Considerações Iniciais
Atualmente é bastante observado a disseminação de instrutores de tiro por todo o país. Normalmente são profissionais da Segurança Pública ou mesmo civis que buscam experiências em outras “escolas de tiro” e ensinam ou replicam diversos tipos de técnicas e das mais variadas maneiras.
Cabe salientar que não existe uma técnica absoluta ou melhor, pois as técnicas sempre devem ser direcionadas à necessidade de quem vai utilizá-las. As técnicas básicas e evoluídas sempre devem ser treinadas, mesmo assim serão passíveis variações ao longo do tempo, pois nenhuma doutrina é imutável e sim adaptável para a necessidade a que se propõe.
A Arte da Guerra
Os combates antigos, por exemplo, que ocorriam nos vastos campos de batalha, tinham a sua forma de acontecer. Tudo era muito estratégico, ensaiado e por vezes improvisado, mas as tropas seguiam suas formações convencionais, onde os homens iam tombando e os das próximas fileiras seguiam na formação até serem atingidos. E assim por diante todos combatiam até a última fileira.
A partir da invenção das armas de fogo ( mosquetão, fuzil, canhão etc) as distâncias aumentaram e os combatentes começaram a não mais “conhecer o olho do inimigo” – pelo menos nas fases iniciais de preparação do combate- pois as batalhas aconteciam em campos abertos, longe das aglomerações urbanas.
A arte da guerra sofreria numerosas modificações em decorrência do progresso científico/industrial. Com o aperfeiçoamento das armas e dos engenhos de lançamento, cresce o poder de destruição e consequentemente muda-se a forma de combater.
Os engenhos modernos trazem um efeito terrível, arrasador para o sistema nervoso, assim os treinamentos para os novos combates começaram a ser adaptados para a nova realidade. Houve a necessidade de reformulação da instrução para reduzi-las ao essencial e desembaraçá-las, ou seja, começariam a surgir as temíveis e estratégicas táticas de guerra.
Ocorre que no século passado, nas grandes guerras, as cidades já eram invadidas, mas somente após imensos bombardeios realizados pela artilharia e pela aviação, geralmente fazendo com que não restassem nelas muitos inimigos.
“A tática é – sempre foi e deve ser, pelo menos − a arte, a ciência de fazer os homens combaterem com seu máximo de energia, máximo que somente pode dar a organização contraposta ao medo”
ARDANT DU PICQ
Como o armamento na 1ª Guerra Mundial era, em sua maioria, de repetição, o ritmo de combate tornava-se lento e os combatentes se mantinham distantes, em lados opostos uns dos outros. Porém os armamentos se modernizaram e já na 2ª Guerra Mundial houve uma relativa aceleração no modo de combater, devido à adoção de armas semiautomáticas e automáticas.
Naquela ocasião, o combate começou a aproximar os oponentes pela necessidade mais avançada de guerrear, porém ainda ocorria em campos de batalhas, e os combates urbanos ainda se davam em áreas fracamente habitadas e já esvaziadas, após terem sido bombardeadas por completo.
Evolução do Combate
Porém só nos conflitos da última década do século passado (grande parte no oriente médio)com as novas regras e cobranças referentes a efeitos colaterais dos combates e pela influência da opinião pública, potencializada pelos atentados terrorista no início do ano 2000, é que os combates no interior de localidades começaram a sofrer mudanças realmente significativas.
O infante é o militar combatente da arma de infantaria que tem por objetivo realizar o combate a pé, avança com seu equipamento no campo de batalha para conquistar e manter posições, permitindo que vários escalões possam redefinir suas manobras e continuar no combate. O que mudou então para o infante que progride por uma localidade? – O inimigo agora está misturado à população e muitas vezes se confunde com ela.
Nesse “novo” conceito de combater, hoje é preciso neutralizar o inimigo mais rapidamente e a curtas distâncias, mas com técnicas e táticas rápidas e dinâmicas. Tudo isso, evitando causar baixas de civis e/ou danos desnecessários à localidade.
O tiro precisa ser realizado em menor tempo, contra alvos múltiplos e fugazes e com maior precisão, para evitar diversos danos colaterais. As distâncias foram drasticamente reduzidas.
Não há mais tempo para uma troca administrativa de carregador nem para sanar um incidente de tiro como se estivesse em um estande de tiro, ou para empunhar uma arma que não está de maneira correta na bandoleira, ou que está em um coldre mal posicionado.
A desatualização da doutrina e sua aceitação
Nos parágrafos anteriores, foi abordado de forma bem clássica a evolução do combate no âmbito de Grandes Exércitos pelo mundo e em Grandes Conflitos. No entanto essa concepção é de grande relevância para qualquer operador de armas, pois transmite claramente a ideia de que as técnicas são mutáveis e evoluem rapidamente com o passar dos anos.
