Um tema muito discutido atualmente não só em práticas mas nas mídias sociais é a famosa “Regra de Tueller” principalmente quando ocorrem violências com faca envolvendo policiais ou até mesmo civis, com vídeos viscerais, repleto de tiros, facadas, mortes e muito sangue. De todo o tipo de cenário, urbano, em lojas, posto de gasolina, ônibus… A lista é enorme.
Surgem comentários e explicações de especialista, policiais, instrutores gabaritados por toda parte, entretanto alguns argumentos similares como, “A Lei de Tuller”, ou “Regra do 21 Pés” e até mesmo “Ficou menos de 7 metros”
Claro que essas são frases mães que vem seguidas sobre incapacitação do agressor, velocidade de saque, distância, tempo… Argumentos já conhecidos e escritos inúmeras vezes.
Não obstante muitas instruções não só no Brasil mas no mundo realizam exercícios, drills construídos apartir dos estudos do sargento Dennis Tueller, do Departamento de Polícia de Salt Lake City, que perguntou com que rapidez um agressor com uma faca ou outra arma branca poderia cobrir 6,4 metros, dessa forma, ele cronometrou alguns voluntários que participaram do pequeno estudo enquanto eles corriam para esfaquear o alvo.
O resultado cumulativo de treinadores e alunos praticando esses exercícios, falando sobre eles e escrevendo sobre eles era um axioma tático: se um indivíduo armado estivesse a menos de 6 metros de você, você estaria justificado em atirar para se defender.
Richard Mann
Ele determinou que isso poderia ser feito em 1,5 segundos. Esses resultados foram publicados pela primeira vez como um artigo na revista SWAT em 1983 e em um vídeo de treinamento policial com o mesmo título, “How Close Is Too Close?”.
De acordo com Dave Starin, oficial aposentado da SWAT e ex-diretor de treinamento da Gunsite Academy , “Isso mudou as políticas e programas de treinamento de muitas agências e também tem sido usado por décadas em revisões de uso da força e casos judiciais”.
Ironicamente houve uma interpretação equivocada sobre seus estudos, dessa maneira foram criados conceitos de treinamentos juntamente com protocolos embaralhados que distorcem a realidade desses cenários, acabando em práticas sugestivas e especulativas. Resumidamente em treinamentos inadequados e informações anedóticas.
Introdução
Este artigo procura preencher a lacuna de conhecimento examinando a “Regra Dos 21 Pés” com pesquisas mais aprofundadas e modernas, estatísticas, experiências de treinamentos e ocorrências policiais, numa análise técnica, para um melhor entendimento na construção de um conceito veríssimo e atualizado. Focando pontos importantes como:
a) a distância mínima que um agressor pode atravessar uma distância de 6,4m e atacar um policial com uma faca antes que um policial possa sacar e disparar sua arma, e qual seria a distância ideal fora da zona de perigo.
b)quais os protocolos e táticas que o policial pode utilizar nesses cenários para aumentar a reação, em caso de impossibilidade ou interrupção de sacar o seu armamento.
c)que tipo de treinamento se deve realizar nas instituições Policiais Acadêmicas para mitigar riscos, dando ao policial procedimentos adequados e mais seguros.
Como criar um paradigma
Nesse famoso vídeo podemos observar como um paradigma é formado e como os seres seguem ele, seja animal ou seja o homem. Apesar desse vídeo ser feito por macacos, sabemos que a humanidade na sua maioria faz a mesma coisa, seguem modelos de vidas, mesmo sem saber o porque e o pra que?!
A consciência coletiva, segundo Émile Durkheim (sociólogo francês, 1858-1917), é a força coletiva exercida sobre um indivíduo, que faz com que este aja e viva de acordo com as normas da sociedade na qual está inserido. Isso se chama exterior coercitivo, e remete a necessidade da natureza em se organizar de forma semelhante.
Assim os macacos se organizavam inicialmente por um exterior coercitivo (frio da água que fazia mal) e depois reagia ficando quieto de forma a evitar o outro mal (ser espancado) simplesmente porque assim o faziam.
O comportamento deve ser visto como um aspecto constitutivo da espécie humana e como uma relação entre organismo e ambiente. É sempre uma relação ou interação entre eventos ambientais (estímulos) e atividades de um organismo (respostas). No vídeo do Ayoob, o próprio Tueller fala uma que nos remete a exatamente isso
“Somos todos produtos do nosso próprio ambiente.”
Sgt Tueller
A relação organismo-ambiente pode envolver uma situação aparentemente simples (por exemplo, lacrimejar ao descascar cebolas, abrir uma porta ao ouvir uma campainha) ou obviamente complexa (por exemplo, solucionar um problema, abstrair, conhecer a si mesmo). O comportamento é responsável por uma série de coisas que rodeiam nossas vidas, como o paradigma.
Para melhor esclarecimento, paradigma é um conceito das ciências e da epistemologia (a teoria do conhecimento) que define um exemplo típico ou modelo de algo. É a representação de um padrão a ser seguido. É um pressuposto filosófico, matriz, ou seja, uma teoria, um conhecimento que origina o estudo de um campo científico; uma realização científica com métodos e valores que são concebidos como modelo; uma referência inicial como base de modelo para estudos e pesquisas.
Desta maneira, nossos paradigmas podem ser valiosos e até salvar vidas quando usados adequadamente. Mas podem se tornar perigosos se os tomarmos como verdades absolutas, sem aceitarmos qualquer possibilidade de mudança, e deixarmos que eles filtrem as novas informações e as mudanças que acontecem no decorrer da vida. Entretanto, agarrar-se a paradigmas ultrapassados pode nos deixar paralisados enquanto o mundo passa por nós.
A regra dos 21 Pés
O então Sgt Tueller estabeleceu um princípio, a regra de 21 pés na década de 80 ao conduzir um treinamento de armas de fogo com o Departamento de Polícia de Salt Lake City. Tueller fez alguns experimentos com policiais se passando pelo agressor com uma faca na mão, enquanto outro policial estava a 6 metros de distância com uma arma de treinamento no coldre.
O agressor foi instruído a atacar o policial para simular um cenário de ataque do mundo real e o policial foi instruído a sacar e atirar antes do suspeito chegar até ele (Martinelli, 2014).
