Ter em mente que a informação pode não ser verdadeira ou completa permitirá que o operador interprete com maior
eficácia as novas informações que serão apresentadas durante o decorrer da ação. Isso reduzirá as chances de erro na ação policial.
“A previsibilidade do imprevisível é previsível”
Essa frase era dita por um instrutor meu na Academia de Policia Militar da Bahia e deve ser levada sempre em consideração por todos que trabalham na segurança pública. Muitos operadores trabalham como se nada de anormal fosse acontecer no seu serviço, tendo em vista que já tiraram vários serviços semelhantes e nada ocorreu. Esse operador inclusive mantém uma rotina de preparação que considera apenas os fatos que se repetem em sua atividade, mas ignora completamente as possibilidades reais, porém pouco frequentes. O problema disso é que a natureza da atividade policial está na capacidade de agir em situação de ANORMALIDADE. Então, é previsível que em algum momento o operador será cobrado para que tenha performance adequada em situações críticas. Mentalizar e estabelecer planos de ação para essas situações pouco frequentes mas prováveis é fundamental e está totalmente relacionado com o conceito do ciclo OODA.
Ultimas considerações
Quebre o ciclo OODA do adversário
Para obter vantagem tática é fundamental quebrar o ciclo OODA do adversário. Quem nunca presenciou uma cena do cotidiano em que alguém faz algo totalmente inesperado e as pessoas em volta demoram a reagir, pois não esperavam aquela atitude? Diversas são as técnicas pautadas no objetivo de quebrar o ciclo OODA, como a utilização de granadas na entrada tática, cargas de distração e até o princípio da “Surpresa” que aprendemos nas aulas sobre abordagem policial. Toda pessoa que é confrontada com um estimulo novo demora mais a reagir, e isso fornece maior segurança para ação policial.
Busque experiência
Ela é fundamental para obter repertório profissional, que possibilita o desenvolvimento da capacidade de identificar padrões com maior facilidade. Isso permitirá que o operador consiga atuar com maior segurança e eficácia. Nem todas as pessoas absorvem da mesma forma o aprendizado promovido pela experiência e as experiências profissionais podem ter intensidades diferentes. Isso significa que a experiência não se mede pelo tempo que a pessoa está em uma profissão, mas pela intensidade das experiências que teve e o quanto de aprendizado ela conseguiu extrair disso. Boyd identificou como fundamental o repertório de vida e capacidade de analisar informações e identificar padrões para o entendimento do que está acontecendo.
Ver é fundamental
A maior fonte de informação sensorial vem da visão. O que foi visto será confrontado com o que foi ouvido, com o que o sujeito conhece sobre o que foi visto e o que essas coisas significam. Logo, é importante sempre garantir boa visualização. Tenha lanterna sempre disponível, mesmo no serviço durante o dia. Em alguns momentos é importante ver e ser visto, em outros é importante não ser visto (para quebrar o ciclo OODA adversário).
O maior legado dos estudos e análises de Boyd sobre os conflitos é o entendimento de que eles ocorrem em ambiente totalmente instável e caótico. A capacidade de perceber padrões e criar conceitos para agir de maneira efetiva é algo primordial e deve ser buscado a todo momento. A nossa sobrevivência depende disso.