De acordo com registros históricos (arqueológicos e antropológicos), pode afirmar-se que o RASTREAMENTO é uma técnica milenar, que surgiu nos primórdios da humanidade. Sendo utilizada especialmente para obtenção de alimentos, por meio da caça. Pois ainda não se possuía o conhecimento para cultivar alimentos, em atividades de agricultura. Ou para a criação de animais domésticos, que pudessem suprir essas necessidades nutricionais de subsistência.
De acordo com pesquisadores, somente há cerca de 10 ou 15 mil anos, os povos primitivos começaram a domesticar animais, e a dominar técnicas de agricultura.
Isto teria ocorrido na fase da “Revolução Neolítica” (ou “revolução agrícola”). Denominação de autoria de Gordon Childe, pesquisador e arqueólogo australiano. Para quem, esta etapa viabilizou a transição dos hábitos nômades (Período Paleolítico) do Homo Sapiens para a sedentarização. Implicando na permanência dos povos em locais fixos, e diminuindo consideravelmente a necessidade de deslocamentos transitórios das tribos antigas.
Ou seja, no início, os grupos primitivos dependiam basicamente de três maneiras para se alimentar:
- Colheita de alimentos vegetais (coletores): mas isso dependia de encontrar estes alimentos, que eram escassos, e precisavam ser primeiro identificados (por tentativa e erro) para saber se poderiam ser ingeridos.
- Carniças: aproveitando os restos de animais abatidos por predadores, mas dependia da oportunidade de encontrar estas carcaças, e por isso não atendia as necessidades de grupos maiores.
- Caça: abatendo animais por meios próprios, tarefa que não era fácil, pois não tinham artefatos de caça adequados, e os animais tendem a se afastar da presença humana.
Em razão destes fatores, foi necessário, ainda que instintivamente, desenvolver meios de localizar os animais que se afastavam da presença de humanos, para que pudessem ser abatidos. Dando origem, ainda que na sua forma rudimentar, ao RASTREAMENTO.
Tarefa que também não era simples, pois os animais estão sempre alertas contra predadores. E, ainda não havia sido desenvolvida tecnologia de armas eficazes que pudessem ser utilizadas para a caça.
Pesquisas apontam que o arco e flecha, por exemplo, somente teria sido inventado recentemente, já na época do Homo sapiens. A evidência mais recente de vestígios daquilo que teria sido um arco flecha, foi encontrada na África do Sul, datando de aproximadamente 71.000 atrás.
Equivale a afirmar que, como não se dispunha de artefatos eficazes para a caça, os povos primitivos precisavam chegar bastante próximos das presas. Para então conseguir abater o animal. O que somente seria possível – é uma dedução razoável de se aceitar – por meio do rastreamento.
Pelos registros históricos disponíveis, apesar de o RASTREAMENTO ter sido desenvolvido pelos povos primitivos, e nativos, que os sucederam no tempo, veio a ser incorporado ao conhecimento dos povos considerados “civilizados”. Isso teria acontecido, quando os exploradores, e colonizadores, tiveram contato com estas tribos originárias, que habitavam terras até então desconhecidas. Quando as nações consideradas mais avançados, iniciaram o que ficou conhecido como a era das grandes navegações, e dos descobrimentos.
Ao longo da História, as técnicas de rastreamento alcançaram tanta importância, que foram inclusive empregadas em conflitos armados, com a finalidade de rastrear, localizar, e neutralizar inimigos.
No passado relativamente recente norte-americano, há registros de que o Exército dos Estados Unidos da América, criou uma unidade especial (United StatesScouts) composta por índios nativos (Apache Scouts). Para rastrear índios rebeldes durante a fase de colonização do país recém-criado (Século XVI – idos de 1700).
United StatesScouts
Assim como estes indígenas também foram empregados para o rastreamento de inimigos, durante a Guerra Civil de Secessão norte-americana (1861 a 1865).
Outro marco importantíssimo para o rastreamento, ocorreu nas décadas de 1960 e 1970, no país africano então conhecido como Rhodesia (hoje Zimbabwe). Quando foi desenvolvido um sistema de rastreamento para enfrentar a guerrilha decorrente de conflitos regionais. Allan Savory, foi um dos idealizadores daquilo que ficou mundialmente conhecido como o método de rastreamento da Rhodesia.