Este exercício foi concebido como um exercício reacionário de lacunas para ensinar aos policiais a rapidez com que esses encontros se desenrolam. Depois de executar esta exercício por vários anos, Tueller descobriu que uma pessoa em média poderia correr 21 Pés (exatos 6,4 metros)) em 1,5s. (Tuller 1983). Sendo assim, observou-se que os policiais conseguiram sacar sua arma do coldre e disparar contra o agressor nessa distância em média, 1,5s.
Concluindo que, 21 Pés é uma “Zona de Perigo”, ou seja o policial será incapaz de se defender de forma segura e eficiente nessa distância ou até mais perto. No entanto muitas instituições policiais e treinamentos privados interpretaram sendo 21 Pés uma “Zona Segura” ou “Distância Segura”.
Em 2014, o Dr. Ron Martinelli escreveu Revisiting the “21-Foot Rule”, em que rejeitou qualquer sugestão da qual um suspeito que apenas possuísse uma faca a menos de 21 pés poderia ser sumariamente morto. Martinelli também tinha ouvido a “Regra” de 21 pés sendo mal interpretada por especialistas de todos os lados. Dessa forma, desafiou qualquer simplificação excessiva do trabalho de Tueller e, citando a pesquisa da Force Science, argumentou que avaliar adequadamente as ameaças exigia uma compreensão sofisticada da percepção, tomada de decisão e ação.
Esse protocolo tornou-se ainda mais proeminente com a distribuição de um vídeo de treinamento chamado Surviving Edged Weapons (Smith, 2018) nos EUA. Este vídeo de treinamento afirmou enfaticamente que 21 pés era longe o suficiente para os policiais serem capazes de (1) sacar sua arma, (2) mirar e disparar dois tiros no centro de massa, e (3) afastar-se do suspeito após o disparo. Em todo o país, existem departamentos que baseiam a sua formação e utilização de políticas de força (pelo menos parcialmente) na regra de 21 pés (Police Executive Research Forum).
Isso ocorre apesar do fato de que faltam pesquisas revisadas sobre a regra dos 21 pés. Mais dados sobre a regra dos 21 pés foram publicados em publicações não acadêmicas do tipo comercial (Adams, McTernan & Remsberg, 2009; Blake, 2016; Force Science Research Center, 2005a, 2005b; Martinelli, 2014, 2015; Smith, 2018; Tueller, 1983). E no Brasil também como a explicação muito pontual do mestre Humberto Wedling.
Geralmente, algumas dessas consultas simplesmente executam novamente o mesmo exercício de Tueller original com medidas imprecisas de velocidade (por exemplo, um cronômetro de smartphone) e sem considerações importantes como o tipo de coldre usado, os cenários, os tipos de agressores e agressões, a fadiga do policial sobre stress, o peso do policial equipado e sua velocidade de locomoção, a consistência do treinamento desse policial em saques,… Uma série de fatores que podem sim, esclarecer melhor o estudo.
Enquanto isso, não significa que esses dados estão incorretos, mas sim controlados, revisados por pares. Entretanto é necessária uma pesquisa empírica para garantir que tanto os policiais quanto aqueles que vão julgar as ações dos policiais mantenham dados confiáveis.
É exatamente esse o propósito do artigo, coletar dados atuais e relevantes, conectando com conhecimentos, experiências de violências com faca na sua totalidade.
Violência com Faca no mundo
De acordo com o Estudo Global sobre Homicídios de 2019 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, as facas foram a arma de escolha em 97.183 homicídios somente em 2017, um total de 22% do total mundial. Sendo assim, é perceptível que ataques com facas e mortes por esfaqueamento ocorrem em todo o mundo, desde aqueles com altas taxas de crimes violentos até os países mais seguros do mundo.
Dito isso, a frequência da violência relacionada a facas (que inclui não apenas facas, mas também outros “objetos pontiagudos”, como tesouras ou machados) variam muito de uma região para outra.
Ademais, na América do Norte, as mortes por armas de fogo foram responsáveis por cerca de 76% de todos os homicídios, com os homicídios por faca representando menos de 20%. No entanto, os números se invertem na Europa, onde as armas representam apenas 20% dos homicídios, mas as facas são usadas aproximadamente 40% das vezes. De fato, as Nações Unidas identificaram dezesseis países nos quais facas e instrumentos cortantes foram usados em mais da metade dos homicídios do país.
Os 16 principais países com a maior porcentagem de homicídios relacionados a facas 2013-2016 (porcentagens aproximadas):
- Cuba ≅ 76%
- Azerbaijão ≅ 75,5%
- Butão ≅ 73%
- Tanzânia ≅ 72%
- Argélia ≅ 68%
- Granada ≅ 67%
- Catar ≅ 66%
- Marrocos ≅ 64%
- Eslovênia ≅ 61%
- Bahrein ≅ 59%
- Singapura ≅ 59%
- Polônia ≅ 57%
- Cazaquistão ≅ 57%
- Sri Lanka ≅ 52,5%
- Guiana ≅ 52%
- Hungria ≅ 51%
A faca que mais mata no mundo
A violência relacionada a facas está aumentando em todo o mundo desde 2014 . Um dos principais fatores citados nesse crescimento é o fato de que as facas estão amplamente mais acessíveis, sendo menos custosas e muito mais fáceis de obter do que as armas de fogo. Aliás, não é atoa que a faca que mais mata no mundo é a faca de cozinha.
O relatório de 2017 das Nações Unidas também observou que, via de regra, os países com maiores taxas de homicídio eram geralmente aqueles em que as armas de fogo eram mais prevalentes. Em comparação, em países com taxas de homicídio mais baixas, objetos cortantes/facas e “outros mecanismos” tendiam a ser os métodos predominantes. Os países com taxas mais altas de mortes por esfaqueamento consistentemente têm leis de controle de armas mais rígidas, o que força os possíveis agressores a recorrer a facas em vez de armas de fogo.
