Introdução
O módulo Combatives Low Light não é mais uma invenção do mundo tático. Sua criação e desenvolvimento foi para trazer técnicas solúveis em situações de combate com lanterna principalmente em ambientes confinados. Imagine você com sua lanterna, dentro de um cômodo e repentinamente aparece uma ameaça que agarra sua arma de fogo, e você não tem condições de tiro, já que a briga é “duas mãos vs uma”, o que você faria? Largava sua lanterna e lutava no escuro pela sua arma? Ou usaria sua lanterna como ferramenta de impacto e desorientação pela luz para tentar resolver o problema?
Essa e outras perguntas circundam os cenários de baixa luminosidade, principalmente sobre lutas físicas em que o atirador está com uma lanterna em mãos. Historicamente no Brasil nunca foi escrito ou criado um conceito sobre esses embates, o foco sempre foi confrontos armados em baixa luminosidade.
E é por isso que eu comecei a estudar e sair na porrada com a lanterna nos meus treinamentos. Me colocando em situações de baixa luminosidade, com a arma e a lanterna em mãos em cenários mais prováveis. Foram anos de dedicação e muito estudo, e o resultado foi o Combatives Low Light. Na verdade foi um preenchimento do que faltava dentro desses cenários e o resto foi incorporando e evoluindo conforme o processo natural das coisas.
Vamos lá!!!!
Porrada, Lanterna e Escuridão
Golpes com lanterna feito de maneira correta, machucam e causam muita dor. Impactos na parte facial causam cortes superficiais que podem criar distância entre você e o agressor, dando tempo para você mudar seu ângulo obtendo assim um posicionamento melhor para disparar ou recuperar a arma nessa luta.
Considerando que, de longe, 80% de nossas informações sensoriais são recebidas por nossos olhos – trabalhar em condições de pouca ou nenhuma luz estende bastante nossa capacidade humana, especialmente quando se trata de rastrear/identificar/combater alvos ou orientar-se dentro e ao redor de obstáculos nas configurações de CQB e outros cenários.
Os efeitos colaterais em razão da escuridão são fatores que alteram nossas habilidades motoras e sensitivas, pois ocorre uma degradação no nosso sistema neurológico e fisiológico, nossa cognição é afetada (atenção, percepção, raciocínio), a adrenalina aumenta juntamente com ansiedade, pode causar nictofobia em algumas pessoas (medo do escuro), pânico, o aumento do batimento cardíaco e modificação acelerada do sistema respiratório.
Nos cursos de Combatives Low Light criamos cenários que demostram muito bem isso na prática. É muito nítido a afetabilidade do nosso organismo em lugares sombrios e escuros, destruindo nosso desempenho e impactando negativamente nossa capacidade física e psicológica de combater.
É um fator inegável que, a luz só pode ser tratada como vantagem em um combate de baixa luminosidade quando você domina ela.
Felipe Rodrigues
Dentro do curso é repassado aos alunos diversas técnicas e estratégias usando a lanterna como uma ferramenta de impacto.
Todavia o objetivo principal da metodologia do Combatives Low Light não é socar e sim golpear com a lanterna em formas de soco não convencional porém extremamente versátil e eficaz. Não esqueça que sua mão está ocupada e não está completamente fechada, qualquer soco que você realizar em uma luta dessa forma, bem provável que você irá machucar sua mão ou até mesmo quebrar seu pulso ou dedos.
A principal técnica usada no curso para golpear é o Hammer Punch/Hammer Fists (Soco de Martelo). Técnica muito utilizada também no UFC, quando o lutador está numa posição superior (montada, meia guarda, 100 quilo…), ele aproveita o espaço e a dominação da posição e desfere golpes contra a cabeça do seu adversário, bastante utilizado por westling, por quê?
Na verdade é um tipo de soco que te dá mais amplitude (você eleva seu braço para cima e desce com ele) sua mecânica é boa em posições superiores dependendo de suas limitações físicas e biomecânicas, ele é um substituto para socos em linhas que muitas vezes precisa de espaço e quadril para ser efetivos, a força de impacto é significativa (você desce com o braço e todo o peso do seu corpo, é um tijolo em queda livre), além da ajuda gravitacional.
Com o punho compactado segurando a lanterna você fará um movimento de martelada sobre o alvo, geralmente usando a área externa do punho. É um golpe muito forte se usado corretamente. Golpes com a lanterna podem ocasionar dores desconfortáveis, cortes severos no rosto, quebrar ossos na parte frontal do crânio, e resultar em nocaute.
Hammer Punch
Os golpes são desferido com a parte carnuda inferior do seu punho numa conectividade com a lanterna. As chances de você quebrar sua mão ou um osso são drasticamente reduzidas.
