Considerações iniciais
Os combates modernos, tanto os convencionais como os não convencionais, tornaram-se bastantes dinâmicos, vindo a exigir dos operadores um grande esforço tático e desembaraço com os meios tecnológicos. Sendo assim, ensinar o operador “como pensar”, em vez “do que pensar” pode fazer toda a diferença nas horas mais difíceis de um confronto violento.
Será, portanto, nesse espectro que a tomada de inciativa se transformará em um vetor decisivo para as ações de combate e defesa, pois nos atuais confrontos as ameaças são difusas e os agentes podem atuar isolados, com pouco apoio logístico e, ainda, com relativa precariedade do sistema de comando e controle.
Outrossim, a crescente capacidade das forças adversas emassar fogos no campo de batalha ou em áreas urbanas conflituosas, com grande precisão e poder destrutivo, tem obrigado as forças em combate-militares e policiais- a se dispersarem cada vez mais e tomarem decisões na solidão da batalha.
Quebrando paradigmas
Ao tomarmos carona na história, mais precisamente na Segunda Guerra Mundial, observa-se que o soldado de infantaria já estava sozinho, perdido na “solidão do campo de batalha”. Por milhares de anos os soldados haviam combatido em forma, ombro a ombro com seus companheiros de caserna, agora era necessário adestrá-los de outra forma, para combaterem outra guerra. Portanto aperfeiçoar as relações de comando é uma exigência tática dos combates regulares e irregulares do século XXI.
As relações de Comando em todos os níveis, principalmente entre os elementos operativos, não pode ser um entrave para a obtenção da máxima performance operacional. Ao contrário, devem ser elementos catalisadores que contribuam diretamente para a obtenção da eficiência desejada.
Nesse contexto, um fator interessante a ser observado e bem compreendido é justamente a diferença entre a Disciplina e Iniciativa, ambas andam juntas, mas possuem conotações diferentes. Quando empregados em ações de combate será preciso o sopesamento correto desses dois elementos.
Disciplina vs Iniciativa
A disciplina, tem o significado, em termos práticos, de uma obediência irrestrita. Pressupõe ainda a fiscalização do superior em tempo integral. Em apertada síntese a disciplina seria a obediência ao conjunto de regras e normas que são estabelecidos por determinado grupo. Também pode se referir ao cumprimento de responsabilidades específicas de cada pessoa.
Já a iniciativa, segundo o dicionário on-line de português, é a qualidade de quem é levado a agir espontaneamente. A iniciativa é o ânimo ou disposição natural de quem faz alguma coisa antes dos demais.
O problema começa ao analisarmos que nos dias atuais o operador por vezes estará sozinho no combate e não recebendo ordens para tudo (“solidão do campo de batalha”). Nesse caso ele é levado a fazer aquilo que por milhares de anos deixou de fazer: avaliar a situação, tomar decisões e agir por conta própria.
Nessa situação, agir com iniciativa pressupõe agir fora de sua esfera de atribuição. Porém tradicionalmente a iniciativa, infelizmente, tem sido coibida por superiores.
Os Guerreiros de Selva do Exército Brasileiro, tem registrado como a primeira lei do Guerra na Selva o seguinte lema: “Tenha iniciativa, pois não receberá ordens para todas as situações. Tenha em vista o objetivo final.”
Os guerreiros de selva da nossa brasileira Amazônia, por exemplo, que operam muitas vezes sozinhos ou em duplas, ao ratificarem a importância da iniciativa, estão corroborando com a ideia de que a crescente dispersão das forças de combate e a descentralização do controle tático, que tem ocorrido como resultado da evolução da guerra moderna, realçam sobremaneira o papel do indivíduo.
A descentralização do controle tático imposta às forças operacionais tem sido uma das mais significativas características da guerra moderna. Nos confusos e muitas vezes caóticos ambientes dos campos de batalha e da guerra urbana, só as menores frações provavelmente se manterão juntas, particularmente nos momentos mais críticos. Será, então, nesse momento que a desenvoltura e inciativa do operador ditará o restante da sua história.
Auftragstaktik
Um exemplo clássico e bastante didático, no entanto pouco abordado sobre a análise da iniciativa com sucesso no campo de batalha, é o confronto histórico denominado Guerra Franco – Prussina (1870-1871) em que o Exército Francês, um dos melhores da época, seria testado frente ao inovador Exército Prussiano.
A Prússia queria a guerra para gerar um sentimento nacional e unificar outros principados germânicos. Já os franceses queriam expandir seu território, neutralizar a Prússia e aumentar sua hegemonia na Europa.
A guerra Franco-prussiana de 1870-71 foi um dos primeiros conflitos contemporâneos em que foram empregados modernos meios tecnológicos. O emprego de fuzis com longo alcance, metralhadoras, canhões com retrocarga, ferrovias e o telégrafo influenciaram decisivamente na forma de combater dos exércitos no século XIX.
Foi nesse conflito que observou-se com relativa eficiência uma forma descentralizada de comando e controle no modo de combater do Exército Prussiano, que passou a ser conhecida como Auftragstaktik. Auftragstaktik requer um alto grau de iniciativa nos comandantes subordinados, os quais têm que estar dispostos a adotar riscos calculados para ganhar uma vantagem decisiva no campo de batalha.
Desta forma o fator decisivo para a vitória alemã na Guerra Franco-prussiana foi o emprego da doutrina Auftragstaktik.