Fica nítido que o controle de armas não controla e nunca irá controlar a violência, pois um homem cujo o destino é fazer a violência, os meios ele irá encontrar. O psicólogo, Jordan Peterson, faz comparações da violência com outros fatores da sociedade atual:
A violência, afinal, não é nenhum mistério. É a paz que é o mistério. A violência é o padrão. É fácil. É a paz que é difícil: aprendida, inculcada, conquistada. (As pessoas geralmente fazem perguntas psicológicas básicas de trás para frente. Por que as pessoas usam drogas? Não é um mistério. É por que elas não as tomam o tempo todo que é o mistério. Por que as pessoas sofrem de ansiedade? Isso não é um mistério. Como é isso. As pessoas podem ficar calmas? Aí está o mistério. Somos quebráveis e mortais. Um milhão de coisas podem dar errado, de um milhão de maneiras. Devemos ficar aterrorizados a cada segundo. Mas não somos. O mesmo pode acontecer ser dito para depressão, preguiça e criminalidade.)
Jordan B. Peterson, 12 regras para a vida: um antídoto para o caos
O escritor, palestrante e referência no assunto sobre Desarmamento e Direito de Defesa, Berne Barbosa acrescenta:
“Armas Matam!!”. Este é, sem sombra de dúvidas, o mais ingênuo e infantil de todos os argumentos. O motivo é óbvio: se armas matam, então carros atropelam. A culpa é do carro e não é do motorista. Quando você fizer uma prova, não se preocupe em ir bem. Afinal de contas, se não souber a resposta e errar, a culpa não é sua, é da caneta que você está usando. Portanto, o problema não é a ARMA, o problema é a criminalidade. São as pessoas que, conscientemente, porque todo crime é consciente,…Por isso, a arma não mata, quem mata é o ser humano. E qualquer objeto é passível de se tornar um objeto mortal. Basta apenas observar e interpretar as ocorrências com martelos, facas e muitas vezes, com as próprias mãos.
Acaso seria possível proibir o uso de facas em residencial ou, até mesmo, mãos e pés? Fica sua reflexão.
Violência com Faca no Brasil
Contrariando as estatísticas de violência nacionais, dois estados do Norte do país registram mais mortes por armas brancas (facas e outros objetos cortantes) do que por armas de fogo, revelam dados do 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgados no final de outubro.
Em Roraima, 46,9% das mortes causadas por agressão foram resultantes do uso de armas brancas enquanto 29,4% dos homicídios ocorreram por revólveres.Tocantins aparece logo em seguida, com taxa de 46,5% de assassinatos por arma de fogo e 44,9% por objetos cortantes.
Os 10 principais países com mais mortes por esfaqueamento no mundo- estimativas do GHDE 2019:
- Brasil – 9.885
- África do Sul – 9.424
- Índia – 8.931
- Rússia – 6.336
- Filipinas – 5.491
- Nigéria – 5.099
- México – 4.699
- China – 4.590
- Paquistão – 3.388
- Colômbia – 3.131
Não podemos deixar destacar a violência com faca contra as mulheres, evidentemente em crimes como o feminicídio, em consequência do Brasil ser o país com a maior taxa de feminicídio do mundo. O feminicídio é o ápice de um continuum de diversas agressões praticadas contra a mulher, que ao longo do tempo vão sendo naturalizadas na sociedade.
Não aparece como um evento isolado nos casos de violência doméstica, mas como o momento culminante de toda uma história de violência cometida contra a vítima (BRASIL, 2015a).
Número de Agressão com objetos cortante ou penetrante contra mulheres:
- 2014 – 2.625
- 2015 – 2.565
- 2016 – 2.495
- 2017 – 2.417
Ocorrências Policiais com Faca
É cada vez mais comum ver esse tipo de ocorrência rodando jornais locais e vídeos de policiais em grupos de whatsapp. Muitas dessas pessoas nem imaginam que muitas dessas ocorrências com faca, no final do seu desdobramento jurídico os policiais as vezes respondem judicialmente por excesso de força letal.
Isso é um problema de aspectos jurídicos e doutrinário, pois os policiais ficam a mercê de um entendimento completamente jurista, sem levar em consideração da realidade de uma ocorrência extremamente complexa ou a opinião de estudiosos do tema para uma melhor compreensão dessas ocorrências.
A aplicação dos dispositivos legais analisados sob uma ótica estritamente jurídica e acadêmica, sem considerar seos aspectos fáticos e operacionais essenciais para a solução deste tipo de ocorrência, coloca em risco a vida e integridade física dos envolvidos (vítima, agressor e policiais), além de gerar insegurança aos agentes da lei, desencorajando-os a atuar, fazendo com que este tipo de ocorrência acabe vitimando mais pessoas, tornando-se verdadeira tragédia.
T. Gonçalves Escudeiro, Delegado da Polícia Civil de SC
Nos EUA, existe praticamente a mesma mazela, ocorrendo até consultas de juízes, á ciências policiais, no esclarecimento de procedimentos e protocolos operacionais, porém as consultas acabam sendo distorcidas e mau interpretadas pois a fonte geralmente consultada é a regra da lei de Tuller.
Em 2019, o caso de um ex jogador de futebol, Phillip Watkins, de 23 anos, que atacou dois policiais com uma faca e foi morto com 10 disparos, foi levado ao Tribunal de Apelações dos EUA no maior circuito judicial do país.
No que mais tarde foi revelado como um trote, conhecido nos EUA como “swatting“, um homem liga para 911 numa cidade ao norte da Califórnia que ” um cara louco com uma faca estava ameaçando matar sua família em uma residência numa área conhecida de gangues”. O interlocutor alegou que estava desesperadamente escondido com seus filhos atrás de uma porta trancada. “Por favor, venha rápido!”. Dizia o homem, antes de desligar.
Antecipando uma possível invasão de domicílio, dois policiais que patrulhavam o local nas proximidades responderam em dois minutos. Ao chegarem, um jovem parado do lado de fora da residência (mais tarde identificado como o falso comunicante, sendo Phillip) começou a caminhar em direção aos policiais, sacando um canivete na mão direita.
Os policiais ordenaram que ele parasse e largasse a faca. Em vez disso, de acordo com o relatório investigativo de um promotor público, ele “começou a correr a passos largos”.
Os policiais efetuaram disparos contra o agressor que morreu no local. Praticamente um “Suicide By Cop”, que logo foi relatado pelos seus colegas que Phillip queria se matar porém não conseguiria realizar sozinho.
A promotoria declarou os tiros justificados. Da mesma forma, um juízo distrital, avaliando uma ação federal de direitos civis alegando força excessiva trazida pelos sobreviventes do morto, decidiu que as ações dos policiais foram razoáveis dadas as circunstâncias. Ela concedeu julgamento sumário em favor dos policiais réus, e seu município provimento o processo.
