Os Estados Unidos da América desperta curiosidades e interesses variados. A estrutura federativa, a constituição, a Estátua da Liberdade, parques temáticos, indústria cinematográfica e o American Way of Life certamente permeiam o imaginário dos que conhecem aquele país. Mas há algo mais que, certamente, vem a mente: armas de fogo.
É conhecido que os estadunienses possuem muitas armas de fogo. Alguns diriam que há certa paixão pelo tema. E, de fato, se comparados conosco, segundo levantamento da Small Armas Survey em 2007, possuem algo em torno de 9 ou 10 vezes mais armas por 100 mil habitantes. Algo significativo.
Mas não é para tratar de armas de fogo, em si, que escrevo. Vendo recentemente estatísticas sobre homicídios divulgadas pelo FBI-UCR, algumas características chamaram-me a atenção.
Alerto desde já que não entrarei na discussão sobre a relação direta entre taxas de homicídios e de armas de fogo. É um tema complexo e com diversas variáveis e nuances que não pretendo explorar. Todavia, ainda que não trate da relação tão alardeada e polêmica entre estas variáveis, alguns fatos subjacentes parecem, no mínimo, curiosos.
Homicídios
Segundo as estatísticas do FBI-UCR, ocorreram 15.195 e 14.123 homicídios nos anos de 2017 e 2018, respectivamente, nos EUA. No Brasil, tivemos algo em torno de 65.602 homicídios em 2017, segundo Atlas da Violência 2019. Utilizando metodologia semelhante, aferi 57.956 em 2018. Números certamente bem superiores aos dos EUA, ainda mais considerando uma população menor (temos cerca de 210 mi habitantes e, eles, 330 mi, aproximadamente).
Como disse, discutir possíveis causas sociais, jurídicas ou econômicas dos homicídios não é meu propósito. Contudo, há algo que merece ser observado.
Ao pormenorizar os dados aglomerados para os países, esperava que, percentualmente, houvesse muito mais homicídios por armas de fogo nos EUA que no Brasil. Mas, não! Os percentuais são semelhantes!
Os dados – e a análise – são precários por diversos motivos, inclusive pelo aglomerado, mas, ainda assim, podem trazer alguma luz. Em dados de 2018 (ver metodologia abaixo), tivemos no Brasil 41.179 (71%) homicídios por armas de fogo, 7.964 (14%) por armas brancas (cortante/perfurante) e 3.529 (6%) por meios contundentes. Para o mesmo ano, nos EUA estes números foram 10.265 (73%) para armas de fogo, 1.515 (11%) para facas ou instrumentos cortantes e 443 (8%) para objetos de ponta romba (objetos sem corte, em tradução livre).
O gráfico abaixo ilustra isso:
Tipos de Armas
É também bastante conhecido que, além da quantidade, há muita variedade de armas de fogo nos EUA. Há rifles de assalto, pistolas de calibres exóticos, as mais variadas espingardas e carabinas, dos mais variados calibres. Esperava, portanto, que houvesse um número significativo de homicídios por rifles. Mas, novamente, não parece ser assim!
Analisando apenas os 10.265 homicídios cometidos por armas de fogo em 2018, temos que 6.603 destes utilizaram armas de mão. Apenas 297 utilizaram rifles e 235, espingardas.
Isso parece surpreendente. Ainda mais sob a perspectiva comparativa. Por exemplo, morreram 672 pessoas por socos e chutes (Personal Weapons – hands, fists, feet, etc – pushed inclused). Isto significa que foram cometidos mais que o dobro de homicídios utilizando socos e chutes do que utilizando rifles!
O gráfico abaixo ilustra o percentual das armas de fogo utilizadas para cometer homicídios. Foram excluídas 2.963 armas de tipo não declarado, e consideradas apenas as de tipo declarado.
Ou seja, considerando apenas os tipos declarados, em 2018 mais de 90% dos homicídios cometidos por armas de fogo nos EUA utilizaram armas de mão, e, rifles, cerca de 4%.
Conclusão
É óbvio que se trata de uma análise superficial sobre o tema. Não sou conhecedor da temática específica e tampouco do cenário internacional ou dos EUA.
Porém, ainda que com possíveis imprecisões, penso que as características aparentes apresentadas merece uma investigação mais aprofundada sobre o que de fato ocorre com os meios para cometimento de homicídios, e quais fatores são de fato relevantes nesta análise.
Me parece que o fato de termos percentuais semelhantes com os EUA de meios para cometimento de homicídios sugere atenção. Por hipótese apenas, pode ser que, ou tenhamos números imprecisos demais, sobretudo da quantidade de armas, ou este pode ser um fator isoladamente não tão relevante. Merece estudo, certamente.
Observações sobre metodologia e fontes:
- BRASIL:
- Fonte dos dados: DataSus/Tabnet: (1) Homicídios, CID 10: X85 a Y09, Y35 e Y36 (57.956 casos); (2) Armas brancas (Cortante/Perfurante), CID 10: X99 (7.964 casos); (3) Armas de fogo, CID 10: X93 a X95 (41.179 casos); (4) Contundente, Y00, Y04 e Y05 (3.529 casos).
- Obs: Metodologia semelhante à utilizada no Atlas de Violência 2019, Tabela na pag. 105 (não incluso Y35 associado à local do óbito, pois não identifiquei esta última opção.)
- EUA:
- Fonte dos dados: FBI-UCR (Expanded Homicide Data Table 8) < https://ucr.fbi.gov/crime-in-the-u.s/2018/crime-in-the-u.s.-2018/tables/expanded-homicide-data-table-8.xls > Acessado em 24 jun 2020.
- Obs: Da seguinte forma: (1) Armas de fogo (Total firearms); (2) Arma branca (Knives or cutting instruments) e (3) Contundente (Blunt objects somado a Personal weapons).
- Obs: Para tipos de armas no segundo gráfico foram consideradas apenas armas de tipo declarado (excluído \”Firearms, type not stated\”).
Fontes:
- Atlas da Violência 2019 – IPEA < https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/downloads/6537-atlas2019.pdf >
- Small Armas Survey < http://www.smallarmssurvey.org/fileadmin/docs/A-Yearbook/2007/en/full/Small-Arms-Survey-2007-Chapter-02-EN.pdf >
- FBI-UCR – Expanded Homicide Data Table 8 < https://ucr.fbi.gov/crime-in-the-u.s/2018/crime-in-the-u.s.-2018/tables/expanded-homicide-data-table-8.xls >
- DataSus/Tabnet < http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/obt10uf.def >