Vou dedicar esse artigo ao calibre mais popular de todos os tempos, o 38 Special. Para compreendermos sua origem, precisamos voltar alguns anos do seu surgimento. O diâmetro do projétil (.36”) surgiu juntamente com o revólver, em 1836, com o projeto do Colt Paterson, primeiro revólver comercial da história.
Durante as décadas subsequentes, armas e cartuchos sofreram um processo de evolução: adotou-se o estojo metálico, o sistema de percussão por pino (Lefaucheux), o fogo circular, o fogo central… até chegarmos em 1875, com a criação do cartucho 38 Long Colt.
Depois de quatro décadas, uma coisa permaneceu, o diâmetro do projétil (.36”). O 38 Long Colt, poucos anos após sua criação, já equipava as Forças Armadas norte-americanas, juntamente com o revólver Colt M1892, primeiro revólver comercial de dupla ação. A Guerra Hispano-Americana, ocorrida em 1898, foi o palco de estreia do conjunto citado.
No entanto, as batalhas mostraram que o 38 Long Colt tinha dificuldade em incapacitar os oponentes. Dos esforços em aperfeiçoar o calibre, surgiu um novo calibre; a Smith & Wesson projetou um cartucho com projétil de mesmo diâmetro (aproximadamente 0,36”), porém, com o peso aumentado de 150 grains para 158 grains. A carga de pólvora negra foi redimensionada, passando de 18 para 21,5 grains, sendo acomodada num estojo um pouco mais comprido. Essas mudanças já foram suficientes para alcançar significativos acréscimos de desempenho. Esse novo calibre foi batizado de: .38 Smith & Wesson Special, ou simplesmente, 38 Special.
Popularmente conhecido, no Brasil, como “três oitão”, permanece vivo, mesmo após esses mais de cem anos de história. Dos anos 20 aos anos 80, foi o calibre padrão das polícias dos EUA; no Brasil, ainda é utilizado por algumas polícias e por agentes de segurança privada. É considerado um dos calibres mais equilibrados já criados e, também, um dos mais precisos. Características que contribuíram para que se tornasse o calibre mais utilizado, em revólveres, no mundo. Esse sucesso lhe garantiu uma variedade impressionante de cargas, projéteis e cartuchos.
Em síntese, o 38 Special surgiu como aperfeiçoamento do 38 Long Colt, com estojo ligeiramente mais longo (29,3 mm), projétil ogival de chumbo pesando 158 grains, carregado com 21,5 grains de pólvora negra. O sucesso da receita foi tamanho que, um ano após seu lançamento no mercado, já estava sendo oferecido carregado com pólvora sem fumaça. Esse conjunto permanece até os dias de hoje, o cartucho padrão, do calibre 38 SPL, continua utilizando projétil de chumbo ogival, com 158 grains. No entanto, nesse mais de um século de história, surgiram diversas variantes desse cartucho. Essas variantes representam um curioso meio para ilustrar a evolução do calibre, portanto, irei destacar algumas variações que fizeram história.
38 Ball M41
Durante a primeira metade do século passado, prevaleceram os projéteis com 158 grains. Mas, em 1956, a Força Aérea dos EUA adotou, para parte de suas tropas, um cartucho carregado com projétil de 130 grains, envolto numa jaqueta de cobre, com velocidade inicial de 725 pés/s. Essa munição ficou conhecida como .38 Ball M41. A carga anêmica tinha por objetivo poupar os revólveres usados por essas unidades (Colt Aircrewman e S&W M12), pois eram feitos (armação e tambor) de alumínio.
Já o projétil jaquetado, objetivava conformidade com as Convenções Internacionais (Haia, Genebra…) que proíbem o uso de projéteis que se expandam ou se deformem, causando sofrimento desnecessário. Em 1961, o M41 foi revisado, o projétil de 130 grains, jaquetado, passou a desenvolver velocidade inicial de 950 pés/s, aproveitando o limite de 16.000 psi, estipulado ao cartucho à época. Essa nova versão passou a ser utilizada, também, por unidades do exército norte-americano
38 Special: “FBI Load”
O 38 Ball M41 foi uma versão destinada ao uso militar. Agora, vamos falar sobre a variação, destinada ao uso policial, que ficou conhecida como “FBI Load”. A partir de meados do século passado, o tradicional projétil de chumbo ogival (CHOG), com 158 grains, passou a ser questionado quanto ao seu poder de incapacitação. Tais questionamentos ganharam força em razão de situações reais de confronto armado, ocorridos nos anos 60 e 70, envolvendo forças policiais dos EUA.
Nesse período, começaram a surgir as cargas +P, uma delas, introduzida pelo FBI, em 1972, tornou-se famosa. Esse novo cartucho adotou limites de pressão, determinados pela SAAMI para as cargas “+P”, manteve o projétil de chumbo, com 158 grains, porém, no formato semi canto vivo, com ponta oca.
Naquela época, a nova receita surpreendeu e agradou pelos resultados, sendo adotada, posteriormente, por outros tantos departamentos de polícia. O cartucho “FBI Load”, em revólveres com 4” de cano, acelerava o projétil EXPANSIVO a 900 pés/s, auferindo penetração, com expansão do diâmetro, em gelatina balística, entre 13” e 15”. Problemas na expansão, quando utilizado em revólveres com 2” de cano, fizeram com que a indústria continuasse com suas pesquisas.