Depois que os demandantes apelaram, três juízes do 9º Circuito de Apelações emitiu uma opinião dividida. Dois desses juristas concordaram com a juíza distrital e sustentaram que ela arquivasse o caso. O terceiro, porém, discordou – e fez da “ regra dos 21 pés ” um ponto central de discussão na recente decisão do tribunal.
Ao longo da trilha investigativa e judicial deste caso, várias estimativas foram dadas sobre a distância entre o sujeito e os policiais quando atiraram contra ele. A maioria decidiu por esses números, oferecidos pelos demandantes:
O suspeito estava “a mais de 130 pés” total de 39m de distância quando os policiais o encontraram pela primeira vez. “Na hora em que eles abriram fogo, o suspeito estava a aproximadamente a 15 metros”. Os réus estimaram a distância um pouco menor, em 14 metros. Quando suspeito caiu, ele estava a aproximadamente 5 metros dos policiais. O juiz de apelação dissidente desafiou a conclusão de seus colegas de que o agressor representava uma ameaça “imediata” que justificava o uso de força letal a uma distância de 15 metros.
Por sua política escrita na época, ele apontou, o departamento de oficiais “prevê que uma pessoa armada com uma arma perigosa, como uma faca ou um bastão, constitui um perigo para a segurança de [um] policial quando essa pessoa está em uma distância de 21 pés ou menos do oficial.”
Assim, sob a própria regra de 21 pés do Departamento, “o suspeito a uma distância de 55 pés presumivelmente não representava uma ameaça imediata quando foi baleado”, argumentou o dissidente. “O objetivo da regra é certamente orientar a conduta dos policiais sobre se e quando um suspeito representa uma ameaça…. Os policiais são treinados com base na política, e a inferência razoável é que esse treinamento deve afetar nossa avaliação do que um oficial razoável acreditaria e como ele deveria reagir.
Descobrir que o tiroteio merecia um julgamento sumário, insistiu o juiz, foi um erro.
Defendendo sua posição, a maioria apontou que não havia “nenhuma evidência, direta ou circunstancial”, de que o suspeito estava parado a uma distância de 16 metros. A “evidência indiscutível” era que ele estava “avançando em direção aos policiais em um ritmo rápido (pelo menos 12,3 pés por segundo, o que dá quase 14km/h), tudo isso armado com uma faca e ignorando os comandos repetidos dos policiais para parar. Se os policiais tivessem esperado de 1 a 1,5 segundo a mais antes de atirar quando o fizeram, ele teria alcançado com a faca os policiais antes de cair no chão.
Vale ressaltar ques velocidade média de um homem correndo a pé é de 9,4kmh. O suspeito estava acima da média. Podendo percorrer os 15 metros em 3,86 segundos.
Isso mostra que apesar de uma convicção sobre o cenário e o agressor por base de estudo, a sua capacidade física pode ser divergente da média, em razão de sua origem hereditária e as características do seu corpo.
Quanto à “regra” de 21 pés, afirmou a maioria, ela prevê que uma pessoa a essa distância ou menos pode representar uma ameaça à segurança de um policial. Não se segue desta regra, ou de qualquer outra, que suspeitos armados nunca representem uma ameaça imediata além de 21 pés. Notavelmente, a dissidência não cita nenhum caso afirmando que um policial deve esperar até que um suspeito armado esteja a menos de 6 metros, ou seja capaz de realmente infligir morte ou danos graves, antes de ser justificado em usar força letal.
O uso da força pelos policiais em resposta à conduta do suspeito foi razoável sob as circunstâncias, permitindo que o juiz distrital arquivasse o caso.
A principal vantagem dessa decisão para política e treinamento”, diz Atty. Brave, é “evitar afirmar e praticar a linha dura, as chamadas ‘regras’ que não são especificamente exigidas pelo controle de precedentes legais ou estabelecidas de forma clara e confiável por provas científicas suficientes. Fazer o contrário apenas convida a problemas desnecessários.“Em vez disso, confie no ‘padrão objetivo de razoabilidade’ que exige a ponderação da totalidade das circunstâncias conforme razoavelmente percebidas pelo policial envolvido.
Este padrão promove a consideração de todos os fatores que podem ser incluídos para determinar razoavelmente se um sujeito é uma ameaça imediata de dano corporal significativo, qualquer que seja a distância envolvida.
Brave observa que o departamento envolvido no caso acima aparentemente mudou sua declaração de política que o tribunal disse que estava em vigor quando ocorreu o tiroteio fatal. “Ao verificar o atual manual de políticas publicado on-line do departamento”, diz ele, “a ‘regra dos 6 metros’ não é mencionada”.
Uso da Força Letal por policiais
Em 2020 o Brasil alcançou o maior número de mortes em decorrência de intervenção policial. Com 6,416 vítimas fatais, por políciais de serviço e fora de serviço. A policia militar foi responsável por 17,6 mortes em média por dia, isso dá um crescimento de 190%, comparado ao ano de 2013 em diante. Entretanto no período de 2018 até 2020 o crescimento do número de mortes decorrentes de intervenções policiais foi de 3,9%.
Claro que devemos prestar atenção em fatores regionais do fenômeno e suas características, como o exemplo o Rio de Janeiro, que majoritariamente policiais militares são responsáveis pelas mortes por intervenção, consequentemente de um Estado extremamente violento e sitiado pelo tráfico. Pra ter uma noção, nenhum cidadão do estado do Rio de Janeiro está a menos de um raio de 1km de um fuzil ilegal.
O Brasil é um país violento, nossos números relacionados a crimes contra vida é alarmante, morre mais pessoas por tráfico do que em guerras, os crimes de furto são os mais expressivos do mundo, é o país que mais morre políciais em serviço do mundo, sendo assim, pedir por uma polícia ser menos letal é a mesma coisa que implorar que um leão não te devore porque você é vegetariano.
Ocorrências com faca, não foge muito dessa prosa, pois letalidade se combate com letalidade.
