O ataque ocorrido em uma escola na cidade americana de Nashville, Tennessee, teria sido o 131º tiroteio em massa naquele país, neste ano. Essa foi a informação reportada em matéria do G1 e pela BBC News há poucos dias atrás. O número assusta. E não é para menos. Nesta mesma semana tivemos um trágico ataque em uma escola de São Paulo, onde uma professora faleceu e outras pessoas ficaram feridas.
É evidente que qualquer tragédia merece reprovação e, sobretudo, prevenção. Não podemos ficar imparciais à eventos lamentáveis como estes. Porém, em tempos onde a informação é sempre disponível, buscar a verdade é muitas vezes uma obrigação. Então, vamos tentar destrinchar o que de fato parece estar ocorrendo. E, mais ainda, qual o papel que concerne a mídia neste tipo de evento.
Quando vemos dados, a primeira informação necessária é a fonte. A segunda, a metodologia. E, depois, o contexto da divulgação. Os dados apresentados são provenientes da Gun Violence Archive, segundo a própria matéria. O site deles coleta e divulga dados de violência com armas desde 2013. Ainda no site pode-se encontrar a metodologia utilizada. Informam que seus métodos estatísticos definem mass shooting (tiroteios em massa) baseados APENAS em um valor numérico de 4 ou mais pessoas atingidas ou mortas, não incluso o atirador.
E eles estão errados?
Não! De forma alguma! É bastante provável que, utilizando o conceito e metodologia sugerida, estes números estejam corretos – ou bem próximos disso. Porém, o tinhoso, como todos sabem, reside nas minúcias. O detalhe talvez esteja no contexto. É que, embora a definição e os números possam estar corretos, eles provavelmente não dizem o que você, leitor, pensa que é. Vou esclarecer.
Tiroteio em massa, como foi definido, pode incluir casos de crimes comuns, confrontos entre gangues/facções, latrocínios, e outros crimes. De outra feita, podem deixar de fora eventos em que um agressor atira contra pessoas indiscriminadamente em um shopping, por exemplo, mas que faz apenas três vítimas. Certo? Ou seja, a definição de Tiroteio em massa é diferente do conceito – que se aplica aos casos recentes de Nashville e São Paulo – de Agressor Ativo.
Então, embora o que informem seja – provavelmente – verdade, o contexto aplicado pode induzir à uma compreensão equivocada.
O efeito de contágio
Como os dados podem não retratar o que se espera deles, uma solução é utilizar outra fonte de dados fidedigna e que utiliza uma metodologia adequada: o FBI.
Os dados no relatório do FBI indicam que houve 333 eventos de Agressores Ativos (active shooter) nos EUA entre os anos de 2000 e 2019. Sim, 333 em 20 anos. No ano de 2021, relatório mais atual disponível, 61 casos. São muitos, mas muito menos que o indicado pela fonte da reportagem. Para a GVA, ocorreram 690 eventos de tiroteios em massa apenas em 2021. Mais que o dobro do reportado pelo FBI em 20 anos para agressores ativos!
Mas o papel da mídia não parece se encerrar na correta divulgação do conceito e das quantidades. Há outro aspecto mais relevante: o possível Efeito Contágio.
Supõe-se que a ampla divulgação destes eventos acaba por estimular novos episódios. E há razões para isso. Uma é que muitos agressores buscam notoriedade e, quando a mídia divulga excessivamente, ela acaba por fornecer o que queriam. Depois, há dois fenômenos semelhantes que amparam este raciocínio. Um, o Efeito Copycat, que é a mimetização que um crime pode causar em diversos outros, como ocorre com assassinos seriais. Outro, o Efeito Werther, que indica que casos de suicídio influenciam outros. Como agressores ativos são muitas vezes também suicidas, isso pode se aplicar.
Outra forma de tentar identificar o fenômeno é empiricamente. O gráfico abaixo utiliza dados do FBI, coletados e organizados pela USAFacts. Filtrei os do tipo “educacional”, ou seja, em escolas. E limitei a partir de 2010 para facilitar a visualização. O tamanho dos círculos corresponde à quantidade de vítimas.
É observável que os eventos acontecem, várias vezes, em blocos, grupos. Isso sugere que há um efeito contágio, com um evento estimulando o outro. E a divulgação, se isso é verdade, pode contribuir com este fenômeno.
E tem mais. Utilizando os menos dados, filtrei novamente os do tipo educacional, mas sem limitar os anos. Então, verifiquei, para cada evento, quantos dias antes ocorreu um outro episódio. Por fim, organizei em grupos. Assim, temos que 14% dos eventos foram precedidos de outro em menos de 7 dias. Se considerarmos até 15 dias antes, temos 21,1%. E assim por diante.
Embora não seja incontroverso, o Efeito Contágio é uma hipótese bastante razoável. Tanto o é que nos EUA, onde estes eventos são comuns, há campanhas para a restrição da publicitação, principalmente a divulgação de nomes e rostos. Campanhas como Don’t Name Them e No Notoriety buscam propagar esta ideia e evitar novos episódios.
Portanto, a mídia tem diversas funções essenciais na sociedade, principalmente quando diante de grandes tragédias. Neste caso, é fundamental que ela informe corretamente, evitando levar a enganos. Mas, muito mais importante, é adotar uma postura que evite novos eventos. Mesmo não sendo um efeito aceito por todos, se for possível evitar ao menos um caso, já terá sido um enorme feito. Muitos pais certamente agradeceriam. Eternamente.
Para mais informações, consulte meu livro Atrás das Linhas Aliadas. Nele detalho o conceito de Agressor Ativo, trato de casos nacionais e do Efeito Contágio, por exemplo.