Em um mundo extremamente competitivo onde as pessoas buscam desesperadamente e a todo custo, acumular bens materiais, ter o corpo perfeito, ostentar status e poder, vemos cada vez mais pessoas narcisistas, fúteis e insaciáveis.
Como o mundo do tiro é só mais uma entre tantas tribos nesse mundo pós-moderno, também seremos capazes de identificar esse comportamento em nosso meio, pois ele é só um sintoma de uma doença bem maior.
Eu não quero ser hipócrita nesse texto, pois todos sabem que HOJE eu tenho o privilégio de desfrutar de equipamentos de primeira linha para o meu esporte. Mas eu vejo isso como um reflexo e um reconhecimento do trabalho que eu desenvolvi por mais de uma década. E, na humilde autoridade de um estudioso dedicado ao universo do tiro, eu pretendo demonstrar aqui que, antes de TER, é fundamental priorizar a busca pelo SER.
Armas, equipamentos táticos e toda a tecnologia desenvolvida pela indústria nesse nosso ramo é algo incrivelmente fascinante. Não dá para não contemplar cada lançamento, cada nova ideia e cada evolução trazida pelo mercado. O marketing nesse setor é extremamente apelativo e – convenhamos – essa contemplação faz parte da graça de ser um atirador.
Ninguém deve se desligar disso e nem deixar de desejar a realização das nossas conquistas. Além disso, armas e equipamentos, em geral são patrimônios, ou seja, não perdem valor. No entanto, muito me preocupa quando a pessoa que entra no mundo do tiro cai em duas armadilhas perigosas:
A primeira é o consumismo desregrado, que não acontece só no tiro. Algumas pessoas em crise de ansiedade podem desenvolver uma espécie de “síndrome de acumulador compulsivo” e passam a dedicar parte de seu tempo em busca de novas coisas para comprar, buscando, assim, preencher algum tipo de vazio interior. Mas isso é tema para se tratar nos divãs. Eu não sou psicólogo, mas sou instrutor de tiro. Então a segunda armadilha é a que mais me preocupa:
A depender do clube que você frequenta ou do conteúdo que você assiste, talvez você já tenha se deparado com os famosos “aristocratas do tiro”. Esta é uma espécie de atirador que vê o clube como uma espécie de sociedade secreta onde apenas os mais iluminados deveriam frequentar. É aquele camarada que possui um desarmamentismo enraizado e acha que se o tiro se popularizar, o país viraria um “bang-bang” e, por causa disso, o tiro seria proibido. Esses, como muitos outros desarmamentistas, gostam de armas somente nas mãos deles próprios.
Além do “aristocrata do tiro”, há também o chamado “playboy do tiro”. É aquele camarada mais abastado, influenciado pela cultura da ostentação, que gosta de exibir bens materiais nas redes sociais para demonstrar status e poder. Quando esse cara encontra um clube de tiro, ele leva esse comportamento com ele.
E, muitas vezes, por influência desses dois perfis, o iniciante pode acreditar que se ele não comprar uma arma importada de R$ 15.000,00, gastar mais R$ 5.000,00 em peças e customizações, ele nunca vai atirar bem. E se não tiver um coldre de 800 reais e um cinto de R$ 2.000,00, jamais vai conseguir praticar o esporte.
E isso força muitos iniciantes a empreender esforços sobre-humanos e se comprometer financeiramente por longos períodos para conseguir entrar nesse mundo. E aí é que mora a armadilha: Ele vai comprar tudo isso, não vai acertar o alvo e vai perceber que algo está errado. Ele gastou tudo o que tinha e agora não tem dinheiro para treinamento.
Por mais tecnologia que a indústria crie, por mais atributos que as armas ou equipamentos tenham, os fundamentos do tiro continuam os mesmos. E para desenvolver esses fundamentos, é necessário “colocar tiro no curriculum”. No caso do tiro é ainda pior pois, diferente de andar de bicicleta – que uma vez que se aprende, a gente nunca esquece – atirar é uma habilidade que decai com o tempo, se não houver uma prática habitual.
Equipamentos caros não são caros por serem mágicos ou por fazerem o trabalho por você. Eles são caros pelos impostos, pela lei da oferta x demanda, pelo controle de qualidade, pelo valor da marca, etc.
Em alguns aspectos, o equipamento pode até favorecer aquele atirador que já opera em alta performance, ajudando ele a galgar os próximos degraus na sua evolução como atirador. Mas, para um iniciante, os desafios na aprendizagem com uma arma de R$ 20.000,00 serão os mesmos se ele começar com uma arma de R$ 6.000,00.
É um grande erro achar que uma arma melhor vai corrigir os erros de um atirador. Não vai! Então se você não está alcançando um bom resultado no estande, você precisa investir em treinamento e não em um equipamento novo. Encontre um bom instrutor que saiba te ensinar a treinar com método, com monitoramento de evolução, estabelecimento de metas e, quando o equipamento começar a limitar a sua performance, aí sim é hora de trocá-lo.
Uma arma de primeira linha é como um carro de corrida. Você “pisa”, ela responde! Você força a barra, e ela não quebra. Você coloca em condições adversas e ela continua “em sintonia com o piloto”. Mas sem um bom piloto, um carro completa a corrida sozinho.
É claro que existem armas terrivelmente mal feitas, que vão falhar e limitar o atirador, mas, felizmente o cenário brasileiro vem mudando e, hoje, temos opções de boas armas no mercado nacional. Então é fundamental pesquisar. planejar e reservar parte do seu orçamento para investir em munição e treinamento.
E lembre-se, busque o seu desenvolvimento pessoal! Bens materiais podem ser perdidos, roubados, confiscados, leiloados, etc. Mas as nossas habilidades, essas sim são investimentos perenes, para a vida toda!
SER é melhor do que TER.