A força letal contra policiais
De acordo com o National Law Enforcement Officers Memorial Fund (2017, 2018) 33 policiais foram mortos no cumprimento do dever entre 2007 e 2017 como resultado de ataques físicos a curta distância nos EUA. Destes 33 policiais, 13 foram esfaqueados, 16 espancados e quatro estrangulados. No entanto isso pode parecer um número relativamente baixo de mortes, encontros violentos ocorrem muito mais frequentemente do que se imagina.
Dados de policiais mortos e agredidos (LEOKA) de 2007 a 2016 fornecido pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) relata o número de policiais agredidos enquanto em serviço. Constatou-se que 9.586 policiais foram agredidos com arma pontiaguda (Law Enforcement Oficiais mortos e agredidos (2018). Desses 9.586 policiais, cerca de 1.200 ficaram feridos como resultado da ocorrência. Ao considerar agressões físicas sem arma, 444.741 policiais foram agredidos e quase um terço ficou ferido (Oficiais da Lei Mortos e Assaltados (2018).
Os raros estudos nacionais sobre as causas de morte policial em ocorrência e qual instrumento letal utilizado são muito parecidos, mas não é igual dos EUA, pois temos um número muito maior de mortes políciais, com estatísticas assustadoras.
Os dados subsequentes expostos aqui, é necessário para uma breve compreensão da realidade e a dimensão que protocolos e táticas equivocadas que podem sim afetar negativamente esses dados.
Ciência Policial
Durante a instrução e treinamento de armas de fogo, os policiais geralmente disparam um tiro de cada vez em resposta a um sinal auditivo, enquanto em um ambiente controlado e relativamente relaxado.
Por outro lado, quando os policiais estão em uma situação crítica e de alto estresse com um suspeito ameaçador, eles são incentivados a disparar quantos tiros forem necessários, o mais rápido possível, e continuar até que a ameaça pare.
Esse tipo de tiro decorre de pesquisas e experiências anteriores no campo do policiamento, pois, muitas vezes, ao contrário do retrato comum em filmes, os suspeitos ameaçadores não são interrompidos com apenas um tiro disparado pelos policiais.
Isso é apoiado por pesquisas médicas, pois descobriu-se que 64% das vítimas de tiros com ferimentos no peito e no abdômen e 36% daqueles com ferimentos na cabeça e no pescoço podem sobreviver mais de cinco minutos, alguns até capazes de realizar atividades extenuante e continuar lutando fisicamente (Adams et al., 2009; Levy & Rao, 1988; Newgard, 1992; Spitz, Petty, & Fisher, 1961).
Essas inesperadas respostas médicas ocorreram no infame FBI Miami Shootout (1986), no qual dois suspeitos que foram baleados em locais críticos, incluindo a coluna, pulmão e cabeça, puderam continuar lutando, matando dois agentes do FBI e ferindo mais seis.
Tempo de Reação
O cenário estabelecido pela regra de 21 pés é essencialmente um experimento de tempo de reação. Em algum ponto durante uma interação com um policial, um suspeito decide atacar com uma faca. O policial, deve perceber que o ataque está acontecendo e reagir de acordo. Existem três tipos comuns de experimentos de tempo de reação mas não vou me aprofundar em todos aqui e nem suas pesquisas, vamos se ater somente no tempo de reação de escolha, mas não se preocupe, estará no meu livro um estudo mais aprofundado.
A situação de um suspeito contra um policial é um problema de tempo de reação de escolha para o policial. O policial deve detectar o estímulo (por exemplo, o suspeito atacando o policial) e então escolher uma resposta (por exemplo, atirar, mover, dar comandos). A pesquisa mostrou que o tempo de reação aumenta à medida que a complexidade da tarefa aumenta (Brebner & Welford, 1980; Luce, 1986). Os tempos de reação mais rápidos em estudos são os de tempo de reação simples (apenas um estímulo e uma resposta, por exemplo, pressione o botão quando a luz acender) e mais o lento em experimentos é o tempo de reação de escolha.
Foi descoberto apartir desses experimentos que o tempo médio de reação para os policiais puxarem o gatilho de uma arma em resposta a uma luz foi de 0,31 segundos. Três quartos desse tempo (0,23 segundos)foi ocupado com processamento e um quarto (0,08 segundos) com o movimento físico real removendo o dedo da posição de repouso e disparando.
De uma forma mais complexa cenário em que os policiais tiveram que processar informações de várias luzes em diferentes fileiras quando tomando a decisão de atirar, o tempo de reação quase dobrou para 0,56 segundos (Lewinski &Hudson, 2003b). Novamente, isso também foi consistente com a pesquisa geral de tempo de reação que indica essa complexidade diminui o tempo de reação (Brebner & Welford, 1980; Luce, 1986).
Estudos modernos
Em estudos mais recentes foi realizado os tempos de reação de policiais quando forçados a tomar uma decisão de força letal em um cenário dinâmico em vez de um ambiente de laboratório. Os suspeitos no estudo estavam armados com uma pistola apontada para o chão ou para suas próprias cabeças. o policial se viraria e enfrentaria o suspeito com sua arma em punho e emitiria os comandos necessários. O suspeito obedecia ou tentava atirar no policial.
O policial na tentativa de atirar contra o suspeito uma vez que ele reconheceu a intenção do suspeito em atirar no policial. Os suspeitos dispararam em 0,38 segundos, em média, enquanto os policiais dispararam em 0,39 segundos, em média. Assim, o processo de observar o movimento hostil de um suspeito, interpretar o movimento, decidir tomar ação letal, e agir de acordo com a decisão resultou no policial atirando depois do suspeito, embora o policial já estava com a arma apontada para o suspeito antes do movimento hostil.
Questões
Os Testes a seguir irão nos fornecer resultados de 4 questões:
(1) Quão rápido um suspeito pode correr 21 pés? (2) O policial é capaz de sacar e atirar antes que o suspeito possa completar os 21 pés? (3) Com que rapidez um policial pode sacar e disparar sua arma contra um suspeito armado com uma faca? (4) Existe algo que um oficial possa fazer para fornecer mais tempo de reação?
Fonte dos testes
Os estudos científicos aqui relatado foi feito por profissionais da área com formações acadêmicas. Esses estudos foram publicados pela ALERRT. O ALERRT Center da Texas State University foi criado em 2002 como uma parceria entre a Texas State University, o Departamento de Polícia de San Marcos, Texas e o Hays County, Texas Sheriff’s Office para atender à necessidade de treinamento de resposta de atirador ativo para socorristas. Em 2013, o ALERRT no estado do Texas foi nomeado o Padrão Nacional em Treinamento de Resposta ao Atirador Ativo pelo FBI.