Temos 27 ossos em cada mão, muitos deles pequenos e fáceis de quebrar. Já tive experiências de quebrar a mão em lutas profissionais como em brigas na rua onde tive que me defender. Não se esqueça que um homem com uma mão debilitada numa luta é um meio homem, principalmente se você estiver armado. Baseado em uma habilidade motora grossa, algo animalesco e primitivo, que resulta em uma habilidade fácil de se aprender e recordar, pelo simples fato que o ser humano pertencente a espécie Homo sapiens de um arquétipo (padrões) de caçadores hábeis, que cozinhavam suas carnes, usavam roupas de pele de animais e construíram lanças e facas de pedras e cabanas.
E esse movimento da extensão do braço (flexor) com articulação e do músculo no aumento de potência e sua biomecânica, é usado há cerca de 300.000 anos em diversas atividades, esse mesmo movimento foi usado para o hominídeo (homo erectus) descobrir o fogo através do atrito de pedras ou pedaços de madeira.
O que estou a lhe ensinar aqui é a combinação do seu cérebro primata antigo para lutar com a inteligência do novo cérebro, conectando o seu instinto em movimentos simples, eficazes e práticos. É a transformação de um movimento orgânico do seu corpo em uma arma.
Resumindo, temos então uma polivalência da técnica que nos fornece um amplificador de força no movimento mecânico (energia cinética+pressão) em um movimento primitivo numa habilidade vicária.
Verdades precisam ser ditas
Temos que buscar as ferramentas e habilidades que nos trazem vantagem no jogo, a falta delas podem custar sua vida ou de outras pessoas.
Felipe Rodrigues
Mais de 50% dos crimes violentos acontecem à noite (predadores caçam a noite), e a nossa visão fica limitada. Um relatório do FBI de 1997 a 2006, mostra que 2 a cada 3 policiais envolvidos em combate que resultou em sua morte em serviço, lutaram em situações de baixa luminosidade. O mesmo relatório (LEOKA, FBI) porém no período de 2014 a 2018, revelou que 77 policiais foram mortos em ambientes noturnos ou com pouca iluminação. Como policial posso falar que uso a lanterna no mínimo todos os serviços, uma ferramenta indispensável.
Mas a verdade é que em tiroteios no uso da arma como instrumento de defesa, especificamente nas situações de legítima defesa em baixa luminosidade, ocorrem com menos frequência do que somos levados a acreditar. O instrutor M.K em um dos seus artigos sobre Armas e Low Light, fala sobre outro instrutor de armas de fogo, Tom Givens de Memphis, Tennessee, que fez um estudo cumulativo de mais de 50 tiroteios em que seus alunos estiveram ao longo dos anos, e quase nenhum deles ocorreu em uma situação que exigisse a técnica de uma lanterna.
Então, por que treinar essa valência?
Simplesmente porque não ter a habilidade de usar uma lanterna em combinação com sua arma de fogo é irresponsável. Dessa forma cito aqui um velho ditado popular “prefira ter do que não precisar, do que não ter e precisar”. Igual um paraquedas, se você não ter, jamais terá outra chance de precisar de novo!!
A técnica polivalente
Existem muitas técnicas de como utilizar uma lanterna de mão e uma arma de fogo e cada uma tem seu peso na balança e sua funcionalidade para cada evento. Neste presente artigo vou apresentar uma técnica que para mim é uma das mais conceituadas e versáteis, o Eye Index.
Fui apresentado pela primeira vez essa técnica pelo grande Instrutor e amigo Marcelo Esperandio da ETC, nunca tinha visto ninguém usá-la e nem mencionar aqui no Brasil. Como eu estava desenvolvendo o Combatives Low Light, em meados de 2017, o Marcelo começou a me ajudar para criar o curso, e nesse meio a construção, me mostrou o Eye Index e sua versatilidade.
A técnica consiste em trazer a lanterna perto do seu olho na lateral de sua têmpora, para melhor compreensão, pense num Temple Index, porém com a lanterna!!
Pergunta: Colocar a luz perto da sua cabeça pode atrair projéteis nela?
A resposta pra essa pergunta é muito simples!! A ameaça vai atirar na localização geográfica da luz não na posição técnica da luz!!!Imagine você está equipado com uma lanterna dedicada surefire x300u, na sua arma curta. Essa lanterna tem 1000 lúmens, excelente foco central para tiros de curta a média distância. Tem um alcance de 200 m.
Responda: Se você ligar a lanterna em um ambiente de baixa luminosidade, e efetuar disparos em uma ameaça a 5 m, realizando uma plataforma de tiro clássica, empunhadura dupla… etc. A arma está na linha do seus olhos, e perto de sua cabeça, a ameaça vai atirar na sua cabeça?
Na arma longa acontece a mesma coisa, lanterna no trilho, geralmente perto do guarda mão, o operador vai levar tiro na cabeça porque a luz de sua lanterna tá próxima a cabeça?A não ser que você seja um alvo parado e sua silhueta esteja em um quadro como ocorre em entradas de portas, janelas… Sem dúvida.
Além do mais a precisão de tiros em baixa luminosidade tem uma perda de 60%, que é muito coisa. E outro fator importante citar é o poder da luz sobre os olhos da ameaça, dependendo da distância, a ameaça não irá conseguir olhar para a luz e direcionar os tiros. Isso demonstra que enxergar vem antes de atirar.