Apesar do sucesso da munição “FBI Load”, o Serviço Secreto, por utilizar revólveres “snub”, continuou demandando munição mais eficaz nesse tipo de armamento. O cartucho que supriu essa demanda foi batizado de “Treasury Load”. Já o “FBI Load” foi substituído, nos anos 80, pelo cartucho Federal Hydra-Shok, 147gr +P+.
38 Special: “Treasury Load”
Apesar das melhoras de performance fornecidas ao calibre pelo “FBI Load”, ainda existia uma lacuna: as agências de aplicação da lei, dos EUA, demandavam um cartucho cujo projétil tivesse capacidade de expansão, mesmo quando disparado de um revólver com apenas 2” de cano.
Em meados da década de 60, a empresa SuperVel já investia numa munição com projétil mais leve, cujo significativo incremento na velocidade inicial do projétil garantiria sua expansão.
Esse cartucho utilizava projétil de 110 grains, semi jaquetado, ponta oca, com velocidade inicial média de 1.100 pés/s. A nova variante foi adotada pelo Serviço Secreto dos EUA, agência que, em razão da natureza do trabalho, operava com revólveres 2”.
Naquela época, o Serviço Secreto pertencia ao Departamento do Tesouro, motivo pelo qual o novo cartucho foi batizado de “Treasury Load” (Munição do Tesouro). A SuperVel, por problemas internos, passou a ter dificuldades em cumprir suas obrigações contratuais. Foi então que o Serviço Secreto contratou a Winchester para fornecer a munição.
Para atingir a velocidade almejada, necessária à expansão do projétil, as cargas do cartucho “Treasury Load” excediam os limites de pressão estipulados pelo SAAMI. Por esse motivo, a Winchester adicionou a letra “Q” ao código do cartucho. Essa marcação tinha por objetivo diferenciar a carga, que, num primeiro momento, destinava-se apenas aos órgãos de segurança pública.
Assim, surgiram os cartuchos +P+, à revelia dos padrões de segurança admitidos pelas normas técnicas. A primeira versão foi codificada como “Q4070”; em armas de 4”, acelerava o projétil de 110 grains a 1.150 pés/s, nas de 2”, atingia 1.050 pés/s. O cartucho da Winchester ficou conhecido como “Q-Load”; apesar de garantir expansão do projétil, penetrava apenas 10” em gelatina balística calibrada. Para os protocolos de desempenho da época, atendia, porém, anos depois, o limite mínimo aceitável passou a 12”, reanimando a saga em busca do cartucho ideal.
Os cartuchos contemporâneos
Entre os dias 15 e 17 de setembro de 1987, oito especialistas se reuniram, na Academia do FBI, para discutir Balística Terminal. Intitulado “Wound Ballistic Workshop”, esse encontro rendeu conclusões que revolucionaram o universo das munições destinadas à defesa. Desde então, surgiram não só uma infinidade de novos cartuchos, como, também, alguns novos calibres.
O 38 Special acompanhou essas evoluções e manteve-se vivo, mesmo numa conjuntura onde as armas semi-automáticas tornaram-se as preferidas e que os novos calibres colocaram em xeque o desempenho do calibre centenário. Sobre os diversos cartuchos contemporâneos, conversaremos noutra oportunidade.
Por que 38, se o diâmetro do projétil é 36?
Para finalizar, vou chamar a atenção de vocês para um aspecto que acredito ser curioso à maioria. Desde o início desse artigo, menciono o calibre do projétil do cartucho 38 Special como .36”. Alguns devem ter se perguntado: mas por que 38 então?
Mais uma vez, teremos que retroceder no tempo para encontrar a resposta para essa aparente incoerência. Já sabemos que o 38 Special tem sua origem no 38 Long Colt. Mas, e o 38 Long Colt? Esse teve como antecessor o 38 Short Colt que tem estojo do mesmo diâmetro do interior do cano da arma.
Num primeiro momento, essa informação pode parecer estranha, pois, a primeira pergunta que surge é: e o projétil? Se o estojo é do mesmo diâmetro do cano, qual o diâmetro do projétil? O projétil do 38 Short Colt também tem o mesmo diâmetro do estojo (até 0,375”, aproximadamente 0,38”), medida que deu nome ao calibre.
Assim surgiu o número 38. Esse tipo de cartucho, cujo diâmetro do projétil é igual ao do estojo, é chamado de “heeled bullet”; nesses, apenas a parte do projétil que adentra o estojo tem diâmetro menor (o 22 LR é assim).
No entanto, essa solução tem alguns inconvenientes, um deles é a necessidade de lubrificação externa do projétil. Portanto, seu sucessor, o 38 Long Colt, adota o sistema que é mais comum nos dias de hoje, projétil do tamanho do interior do estojo.
O novo calibre tem projétil com diâmetro máximo de 0,359”, aproximadamente 0,36”, porém, o “38” continuou compondo o calibre nominal, fazendo referência ao diâmetro externo do estojo. A decisão de manter a medida no calibre nominal foi mercadológica, uma decisão de marketing para sugerir continuidade e evolução de um cartucho.