Além de lições aprofundadas após a ação aprendidas por meio de parcerias com agências que estiveram envolvidas em situações de atiradores ativos, ocorrências com lâmina e Suicide By Cop, a ALERRT estabeleceu um departamento de pesquisa de justiça criminal para avaliar e aprimorar a compreensão geral dos eventos de atiradores ativos e ajudar a melhorar as melhores práticas de aplicação da lei.
Estudo 1
O primeiro estudo foi exatamente igual ao primeiro do Sgt Tuller, verificar quanto tempo leva uma pessoa a percorrer os 6,4m. Claro que houve alterações na metodologia para aplicar os testes, algo mais moderno, como também o número de participantes. No total 72 participantes sendo 54% mulheres.
- Resultados: houve uma média de 1,5s, variando poucas vezes, 1,24s e 1,82s.
- Discussão: Os resultados do Estudo 1 foram semelhantes a outros estudos que examinaram a velocidade de corrida acima de 21 pés (Force
- Centro de Pesquisa Científica, 2005a, 2005b; Martinelli, 2014, 2015; Tueller, 1983)
Estudo 2
O Estudo 2 foi projetado para abordar a questão 2: Com que rapidez um policial pode sacar e disparar sua arma?
O estudo 2 consistiu em policiais que frequentavam aulas em um treinamento de aplicação da lei e policiais de um departamento de polícia municipal localizado em uma cidade de médio porte no centro do Texas. A amostra incluiu funcionários locais, estaduais e federais de várias jurisdições em todo o EUA.
Um total de 152 oficiais participaram do estudo 2. A idade média foi de 39,02. O número médio de anos de a experiência foi de 13,21 e variou de ½ ano a 40 anos. A maior parte da amostra foi patrulheiros (55,9%). Apenas nove dos 152 policiais estavam no Special Weapons and Tactics (SWAT). Eles tinham uma média de 17,67 anos de experiência. Além disso, o nível de retenção do coldre do oficial individual foi relatado. Como este estudo envolveu o oficial sacando sua arma, o nível de retenção do coldre de cada oficial foi registrado.
Há três níveis de retenção com o nível um sendo o mais fácil de sacar uma arma e o nível três sendo o mais difícil. Os oficiais usaram um coldre de nível dois no estudo 56,6% das vezes.
Detalhes do Estudo 2
Este estudo foi projetado para testar a velocidade e precisão dos policiais em um ambiente estéril. Simplesmente, os policiais foram instruídos a sacar e disparar uma pistola Glock 17 T com 1 munição de Simunition (munição de tinta que são impulsionados por pólvora,) para uma resposta a um simples estímulo. O estímulo para este estudo foi o acendimento de uma lâmpada.
Os policiais só iriam sacar e atirar quando a luz da lâmpada acendesse, localizada em sua frente num quadro preto em uma silhueta branca, tudo foi filmado com uma câmera de rápida captação (30fps), a distância foi baseada dentro da regra de 21 Pés.
- Resultados: houve uma média de 1,80s para sacar e disparar um único tiro na silhueta, somente dois policiais tiveram problemas no saque. As velocidades variaram entre 1,03 a 3,4s. Dos 152 policiais, 14% não perceberam a silhueta.
- Discussão: O tempo médio dos policiais, sendo1,8s neste estudo, não foram o suficiente para cobrir o tempo médio do estudo anterior, em que os participantes conseguiram percorrer os 21 pés em 1,5s. Isso sem contar com os fatores estressantes, espaciais e imprevisíveis.
Estudo 3
O estudo 3 foi projetado para avaliar o desempenho do policial em sacar sua arma contra um suspeito real.
Neste estudo participaram 57 policiais de diversos departamentos estaduais e federais, com uma média de 12 anos de experiência.
Detalhes do Estudo 3
O estresse pode alterar as habilidades motoras finas de uma pessoa, o que pode afetar muito sua capacidade de realizar tarefas normais (Grossman & Christensen, 2007; Martaindale et al., 2017) e o estressor neste estudo foi um suspeito armado com uma faca de choque a 6 metros de distância. Uma faca de choque é uma ferramenta de treinamento projetada para se parecer com uma faca. Em vez de ter uma borda afiada, a eletricidade se curva ao redor a ponta da faca onde a lâmina estaria. A faca faz barulhos como um Taser quando ativado e fornece um choque desconfortável se tocado.
Os policiais participantes receberam uma pistola de treinamento que disparava projéteis de treinamento, sendo que a arma deveria estar coldreada para o início do exercício. Além disso, os policiais foram informados de que passariam por uma série de cenários que podem ou não envolver o uso da arma de treinamento. Isso foi feito assim para que os policiais não seriam preparados para sempre sacar e atirar.
Na realidade, cada policial completou apenas um cenário, e neste cenário, o atacante empunhando a faca de choque sempre atacou o policial. No início do cenário, o policial foi informado de que estava respondendo a um distúrbio fora de um bar e que o suspeito precisava ser interrogado. O policial foi colocado dentro de um quadrado marcado com fita adesiva no chão e instruído a ficar dentro desta caixa. O suspeito foi interpretado por um assistente usando uma máscara de proteção forçada, uma jaqueta folgada e luvas. A faca de choque estava escondida em um dos bolsos da jaqueta.
Descobrimos durante o teste piloto que os policiais costumavam tentar burlar o sistema mantendo as mãos perto dos coldres e seus corpos predisposto a ficarem tensos, para reagir. Desta forma, para lutar contra isso, o suspeito se envolveria em alguns minutos de conversa com o policial para permitir que ele se acostume ao cenário e se comporte mais normalmente.
Em algum momento durante a entrevista, o suspeito iria atacar o policial enquanto puxava o faca de choque do bolso. Não era o objetivo do assistente chegar ao oficial e fazer contato com a faca de choque. O suspeito iria atacar o policial direto até o último segundo quando ele se desviava para um lado do policial.