Então, esclarecido esse questionamento, quais são as vantagens de usar a técnica Eye Index? Vou citar algumas:
- A luz acompanha os olhos. Isso significa que toda a direção tomada pela sua cabeça a lanterna irá acompanhar naturalmente, diferente de outras técnicas como a do FBI que o atirador está manipulando a lanterna para uma direção e a cabeça não segue de forma natural.
- Guarda alta no escuro. Em ambientes confinados ao adentrar em portas ou esquinas, ameaças desarmadas podem estar escondidas em cantos, aguardando a passagem do atirador para emboscá-lo numa luta corporal com o intuito de tomar sua arma, agredir,… Comparado as outras técnicas que a lanterna fica longe do rosto, no Eye Index a proteção parcial do rosto do atirador é preservada.
- Sombras indesejadas. Com a luz no nível mais alto que seu pescoço, o atirador evita fazer sombras que podem denunciar sua passagem por um área ou até mesmo telégrafar sua entrada por uma porta. A técnica Neck Index, é um bom exemplo desse efeito, apesar de ser uma boa técnica, entretanto projeta geralmente o braço ativo do atirador. Vale ressaltar que vai depender também da amplitude focal da lanterna e sua capacidade de luminância.
- Iluminação do armamento. Enquanto o atirador estiver realizando buscas, varreduras e engajamento, ele ainda consegue visualizar sua arma e seu sistema de pontaria. Até em uma troca de tiro ele pode verificar as condições de seu armamento, caso a arma pare aberta ou tenha uma pane, diferente de algumas técnicas que deixam a arma na escuridão e o atirador tem uma tendência inconsciente de se preocupar mais com o ambiente escuro do que verificar sua arma após ou durante o confronto.
No tocante, essas são algumas das vantagens que podem ser atribuídas ao atirador quando usado corretamente a técnica supracitada. Sobre as desvantagens, considero a mais prejudicial o bloqueio da visão periférica do atirador do lado que ele utiliza a lanterna. Dessa maneira, o braço fica dobrado atrapalhando a visão do atirador que se obriga a desfazer a técnica ou girar a cabeça para poder vizualizar o local.
Resumo
O policial e escritor E.Bettini, em seu livro, Lanterna Tática, cita o trabalho de Karine Bellon, intitulado “Confrontos Noturnos”, afirma que:
Se for perguntado para muitos policiais quantas vezes eles exercitam tiro em condições adversas ao tempo, espaço e iluminação poucos responderam afirmativamente a essa questão. Provavelmente eles desconhecem, por exemplo, que grande parte das situações envolvendo armas de fogo contra delinquentes ocorre nas piores condições de iluminação. Isso porque 80% delas ocorrem no período noturno, ou no diurno, mas em lugares de ambientes com a viabilidade dificultada.
Extremamente importante são as técnicas e as táticas empregadas em perseguições a indivíduos armados e troca de tiros em lugares poucos iluminados e de terreno irregular. A tensão do atirador é ampliada pelo escuro já que as sombras parecem aumentar ou diminuir causando formas irreais. O silêncio e a escuridão nos trazem estranhas sensações. Além do que, precisamos ter em mente a possibilidade de se balear, por engano por um colega ou ser baleado por ele, ou mais, por ser balear também por engano, um inocente.
O autor E.Bettini esclarece sobre as dificuldades e a negligência sobre os treinamentos de baixa luminosidade:
Existe uma variedade enorme de esquipamentos disponíveis alguns são caros, chegando até serem impeditivos. Porém existe muita desinformação também. Geralmente quando das fases de planejamento de cursos e instruções, ou se esquece completamente a baixa luminosidade ou se proporciona a ela papel secundário, acessório. Interessante analisamos essa visão pois atribui um papel de atividade acessória para uma atividade fim, operacional, relacionada ao conceito de polícia moderna, e seus atributos, que sejam, profissionalismo, especialização e instituição pública.
Então temos uma conclusão que, algo muito pertinente ao contexto atual do cenário policial é deixado de lado, e há uma divergência lógica que não condiz com a realidade real.
Em muitos casos para realizar um treinamento adequado e capacitação basta ter o conhecimento e a boa vontade. “O processo crítico, mental e analítico não requer esforço físico, quanto menos recursos financeiros” E.Bettini.
É necessário entender que fisiologicamente nosso corpo entende estímulos, e os resultados do treinamento são as adaptações provenientes de estímulos bem direcionados, numa combinação com o cérebro (córtex) que armazena as experiências e os aprendizados coordenados e complexos.
Realmente o que você treina é o que você fará, ninguém arrisca fazer algo que não treinou durante uma competição ou um combate real, e quando fazem se põem em risco. A frase de Myamoto Musashi “Só se pode lutar da maneira que se pratica”, não é mais uma frase motivante, ela é clara e verdadeira.
Até a próxima!!!
Aço, Lama e Sangue