Estas técnicas de rastreamento passaram a ser utilizadas pelas unidades SELOUS SCOUT, do Exército da Rodhesia. Que recebeu este nome em homenagem ao explorador, caçador e conservacionista britânico Frederick Courteney Selous, respeitado por suas explorações na região do sul da África.
Integrante da unidade SELOUS SCOUT realizando o rastreamento
No Brasil, o rastreamento também foi amplamente utilizado, por exemplo, na chamada época do CANGAÇO. Logo após o final da Primeira Guerra Mundial (nos idos de 1918), o governo brasileiro teve que enfrentar o problema do Cangaço no Nordeste. Bandos integrados aproximadamente por 30 a 40 pessoas, aterrorizavam as vilas e povoados das pequenas cidades do interior nordestino. Dentre estes bandos se destacou o de Virgulino Ferreira da Silva (conhecido como Lampião).
Lampião e seu bando de cangaceiros
Para capturar estes cangaceiros, as polícias dos estados nordestinos criaram as VOLANTES. Grupamentos compostos por cerca de 50 policiais, que perseguiam estes bandos, utilizando várias estratégias e técnicas. Dentre elas, a de rastreamento.
VOLANTE liderada pelo Tenente PM de Alagoas João Bezerra da Silva
Nos dias de hoje, o rastreamento volta a ter grande importância para a repressão daquilo que vem sendo chamado de NOVO CANGAÇO e DOMÍNIO DE CIDADE. Que tem como característica mais marcante, o furto ou roubo praticado a bancos (inclusive com o emprego de explosivos), ou carros de transporte de valores, por bandos bem treinados e organizados. E que usam os reféns como escudos humanos, para conseguirem fugir do local, ou bloqueiam os acessos principais de cidades para a realização destas práticas criminosas. Nesta hipótese, o rastreamento é utilizado se os criminosos fugirem para a região de mata ou floresta. Que pode ocorrer mesmo em áreas urbanas, nas quais existam áreas com densa vegetação.
Na Operação ARCANJO, realizada no Rio de Janeiro/RJ, para ocupação e pacificação dos Complexos do Alemão e da Penha (2010-2012), por exemplo, as técnicas de rastreamento também foram utilizadas para diversas finalidades, conforme relatou o Coronel Fernando Montenegro.
Como para identificar locais de execução de pessoas, popularmente conhecidos como “forno micro-ondas.”
Vestígios de um “forno micro-ondas” no alto da Serra da Misericórdia, Complexo do Alemão, onde incineravam pessoas (imagens Cel Fernando Montenegro)
O RASTREAMENTO vem sendo fundamental também, no combate ao abate ilegal de animais, que vem ocorrendo em alguns países africanos. Elefantes e rinocerontes, são os alvos prediletos dos caçadores, que matam estes animais apenas para depois venderem seus chifres e dentes, para serem usados como enfeites, joias, ou por suas supostas propriedades medicinais.
As unidades de patrulha (Anti-Poaching) de proteção de parques nacionais como o Kruger National Park, localizado na África do Sul, são treinadas para rastrear e prender estes caçadores. Evitando o morticínio inútil destes animais, que correm até mesmo risco de extinção.
Como se verifica, a aplicação das técnicas de RASTREAMENTO vem sendo de fundamental importância para as mais variadas finalidades.
Por mais que sejam derivadas de conhecimentos ancestrais, continuam tendo grande relevância na atualidade.
Nos próximos textos, serão abordados outros conceitos e técnicas de rastreamento. De maneira a alertar para a importância do aprendizado destas técnicas, com a finalidade de melhor preparar os Operadores da Lei a sobrepujar os desafios que podem encontrar nos mais variados teatros de operações.
Sérgio Netto
Autor dos seguintes livros:
1) Manual de Rastreamento Humano em Operações de Busca e Salvamento
2) A influência do comportamento da vítima nas operações de busca e salvamento
3) MANUAL DE RASTREAMENTO DE COMBATE: A Vantagem Humana
4) Origens da Ciência-Arte do Rastreamento
5) Busca e Salvamento Terrestre
6) Rastreamento humano + Rastreamento com o cão: Doutrina de Atuação conjunta
7) Uso das Técnicas de RASTREAMENTO como meio de prova em investigações e processos Judiciais
8) Técnicas de RASTREAMENTO – Evoluindo para o Próximo Nível
Para mais informações sobre rastreamento:
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