- Resultados: alguns policiais tiveram dificuldades de liberar a trava de retenção nível 1, a média do policial tocar na arma/coldre quando o suspeito se movimentou foi 0,32s. Levaram 0,68s para sacar suas armas. Uma vez a arma fora do coldre, os policiais tiveram uma média de 0,43s para apontar e atirar. Dos 50 policiais que sacaram suas armas, o tempo médio de reação para sacar e atirar foi 1,43 segundos, dos 50 policiais que atiraram, 38 (76%) acertaram o suspeito.
- Discussão: o estudo revelou que, o tempo de reação dos policiais foi ligeiramente rápido em relação a suspeitos que percorrem a distância em 1,5, mas nesses testes se mostrou diferente. 78% dos policiais conseguiram sacar suas armas, porém não conseguiram atirar antes que o agressor chegasse nele. 12% não conseguiram nem sequer sacar suas armas. Além disso, os policiais atingiram o suspeito em apenas cerca de 3/4 das corridas. A não ser que esses tiros atingiram o suspeito no sistema nervoso central, eles provavelmente seriam ineficazes em parar o suspeito de continuar a essa agressão. Lembre-se também de que esses cenários foram apenas moderadamente estressante. Os encontros da vida real seriam substancialmente mais estressantes e provavelmente resultará em taxas mais altas de falha ao disparar e erros. Em conjunto, esses resultados mostram claramente que 21 pés não é uma distância segura. Os cálculos sugerem que, para 95% dos policiais que sacaram e atiraram com sucesso, antes que o suspeito os alcançasse exigiria que o policial e o suspeito tivesse em uma distância de cerca de 10 metros.
Considerações Finais
Quais as principais considerações que podemos tirar com base nos resultados desta pesquisa.
12 metros “Zona Segura”
Primeiro, a ideia de que 21 pés é uma distância segura para um policial incapacitar um suspeito com uma faca, não parece ser suportada. Isto é uma verdade comprovada visto que os policiais tendem a ter um baixo aproveitamento nos disparos em alvos dinâmicos e que um tiro raramente interrompe o movimento para frente de um suspeito.
Conforme estudos do FBI, “Violent Encounters: A Study of Felonious Assaults on Our Nation’s Law Enforcement Officers.”) que é o terceiro de uma série de longas investigações sobre ataques fatais e não fatais analisadas a partir de um conjunto de mais de 800 incidentes, demonstra que:
- 40% dos policiais mortos em serviço não tiveram reciclagem ou prática de tiro durante três anos após terem efetuado o último disparo em treinamento. Muitos dos que tombaram em serviço eram atiradores precisos em alvos de papel no estande, mas praticavam treinamentos inadequados.
- 2. 60% dos casos de morte de policiais, estes se encontravam tão despreparados para a situação que morreram sem sequer retirar suas armas dos coldres e 40% morreram mesmo sacando suas armas. Dos policiais mortos, somente 27% conseguiram reagir atirando de volta e destes últimos, menos de 50% conseguiram atingir seus agressores e apenas 30% dos agressores atingidos foram neutralizados. Ou seja, do universo de policiais mortos, menos de 30% chegaram a disparar e apenas cerca de 10% conseguiram acertar seus agressores, sendo que no máximo 3% dos casos, os agressores foram neutralizados.
É importante lembrar que este estudo ocorreu em um ambiente de laboratório, o que deu aos policiais um cenário de melhor caso e o maior chance de sucesso. Não importa a significância dessa estatística, uma distância de 6 passos entre o policial e o suspeito não é uma distância prática quando se considera a segurança do policial. O termo ‘distância segura’ permitiu que a regra de 21 pés se tornasse um padrão equivocado no campo, colocando os policiais em Check Mate.
Diante dessas evidências pragmáticas e empíricas, a distância mais segura que um policial pode ficar contra um agressor com uma faca é 12 metros com a arma em punho. Alguns especialistas acreditam que 10 metros seria o suficiente, eu discordo, pois em 10 metros o policial está entre a “Zona Segura” e “Zona de Perigo” e o agressor pode percorrer facilmente em 2 segundos, e devemos levar em consideração aqui o tamanho da faca e o comprimento do braço do agressor, todavia mesmo o policial estando em uma distância do tamanho do braço somando a faca, ele pode ser acertado em razão do movimento do quadril e a inclinação do corpo do agressor para acertar-lo.
Há 12 metros o policial além de conseguir aplicar o princípio que chamo de D.E.C (Distância, Espaço e Controle) ele terá mais de 2s para responder com a arma em punho, solução de pane ou problemas com o armamento podem ser solucionados a tempo baseado na média, caso contrário o policial pode optar por só correr, o policial tem mais chances de buscar um obstáculo entre ele e o agressor, aumenta o tempo para uma reação, aumento de tempo para efetuar mais disparos e aumenta suas chances de sobrevivência.
Claro que devemos destacar os pontos relevantes citados pelo policial federal e Instrutor, Humberto Wedling no vídeo presente neste artigo.
Mobilidade
Os policiais geralmente praticam tiro de uma posição estática na linha de tiro, em alvos estacionários. Um estudo recente mostra que, o policial precisa atirar e se movimentar, aqueles que ficam paralisados ou estáticos, tem uma maior porcentagem dos agressores atingir o policial com a faca.
Embora este seja apenas um olhar superficial no efeito do movimento para a segurança dos policiais, isso implica que os policiais se movimentam primeiro, e depois saque sua arma. Pois fazer os dois enquanto um agressor te persegue deixa as coisas mais complexas para o seu cérebro e retarda sua velocidade.
Como se movimentar e para aonde, com certeza são resposta cruciais nesse cenário. Baseado em estudos, marcialidade e física, descobri que a movimentação orientada pelo quadril é a melhor opção, e as melhores direções são laterais e em linha reta, descartando totalmente as corridas instintivas de costas.
É sabido que correr de costas atirando não é eficiente porém totalmente desastroso, numa análise de 200 casos de vítimas com facas, 83% das que correram de costa caíram.
Em seis passos para trás, você cobre apenas aproximadamente 5 metros em 1,56 segundos. Em seis passos à frente, você pode cobrir aproximadamente 7,62 metros em 1,67 segundos. A pessoa média pode cobrir quase dois terços a mais de distância para a frente do que a pessoa média se movendo para trás no mesmo tempo alocado. Também é importante observar que esses tempos são mais lentos ao adicionar botas de serviço e equipamentos de serviço à equação. Além disso, se você revisar imagens de vídeo de alguém tentando recuar em resposta a uma ameaça, muitas vezes a pessoa se torna vítima da gravidade e acaba de bunda no chão.