No Brasil, especificamente, o Exército Brasileiro foi o órgão que introduziu o esporte e a instrução de tiro, sendo que muitas Instituições policiais, instrutores e civis, ainda mantêm como parâmetros de treinamento a doutrina de tiro de combate do Exército, em que o objetivo é exterminar e destruir o inimigo, aniquilando-o na batalha.
Ocorre que as doutrinas de treinamento de tiro, em uma concepção geral, tanto das Forças Armadas – que atualmente atua bastante em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), como das Forças Policiais e de operadores civis, precisam ser atualizadas e adaptadas para a realidade da conjuntura moderna do combate urbano.
Na atualidade, grande parte da instrução prática em estande de tiro ainda é orientada por um instrutor de tiro. O atirador é sempre colocado em frente a um mesmo tipo de alvo (silhueta humanoide ou outra semelhante), a uma distância predeterminada, portando uma arma de fogo carregada, e para todas as séries de disparos o tiro é comandado pelo instrutor.
Nessa condição, não há, na prática, a opção de decisão de não atirar ou em qual alvo atirar. A decisão é de atirar sempre no alvo que estiver à frente, criando no operador um condicionamento deficiente e perigoso.
O rompimento da inércia e a busca da solução
O que deve ser buscado pelos policiais, militares no contexto de GLO e cidadãos em geral , é um método de treinamento de tiro completo, que permita ao operador a obtenção de uma consciência situacional ampla para facilitar o desenvolvimento e emprego de diversas ferramentas de acordo com a situação tática encontrada.
Não há dúvidas de que o treinamento básico é sempre essencial, porém deve evoluir gradativamente para métodos que incluam em seus protocolos fatores que levem o atirador a vivenciar sensações físicas e psicológicas ocorridas no combate real. Alvos parados e a longa distâncias não facilitam a dinâmica.
O combate urbano apresenta suas características peculiares de dificuldades das mais diversas, portanto, a preparação do recurso humano que interage com esse ambiente deve ser muito bem direcionada e potencializada com métodos de treinamentos efetivos e funcionais.
Em um confronto armado tudo pode acontecer e o operador, ao encontrar-se sozinho ou em um grupo tático, ainda terá que agir sem pôr em risco a sua vida ou a de terceiros. Somente com essa probabilidade e com o sentimento do risco de morte, já surgirá diversos fatores psicológicos influenciando nas atitudes a serem tomadas. Por isso deve haver nos protocolos trabalhos que facilitem o controle dos efeitos vindos por intermédio do medo e do estresse.
Essa preparação não acontecerá de uma hora para outra, em um fim de semana ou em uma ou duas seções de tiro durante o ano, mas por intermédio de diversos trabalhos motivacionais e de estudos técnicos e táticos sobre o assunto, incrementado com treinamentos práticos que simulem situações reais que possam desenvolver várias influências do estresse que ocorrem no combate.
Em situações reais de enfrentamento, a complexidade das ações exigirá que existam treinamentos padronizados, porém mutáveis, para exatamente não complicar coisas simples, portanto, descomplicar atividades complexas. Os procedimentos padronizados deverão ser treinados até a exaustão e com tarefas simples que se complementem, fazendo com que o operador conheça previamente suas próprias capacidades e limitações, podendo vir a trabalhar potencialmente encima delas.
Considerações Finais
No tiroteio não há lugar para discussões mentais ou mesmo para técnicas mal treinadas ou não funcionais. Os procedimentos deverão estar automatizados e a atenção e concentração voltadas para o que acontece 360º do operador, minimizando assim os riscos iminentes.
O plano de treinamento deverá ser sistematizado de modo que o atirador consiga acionar o mesmo nível de ativação e de alerta que se encontraria se a situação fosse verdadeira, sendo necessário, para isso, uma predisposição mental muito grande e uma alta concentração nas atividades a serem desenvolvidas.
No confronto, não há lugar para dificuldade de tomada de decisões críticas e para falta de habilidades. Por exemplo, quando a ameaça for neutralizada, será importante que outros ameaças em potencial sejam procuradas – para que o operador não seja surpreendido por outro (s) oponente (s) que lhe escapou à observação. Em treinamentos, esse procedimento deverá ser treinado exaustivamente e incorporado sempre aos novos procedimentos treinados.
É importante que o atirador esteja consciente de que o resultado a obter em um confronto armado estará diretamente relacionado com o seu método de treinamento, por isso o treinamento deverá ser realístico, forte e gradativo. Ou seja, o atirador deverá desenvolver tarefas com dificuldades crescentes que o levem finalmente a um cenário próximo do combate propriamente dito, fazendo com que o treino seja eficaz ao serem empregadas corretamente as TTP (Táticas, Técnicas e Procedimentos) necessárias para cada realidade.