Quais são as características de um confronto armado envolvendo policiais em serviço (e fora)?
Antes de responder esse questionamento, é fundamental esclarecer que o presente artigo deve ser analisado em conjunto com o material de suporte disponibilizado logo abaixo. Trata-se de uma compilação de quatro vídeos que mostram confrontos envolvendo policiais brasileiros em serviço. Eles revelam muito sobre natureza desse tipo de ocorrência.
O que observar?
De pronto, é possível observar que as quatro situações se desenvolvem em meio a transeuntes, que são pegos no “fogo cruzado”. São pessoas levadas como reféns, assustadas e tentando fugir, ou filmando a situação. Isto nos permite indicar uma primeira característica: via de regra, os confrontos armados policiais ocorrerem em ambientes com pessoas inocentes nas proximidades, o que aumentará os riscos de consequências indesejadas.
Outro aspecto visível é que eles tendem a ocorrer de forma abrupta e aproximada. Justamente por essa intensidade, é possível afirmar, figurativamente, que o confronto armado é um sopro violento. E disso podemos extrair outros pontos característicos, dentre os quais o de que ele se encerra com poucos disparos efetuados, saindo vitorioso aquele que consegue agir com antecipação e da forma mais agressiva.
Os aspectos observados podem ser corroborados por dados estatísticos coletados pelo FBI a respeito dos confrontos armados resultantes na morte de policiais. Entre 2009 e 2018, 510 policiais foram assassinados nos EUA. Destes, 471 foram vítimas de armas de fogo. Esses confrontos letais tendem a ocorrer a distâncias muito curtas, geralmente inferiores a 6 metros, o que se verificou em 69,63% das vezes [1], como mostra o gráfico a seguir:
Outra informação relevante fornecida pelo FBI é que a maioria dos policiais vitimados simplesmente não chega a realizar disparos com suas armas, fato registrado em 70,58% dessas ocorrências[2], conforme gráfico abaixo:
E mais. O índice de acertos dos policiais que conseguiram disparar seu armamento antes de serem mortos é baixíssimo. Os 107 policiais que conseguiram utilizar suas armas realizaram uma média de 6,9 disparos, acertando apenas 19,3% deles em seus oponentes. Por outro lado os oponentes neutralizaram as ações policiais com a média de 6,3 disparos, o que evidencia o que já foi citado, isto é, que o confronto policial é rápido e tende a se encerrar com poucos disparos.
Pois bem, valendo-se dessas informações, retome a análise dos vídeos. Perceba que em 3 deles, mesmo em meio a inocentes, os policiais dispararam contra seus oponentes. No primeiro caso, em antecipação a uma agressão iminente – do que decorreram disparos de revide contra a equipe policial (note o silvo dos projéteis passando próximo aos policiais). No segundo, em reação a uma agressão em curso, do que decorreu a neutralização do criminoso. E, no terceiro, em aproveitamento de uma janela de oportunidade, como forma de salvar uma refém. Infelizmente, no “sopro violento” da quarta situação, o policial decidiu não atirar, sendo morto por seus oponentes (lembrando que, de acordo com o FBI, em 70,58% dos confrontos que resultaram na morte de policiais, estes não dispararam suas armas).
A consequência elementar
Podemos dizer, então, que o confronto armado comum é permeado por imprevisibilidade e imprecisão!
Uma atividade sem paralelo
Fazendo um paralelo, é possível comparar a atividade policial à de uma equipe médica escalada no setor de emergências de um hospital. A tendência é que sua rotina envolva inúmeras intervenções de natureza relativamente simples. No entanto, em alguns momentos, irá se deparar com procedimentos de altíssima complexidade. Nesses casos, a execução dos protocolos de avaliação de risco do paciente ficará comprometida e o processo decisório terá que ser realizado de maneira muito mais rápida. Certamente, haverá situações cuja chance de êxito será mínima, mas a intervenção continuará sendo necessária e inevitável, representando uma última cartada para salvar uma vida.
A grande diferença? A avaliação de risco, o processo decisório e os protocolos aplicados para salvarem essa vida não representam riscos imediatos à equipe médica. E isso, por si só, já redunda em um alívio imenso, capaz de favorecer a adoção das medidas mais adequadas. E mais, resultados indesejados, via de regra, são aceitos pela sociedade como uma consequência natural do cenário desfavorável apresentado, isto é, da condição debilitada de saúde do paciente, presumindo-se – o que é mais do que correto – que a equipe realizou todos os esforços para salvar a vida em jogo.
E como ocorre no confronto armado, tipo de ocorrência mais complexa vivenciada pelo policial comum?
Nele, decisões tomadas em frações de segundo, por mentes e corpos perturbados por reações psicofisiológicas relacionadas ao medo e a mecanismos de fuga e luta, são responsáveis por resultados adequados ou desastrosos. O risco de morte – de inocentes ou a própria – impõe um peso imenso sobre o profissional, capaz de bloquear a racionalidade, serenidade e adequação de medidas tomadas. E pior, as consequências indesejadas são, na maioria das vezes, imputadas exclusivamente ao policial, presumindo-se erro de conduta ou ação mal intencionada, como se ele fosse um ser sobre-humano, capaz de encarar a mais extrema das interações com toda a perícia e clareza de raciocínio, ou um indivíduo com falhas graves de caráter.
As reflexões que se impõem
Depois de tudo o que foi apresentado, é fundamental que se reflita sobre alguns pontos:
1) Como avaliar a qualidade do processo decisório e performance nessas circunstâncias?
2) Como avaliar a correção de uma decisão de disparar, ou não, uma arma de fogo?
3) Quais métodos adotar para aprimorar a capacidade de resposta de policiais a situações tão extremas?
Buscaremos, com a contribuição dos demais colunistas, fornecer materiais e insights que nos possibilitem alcançar as respostas mais adequadas.
[1] Dos 471 casos, não há informações sobre distâncias relacionadas a 67 ocorrências. Portanto, a porcentagem citada está sujeita a variações.
[2] Dos 510 assassinatos de policiais, não há informações sobre reação armada do profissional em 43 ocorrências. Portanto, a porcentagem citada está sujeita a variações.