Então, como os passos laterais são tão justos em comparação com o movimento para frente? Quase idêntico ao sexto passo. A pessoa média pode mover 7,62 metros em seis passos para a esquerda, em 1,64 segundos, e 7,62 metros em seis passos para a direita, em 1,65 segundos. Mover-se para a esquerda e para a direita em uma situação que se desdobra rapidamente é quase tão rápido quanto avançar. Isso também tira você do “X”, talvez permitindo que você saia do visual do agressor, pois os agressores também podem experimentar a visão de túnel.
Além disso, diminui o movimento do atacante em sua direção, pois força uma mudança de ângulo para readquirir você. E com o passo inicial lateralmente, você ainda está ao alcance para observar o que está acontecendo e decidir se deve reengajar fisicamente o atacante ou continuar se afastando.
Cicatriz
Os policiais provavelmente voltarão a qualquer treinamento que tiveram quando surge uma situação repentina e estressante. Ter policiais treinados apenas em uma posição estacionária significa que eles são mais propensos a permanecer estacionários ao serem perseguidos por um agressor. Isso é muitas vezes referido como uma “cicatriz de treinamento” nos círculos de treinamento da polícia. Uma cicatriz de treinamento ocorre quando algo feito no ambiente de treinamento (geralmente para fins de conveniência) faz com que o aluno tenha um desempenho ruim em situações da vida real.
A maioria dos treinamentos com armas de fogo é feito em uma faixa plana em distâncias conhecidas com pistas de tiro fixas porque este tipo de treinamento pode ser feito com segurança com muitos participantes na linha de treinamento ao mesmo tempo (ou seja, é conveniente). Fazendo os policiais se moverem para frente ou recuando, isso significa que muitos policiais podem ser treinados com segurança na mesma área no mesmo tempo. Embora os treinadores saibam que o ambiente de treinamento não corresponde ao ambiente de tiro, eles persistem no treinamento incompatível porque podem mais eficientemente mover os alunos através do treinamento.
Esta é também uma explicação para a baixa precisão da polícia em tiroteios reais. Embora os policiais possam ter treinamento extensivo, o treinamento não corresponde à tarefa de tiro do mundo real que enfrentam. Extensa pesquisa na área de esportes e treinamento descobriu que combinar o treinamento com a tarefa específica produz resultados muito melhores na prática real.
Cenários
Como afirmado anteriormente, o ambiente pode ditar a capacidade de um policial de se mover em relação ao agressor. Por isso, diferentes estratégias de movimento em diferentes espaços, além daqueles examinados neste estudo, poderiam ser pesquisados. Este estudo limitou o espaço utilizado a uma área plana e aberta com movimentos atribuídos. Lembrando que o agressor se movimenta entre o tempo e o espaço, e o policial nem sempre estará em uma melhor posição para responder a um ataque.
O combate é como a água, não tem forma definida. Fato!!!
Táticas contra Faca
Um treinamento indisponível praticamente dentro da grande maioria das instituições políciais, baseado em tópicos relevantes envolvendo o policial num embate físico contra alguém com uma faca. Esses cenários são extremamente dinâmicos e a distância muda em segundos, contudo o policial pode sim ser surpreendido por um suspeito em uma distância de abordagem rotineira,(70% dos ataques com faca começam em uma distância de um braço), e que o policial deve realizar técnicas e táticas para evitar ser esfaqueado e responder a agressão com eficiência.
Técnicas como por exemplo 2×1, Pegada Russa… para controle de membros, Arm Drag para desengajamento e aumentar a distância para aplicação de táticas disponíveis entre outras.
Só cuidado com treinamentos hipotéticos e midiáticos que buscam poluir com técnicas e táticas fantasiosas e as vezes suicidas. Um exemplo é sobre um vídeo de treinamento contra faca em que o policial se joga no chão para se defender contra alguém com uma faca. Esse tipo de tática é ineficiente, e vai contra o maior princípio que você deve manter contra alguém armado com uma faca, sua mobilidade.
Além de sacrificar sua mobilidade te deixando a mercê da sorte, pois sua arma pode não disparar, suas pernas podem ser esfaqueadas facilmente, sua visão periférica é prejudicada e deitado no chão o policial vira uma tartaruga de barriga pra cima literalmente.
Para finalizar
Esse é um estudo feito com muita cautela, dedicação e trabalho, são praticamente 3 anos de pesquisas, leituras e testes conclusivos durante treinamentos e cursos ao redor do país que fará parte do projeto do meu livro que será lançado em 2023.
O artigo foi publicado para auxiliar e orientar instrutores e policiais no seus treinamentos e cursos. Como também trazer um embasamento científico sobre o tema, podendo assim ser usado em processos judiciais.
Quero deixar claro que o policial não pode simplesmente atirar em alguém porque estava a tal distância, sabemos das circunstâncias de cada ocorrência e suas mutações. O policial tem que empregar os recursos necessários para cada tipo de situação conforme o grau de risco.
Enquanto a distância entre um policial e um suspeito é uma consideração importante em situações de uso de força, é apenas um fator. Uso da força policial é muitas vezes muito mais matizado do que isso. Os encontros de uso de força letal são dinâmicos e cada um apresenta diferentes fatores situacionais que devem ser considerados (por exemplo, idade do sujeito, capacidades, posição, comportamento, etc.).
Deixo aqui as palavras do Professor Dr.William Sandel, Assistente de Criminologia e Justiça Criminal no Estado de Missouri e Especialista em Pesquisa no Centro ALERRT que foi um dos idealizadores dos testes, que contribuiu indiretamente para conclusão desse artigo:
“Esperamos que nosso trabalho dissipe a crença de que 21 pés não é “seguro” e incentive os policiais a avaliar situações com mais precisão. Os policiais devem saber que, à medida que se aproximam de um suspeito, estão abrindo mão da vantagem do tempo de reação que a distância pode criar. Esperamos também que este conhecimento ajude os policiais e treinadores a desenvolver mais técnicas e táticas que os policiais podem usar quando estiverem perto suspeitos, a fim de aumentar a segurança do policial e do suspeito.”
A dúvida é o princípio da sabedoria.