O Pináculo da Alta Performance
Por Wellington Júnior; Praça da Polícia Militar do Estado do Ceará. Bacharel em Direito, especialista em Cidadania, Direitos Humanos e Segurança Pública; Especialista em Direito e Processo Penal. Com especialização em policiamento com motocicletas (CPRAIO). Instrutor de Tiro Policial na Academia Estadual de Segurança Pública. Instrutor de Tecnologia não Letal; C. Q. B e Táticas Urbanas. Instagram do autor: @instrutor_wellingtonjr
Origem
O fenômeno do estado de Flow teve seu início na década de 70, fruto dos estudos do psicólogo Mihaly Csíkszentmihályi, PHD e professor da Universidade de Chicago. Ele nasceu em uma pequena cidade italiana, atualmente, chamada de Rijeka, pertencente à Croácia.
Sua família era de origem húngara e passou por diversas dificuldades durante o período da Segunda Guerra Mundial. Isso levou Mihaly a emigrar para os Estados Unidos em 1956. No mesmo ano recebeu seu PDH na Universidade de Chicago, e pouco tempo depois publicou seu trabalho chamado “Flow”, tornando-se uma referência para a psicologia contemporânea, um ícone da chamada “psicologia positiva”.
Csíkszentmihályi começou a pesquisar o Fluxo através do fascínio por artistas que essencialmente se perdiam em seu trabalho. Eles ficavam tão imersos naquela atividade que desconsideravam as suas necessidades de comer, beber água e até de dormir. Eram tão motivantes de um jeito que, isso proporcionava prazer em realizá-las, levando-os ao estado de profundo envolvimento (Flow).
A partir disso procurou entender o que era felicidade plena para as pessoas, quais os elementos faziam com que a vida valesse tanto à pena. Percebeu que isso variava entre elas, mas, que essa sensação de sentido e satisfação plena, se refere às atividades do cotidiano definidas como “ótimas” ou aquelas que atingissem o estado de Flow.
Contextualizando
O termo Flow é uma palavra de origem inglesa, e significa fluir. Para a teoria de Csíkszentmihályi, o conceito designa o estado mental de operação na qual o indivíduo se encontra totalmente imerso naquilo que ele está realizando.
Csíkszentmihályi descreve o Fluxo como:
Estar completamente envolvido em uma atividade em si. O ego desaparece. O tempo voa. Toda ação, movimentos e pensamentos segue inevitavelmente o anterior. Todo seu ser é envolvido e você está usando suas habilidades ao máximo.
Nesse estado mental o corpo e a mente estão em perfeita harmonia, eliminando qualquer conflito interno e canalizando toda a energia e atenção em uma determinada tarefa.
A todo o momento existe uma imensa gama de informações disponibilizadas para cada indivíduo. Nesse sentido, psicólogos descobriram que a mente humana só pode atender a certa quantidade de dados por vez.
Na maioria das vezes as pessoas são capazes de definir em que focar a sua atenção. Quando estão em estado de Flow ficam completamente focadas na tarefa em questão, isso faz com que percam a consciência em todas as demais atividades, mesmo que inconscientemente.
Para Kamei (2014), o estado de fluxo ocorre quando um indivíduo ama o que faz e compreende os motivos, é capaz de atingir um nível surpreendente de conexão com a atividade que está realizando, onde nada mais importa, como se estivesse vivendo uma realidade paralela.
Quando completamente imersos no estado de Flow, o sistema nervoso não tem capacidade suficiente para monitorar o corpo, como ele está se sentindo, se está cansado ou com sede, ou nos problemas de casa. A existência é suspensa temporariamente, ou seja, “o ser humano presta atenção, seleciona ou concentra-se naquilo que precisa, e joga fora o resto” CHAPANIS (1996).
Os níveis de concentração são demasiadamente elevados, é por isso que a percepção temporal é distorcida, ou seja, sente-se a impressão de que o tempo está passando mais rápido do que deveria. O indivíduo está totalmente focado na tarefa, sendo capaz de realizá-la ao máximo sem esforço consciente, quase automático.
Entenda o seguinte: do ponto de vista neurológico, isso acontece porque o ser humano possui uma capacidade limitada para processar a informação. O sistema nervoso central (SNC) é o responsável pela capacidade de receber e processar informações. Quando o envolvimento com uma atividade atinge um estado tão intenso, o processamento de outras informações é mitigado.
Como alcançar o estado de Flow?
Para alcançar o estado de Flow, é imprescindível que o indivíduo esteja empenhado em uma atividade como, por exemplo: atirar. Algo que traga satisfação e seja prazeroso. Quanto mais vezes alcançar esse alto nível de concentração, motivação e energia, maior a qualidade de vida e a sensação de felicidade.
Pode-se dizer que o estado de Flow está diretamente relacionado com a premissa do “ame o que você faz”, ou seja, se faz exatamente aquilo que gosta. Então, é fundamental que haja satisfação ao realizar uma atividade e que seja elevado o seu potencial máximo. Não se pode olvidar que é preciso engajar-se nas dificuldades que o desafio representa e que tem que estar de acordo com suas habilidades disponíveis naquele momento.
Por que o desafio precisa estar dentro das capacidades de realização? O fato de não realizá-los conforme esperado pode causar decepção e não estado de Flow. No entanto, você não atingirá o seu potencial máximo.
