Em tempos de incertezas e de crise, é comum que muitas pessoas passem a acumular alguns bens em antecipação à possível escassez futura. Isso é especialmente verdade quando tratamos de munição, ainda mais num país em que as mudanças legislativas e infralegais são absolutamente imprevisíveis, como no Brasil. A falta da previsão constitucional sobre a posse de armas pela população, tal qual realizada pela 2a. emenda norte-americana, permite que os diplomas legislativos e demais regulamentações sejam alterados ao sabor das tendências político-partidárias, que naturalmente tendem a mudar de tempos em tempos. Devemos ter em mente que, de uma hora para outra, calibres recentemente liberados podem voltar à categoria de “restritos” ou “proibidos”, impedindo ou dificultando enormemente sua aquisição por parte dos atiradores.
Dessa forma, muitas pessoas me questionam sobre qual seria um bom método para guardar munição a longo prazo, o chamado long term storaging. Esse foi o assunto escolhido por vários seguidores do Instagram @jcunhaneto12, se você ainda não me segue, dê uma passada por lá!
Desde já é bom ter em mente que essa é uma questão para qual existem várias respostas e métodos possíveis, tal qual limpar uma arma de fogo. Não há necessariamente um jeito certo e outro errado, a grosso modo. Falarei brevemente sobre o que acho mais viável do ponto de vista de custo/benefício diante da realidade brasileira.
Antes de tratarmos sobre os modos de armazenamento, é importante lembrar que as munições modernas podem manter sua capacidade operacional por várias décadas, desde que alguns cuidados sejam tomados. A regra é clara: quanto menos variação de temperatura e umidade do ar, melhor. Assim, um bom princípio básico é escolher um lugar seco e que não sofra exposição direta da luz solar durante o dia. Se for possível manter o ambiente climatizado numa temperatura constante e com a umidade do ar baixa e controlada, melhor ainda.
Nestas condições ideais, com a manutenção dos parâmetros climáticos em faixas ótimas, o próprio fabricante garante a validade dos cartuchos por 10 anos. Esse prazo é logicamente subestimado por questões de liability. Não seria exagero inferir que munições armazenadas em ambiente controlado por 20 anos ou mais devem funcionar perfeitamente. Já tive oportunidade de disparar cartuchos de .45 ACP fabricados na época da II Guerra Mundial, sem incidentes. Há relatos que em regiões do Pacífico alguns grupos armados ainda empregam munições de .303 British e .50 BMG manufaturadas nessa época.
Isso não significa que você deva usar cartuchos fabricados há 70 anos para sua defesa pessoal, de maneira nenhuma. Por mais que possa parecer exagerado, é de fato recomendável que as munições de porte/defesa sejam trocadas a cada seis meses, já que podem ter contato com suor, produtos quimicos, chuva e outros fatores que podem iniciar o processo de degradação e comprometer sua confiabilidade. No máximo, troque suas munições “operacionais” a cada ano, evitando possíveis incidentes de tiro em situações cruciais e de alto risco. Lamentavelmente, já vi policiais usarem “na rua” cartuchos que estavam há mais de 7 anos no mesmo carregador, com o característico zinabre, na cor verde, em virtude da oxidação do latão do estojo. As chances de falha dessa munição são elevadíssimas, trazendo um risco desnecessário ao operador, que provavelmente será incapaz de efetuar disparos com sua pistola. Não brinque com sua própria vida!
Se as munições foram adquiridas com o intuito de serem armazenadas para tempos futuros, é ideal que não sejam removidas dos blisters em que foram comercializadas, que já fornecem uma primeira proteção contra o contato com o ar atmosférico. Empregar um desumidificador de ar no cômodo destinado ao estoque também pode ser uma excelente ideia. Mais além, é importante que os cartuchos não tenham contato com lubrificantes, solventes ou outros compostos químicos, que possam degradar seus componentes, como iniciar a corrosão do estojo ou comprometer o propelente de base nitrocelulósica.
Particularmente recomendo que os blisters sejam armazenados em caixas de armazenamento de munição com a devida vedação, que podem ser encontradas facilmente na internet em sites como o Mercado Livre. Ainda assim, é interessante que sejam adicionados alguns componentes que posssam absorver a umidade do ar, como a sílica. Dependendo do tipo e da embalagem, a sílica pode ser reutilizada mesmo após ficar saturada, com o auxílio de um forno de micro-ondas. É importante trocar os sachês ou realizar esse procedimento de dessaturação periodicamente.
Outro método bastante interessante, que pode ser combinado com o primeiro, é utilizar equipamentos específicos para embalagens a vacuo, geralmente empregados para o armazenamento de alimentos. Os cartuchos podem ser colocados em sacos plásticos juntamente com um sachê de sílica e então o ar é praticamente todo removido com um aparelho próprio, ampliando em grande monta o prazo de validade da munição, que ficará hermeticamente fechada. Essa solução é especialmente indicada em caso de cidades litorâneas, pois a maresia pode acelerar o processo de oxidação dos cartuchos.
É importante etiquetar as caixas de armazenamento com o mês/ano em que as munições foram estocadas, para facilitar o controle e permitir que as munições mais antigas sejam utilizadas primeiro.
Por fim, quanto de munição devo armazenar? A resposta para essa questão vai depender uma série de fatores, sendo o principal deles o custo envolvido, em face dos exorbitantes valores dos cartuchos na atualidade. A dica que sempre repasso a quem me pergunta é: compre todos os meses e vá acumulando aos poucos, conforme suas condições. Lembre-se: munição é como pista de pouso, nunca é demais!
Qualquer dúvida, crítica ou sugestão sobre esse artigo pode ser encaminhada no direct do Instagram @jcunhaneto12, na medida do possível tenho o maior prazer em responder os comentários.
Um abraço e até a próxima!