Auftragstaktik gera subordinados capazes de se adaptar às constantes mudanças de situação, flexíveis para se ajustar ao complexo ambiente operacional e com iniciativa para bem executarem suas missões, sendo desejosa na cadeia de comando de qualquer exército.
Imagem de Amber Clay por Pixabay
Em termos práticos o que essa doutrina tem a nos passar nos dias atuais e qual a sua influência no quesito iniciativa?
A questão chave é que os prussianos tentaram a ideia descentralizada de comando, na qual um comandante deixaria clara sua intenção para seus subordinados, dizendo-lhes apenas o que deveriam fazer, e não como fazer. Eles deveriam exercer suas iniciativas, fazer o planejamento, tendo em vista a intenção, escolhendo uma linha de ação e executando-a com rapidez e vigor.
Em outra vertente, os comandantes teriam de balancear o risco entre iniciativa e precaução. Riscos calculados são necessários e devem ser precedidos de um pensamento cuidadoso. Os subordinados em contato mais cerrado com o inimigo teriam melhores condições de decidir o “como fazer”. Oficiais de todos os postos deveriam ser treinados dessa forma.
Outrossim as ações descentralizadas, conduzidas por militares com alto grau de iniciativa, geraram ganhos maiores do que as decisões centralizadas nos altos escalões. Dentro desse contexto e com a evolução dos confrontos, o Estado-Maior Prussiano concluiu que a iniciativa e a falha eram mais desejáveis do que a precaução e inércia.
Por fim, os prussianos venceram esta batalha devido, principalmente, à grande liberdade de manobra que possuíam, e a iniciativa que exerceram. Desta forma, observa-se que o fator decisivo para a vitória alemã na Guerra Franco-prussiana foi o emprego de Auftragstaktik – que não foi apenas uma simples técnica de comando e controle, mas uma ferramenta eficaz de liderança e gerenciamento que desenvolvia nos subordinados um senso de responsabilidade e iniciativa – sendo o treinamento o fator preponderante para todo o sucesso da filosofia Auftragstaktik.
Conclusão
Ao analisarmos os dados históricos, resumidamente elencados, torna-se bastante claro que o fator recurso humano ainda deve ser considerando como fundamental para o sucesso em combates. Se relacionarmos ao caso francês na Guerra Franco-Prussiana, perceberemos que o despreparo dos comandantes, seu excessivo pensamento defensivo e a falta de iniciativa de seus operacionais contribuíram para a sua derrota.
Por outra vertente, ao analisarmos as características prussianas desenvolvidas no conflito, observaremos as seguintes características na Auftragstaktik:
- Capacidade de gerar subordinados capazes de se adaptar às constantes mudanças de situação, flexíveis para se ajustar ao complexo ambiente operacional e com iniciativa para bem executar suas missões;
- Criação de sentimento de cumprimento de missão no subordinado;
- Um risco operacional balanceado entre a iniciativa de um comandante subordinado e o risco calculado;
- A concepção em que um subordinado pense e inove, correndo o risco de errar, seja mais adequada ao combate moderno do que aquela em que ele espera sempre por uma ordem do superior para agir ; e
- As ações do subordinado são sempre norteadas pela intenção de seu comandante, sem o comprometimento da sua iniciativa.
A verdade é que os confrontos modernos, vividos por Forças Policiais e por Forças Armadas, coloca novos desafios aos seus operadores, os quais deverão mitigar os riscos por algum outro fator. O amplo espectro dos conflitos, as ameaças híbridas, os recursos tecnológicos, a preocupação com os direitos humanos e diversos outros fatores operacionais influenciarão sobremaneira a atuação do combatente entre a busca da paz e as ações de enfrentamento típicas do combate.
Ao combater os homens devem colocar a disposição toda a sua energia, entretanto nem sempre os manuais de combate poderão serem colocados em prática, principalmente no quesito de subordinados sempre esperarem ordens para realização das ações. A antecipação e leitura de ambientes devem levar os subordinados a se ajustar ao complexo ambiente operacional e com a iniciativa executarem bem suas missões, aceitando riscos, ponderando as imprevisibilidades e quebrando históricos de paradigmas.
Afinal de contas foi esse o exemplo que o Exército Prussiano nos demonstrou e que nunca deveremos nos esquecer. Na auftragstaktik fomentou-se : autonomia, liberdade de manobra, vontade para cumprir missão, consciência do cumprimento da obrigação, aceitação controlada de riscos, confiança mútua, absorção de erros, trabalho conjunto e por fim a INICIATIVA.
Se queres vencer algo, aceite o risco de perder, mas saiba exatamente o que fazer, por que fazer e como fazer. Saber “como pensar” no combate é mais importante do que “apenas pensar” e “seguir diretrizes”. Basta observarmos que “o cavalo do Napoleão esteve em todas as guerras. Mas em nenhum momento, em nenhuma delas, deixou de ser apenas um cavalo…”
Fontes:
BRASIL. Estado-Maior do Exército. Manual de Campanha EB 20-MF-10.205, Comando e Controle, 1. ed.
Brasília, DF, 2015.
DIAS, A. L. S. A Missão-Comando, sua inserção e aplicabilidade no Exército Brasileiro. 2013, 338p.
Dissertação (Mestrado em Ciências Militares), Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Disponível em: http:// www.eceme.ensino.eb.br
http://ebrevistas.eb.mil.br/index.php/DMT/issue/view/54