Exemplo: Dois amigos vão ao estande de tiro e um resolve desafiar o outro, a fazer tiros de precisão a 5 metros de distância do alvo, em círculos cada vez menores, em determinado tempo, quem fizer em menor tempo e acertar mais alvos, vence. O desafiante não tem o hábito de praticar tiro de precisão, mas o outro sim. Isso lhe causará preocupação e ansiedade, e o resultado após algumas rodadas será desanimador.
Como visto, deve haver uma proporcionalidade entre a complexidade do desafio e as habilidades que você possui. Quanto mais desafiador dentro das suas habilidades, maior sua capacidade de realizá-lo, aumentando as chances de alcançar o estado de Flow. “Se os desafios são muito baixos, volta-se ao fluxo, aumentando-os. Se os desafios são grandes, pode-se retornar ao estado de fluxo aprendendo novas habilidades“, explica Csíkszentmihályi.
E quais elementos são determinantes para alcançá-lo?
O estado de Flow acontece quando o corpo e a mente estão perfeitamente alinhados, a atenção está voltada para uma atividade específica.
Foram identificados 08 elementos que definem essa fantástica experiência, são eles:
- Equilíbrio entre desafio e habilidade;
- Metas claras e retorno (feedback);
- Concentração total na atividade e no momento presente;
- Fusão entre ação e consciência;
- Sensação de controle;
- Perda da autoconsciência;
- Perda da noção do tempo;
- Experiência autotélica
Dos oito elementos citados, apenas 03 (três) são essenciais para o estado de Flow: equilíbrio entre desafio e habilidade; metas claras e retorno (feedback); concentração total na atividade e no momento. Os demais são interpretados como mera conseqüência ou percepções da ocorrência do estado mental. Então, vejamos:
- Equilíbrio entre o desafio e habilidade: as habilidades e os desafios percebidos são elevados e equivalentes – O indivíduo sabe que é inteiramente capaz de realizar determinada tarefa e deve estar plenamente envolvido em superar esse desafio, sem que fuja da sua capacidade de controle. (figura 1)
- Metas claras e retorno (feedback) imediato: O indivíduo deve ter o pleno conhecimento das tarefas que precisa completar, momento a momento e o feedback deve ser imediato, técnico, claro e que traga melhorias. A cada ação, deve-se deixar claro se o desempenho está aproximando a pessoa de sua meta. Esse retorno é primordial para saber que você esta caminhando no rumo certo.
- Concentração total na atividade e no momento: é imprescindível que a ação se funde com a consciência, tornando-se uma só – concentração total da atenção naquela atividade.
Os estudos de Csikszentmihalyi (1997) concluem que o fluxo tende a ocorrer quando as habilidades do indivíduo estão totalmente envolvidas em superar um desafio que está dentro de sua capacidade de controle. Isso serve como um ímã para o desenvolvimento de novas habilidades e desafios cada vez melhores.
“Flow” o pináculo da alta performance
Essa ferramenta propõe a conquista do alto desempenho a partir de um estado mental de excelência no qual o corpo e a mente estejam em perfeita interação. É como um conjunto de engrenagens, tudo tem que estar em perfeita sintonia para funcionar.
Partindo desse pressuposto, em buscar excelência naquilo que se faz e sente prazer em realizar para alcançar o estado de Flow e, consequentemente chegar aos mais altos níveis da alta performance, é preciso pensar no universo em termos de ordem. Mihaly propõe em seu estudo que o universo deve ser pensado sob dois aspectos: o da ordem e o do caos (ou entropia/desordem). Baseado em sua teoria, a tendência natural do ser humano é sentir prazer na organização. Essa é a chave fundamental do estado de Flow: a satisfação humana está no processo de trazer ordem e controle para a vida.
Essa incessante busca por organização e controle representa um constante aprendizado, no qual as experiências e habilidades sobem cada vez mais de nível, consequentemente, capacita o indivíduo a enfrentar novos desafios, conquistando outros patamares. É como estar diante de uma escada e a cada conquista, elevar um degrau.
Duas grandezas são consideradas proporcionais quando varia na mesma proporção, ou seja, quanto maior o desafio e a competência, maior a capacidade de atingir o estado de “Flow”.
Alcançar esse nível representa elevar, significativamente, o desempenho ao mais alto padrão, e conquistar resultados incríveis. Chegar-se-á um nível em que não é o momento para haver dúvidas, desatenções, e sim de executar as ações de forma plena, baseadas num processo espontâneo e sem esforço consciente do que se está fazendo. O processo é realizado quase que em modo automático, visto que sua atenção deva estar canalizada na execução da atividade.
Um fator pode ser determinante para que isso não aconteça, é chamado de zona de conforto. Para que haja aprendizado, evolução ou transformação é preciso estar fora dessa zona. Dentro dela está o limite da sua experiência atual e, fora dela, a zona de aprendizagem.
A busca por novos desafios e a imersão em tudo aquilo que ele representa, é imprescindível. Vale lembrar que o desafio tem que ser compatível com suas habilidades disponíveis. Para isso, é necessário engajamento, migrar da zona de conforto para a zona de alto rendimento, sob pena de entrar num estado de relaxamento, ou até tédio e não “Flow”.
Diante de todo exposto, da relevância dos elementos determinantes, a capacidade para alcançar o estado de Flow decorre do desenvolvimento do treinamento mental apropriado. Tanto o corpo quanto a mente precisam estar em equilíbrio, o treinamento deve ser físico e mental, de modo a proporcionar uma excelência: “mente sã, corpo são” .
Bibliografia
CHAPANIS, A., Human Factors in Systems Engineering, Hoboken: John Wiley and Sons, 1996.
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