De forma cíclica e um tanto previsível, de tempos em tempos o mercado mundial de armas de fogo e munições é sacudido por um “frenezi” relativo a algum lançamento, quase sempre adjetivado como “revolucionário”, “ground breaking” ou super inovador, capaz de resolver todos os problemas de seus antecessores.
Quase sempre feitos por uma marca norte-americana nas grandes feiras do setor, como o Shot Show e a IWA, esses eventos são cercados de muita atenção da mídia especializada e causam uma onda de euforia nos consumidores, com a consequente corrida às lojas do ramo, para a alegria da indústria responsável.
Conforme enquete feita no meu perfil do instagram, @jcunhaneto12, percebi que várias pessoas estão curiosas para saber mais sobre o recente lançamento do calibre .30 Super Carry, criado pela Federal Ammunition. Como esperado, a Federal afirma no vídeo promocional, sem qualquer pudor ou bom senso, que a nova munição é “o maior avanço da defesa pessoal em 100 anos” e que ele “redefine o que é proteção”. Nota-se ainda no vídeo que o alvo escolhido para demonstrar a maravilha do novo calibe é…. um repolho (https://www.youtube.com/watch?v=fGHxrE9HXBs).
Primeiramente, vamos analisar seus dados balísticos disponíveis, segundo dados do próprio fabricante. O novo calibre usa um projétil de .312″ (7,92 mm), com massa na casa de 100 gr, lançado a 1250 FPS, com uma energia na boca do cano de 347 ft-lbs, aproximadamente 470 J (dado para fins ilustrativos, lembrando da lição do Prof. João Bosco, f%&*@-se a energia!).
Percebe-se que o novo calibre, em termos de massa, velocidade e energia, surgiu para suprir a lacuna entre o .380 ACP e o 9 x 19 mm, sendo até apelidado pelo TFBTV de “.380 ACP Magnum”. Contudo, a pergunta persiste: esse espaço até então em branco demandava de fato que algum calibre novo o ocupasse? Vejamos!
Do lado positivo, o .30 Super Carry apresenta maior capacidade de munição em comparação ao 9 x 19 mm, na casa de 2 cartuchos a mais no caso de carregadores bifilares. Além disso, apresenta menor recuo do que seu antagonista principal, permitindo, em tese, uma recuperação de visada mais rápida e uma melhor cadência dos disparos.
Seu desempenho balístico, segundo dados são do próprio fabricante, está dentro dos parâmetros do FBI quanto à penetração e expansão em disparos contra gelatina balística. No ensaio com barreira de tecido pesado, o .30 Super Carry com projétil HST teria atingido a marca de 15,5″ de penetração e expansão de 50%, um bom desempenho terminal.
Contudo, na comparaçao com o 9 x 19 mm não vislumbro vantagens significativas para o .30 Super Carry. Em primeiro lugar, seu projétil é praticamente 0,05″ menor do que o calibre alemão na boca do cano. Ora, o que inicia menor tende a terminar menor, ainda que haja expansão relevante, causando ao final uma cavidade permanente menos significativa.
A título de exemplo, emprestando os dados do Lucky Gunner Lab, no ensaio com barreira de tecido pesado o HST Micro em 9 x 19 mm, pesando 50% a mais (150 gr), penetrou em média 17″ de gelatina balística e ainda expandiu 100%, atingindo impressionantes 18 mm de diâmetro final. O .30 Super Carry pode até ser razoável no desempenho terminal, muito melhor que o .380 ACP, mas perde de lavada para o 9 x 19 mm, se empregada munição de alta qualidade.
Temos também a questão do preço: nos EUA o .30 Super Carry custa aproxidamente 30% mais do que o 9 x 19 mm e ainda há poucas opções de fabricantes disponíveis, com baixa variação das massas dos projéteis. Ainda que já estejam no mercado marcas como Federal, Speer e Blazer, a oferta de 9 x 19 mm é bastante superior, por valores mais baixos. Ressalte-se também que a oferta de armas nesse calibre ainda é diminuta. Nesse momento há plataformas 1911 da NightHawk e Smith & Wesson Shield, dentre algumas outras.
Em suma, o .30 Super Carry resolve um problema que ele mesmo criou, tal qual o .45 GAP. Se me perguntarem se eu portaria o .30 Super Carry, a resposta será: somente se tiver que escolher entre ele e uma arma em .380 ACP. Reforço, a comparação entre o 9 x 19 mm e o .30 Super Carry é bastante diferente daquela existente entre o .40 S&W e o 9 x 19 mm, que de fato apresenta diferenças bastante relevantes e inclusive justificam os problemas logísticos para troca de armamento de instituições inteiras.
Não custa lembrar que a fabricante nacional não produz esse calibre e não há qualquer estimativa de quanto uma caixa de munição custará aqui em terra brasilis.
Não se iluda, caro leitor do Infoarmas. O 9 x 19 mm completa 120 anos de existência em 2022 e não é por acaso. Esteve presente em todas as guerras mundiais e virtualmente em todos os conflitos desde o começo do século XX, sendo o padrão da OTAN e do Exército Brasileiro há décadas. Não vejo como plausível que algum órgão de segurança pública do Brasil troque o 9 x 19 mm, ou mesmo o .40 S&W, pelo “excelente” .30 Super Carry.
Na minha humilde opinião, o .30 Super Carry não passa de uma modinha “marketeira”, que dará muito dinheiro à indústria de munições, sem trazer nada de novo que seja realmente relevante. É praticamente certo que você nunca tenha ouvido falar do .41 AE ou do 6,8 mm SPC, que já tiveram seu momento de glória e hoje vivem no ostracismo.
Para finalizar, vale citar que da última vez que a indústria tentou uma “revolução” para “suprir a lacuna” entre dois calibres já consagrados, o resultado foi o hoje desprezado .40 S&W. O resto é história.
Um abraço e até a próxima!