Introdução
No mundo das armas de fogo é comum usar a grandeza física Energia, notadamente a Energia Cinética, para a escolha da munição a ser usada para o porte. Por ser uma grandeza mais popular, os fabricantes colocam essa informação nas embalagens de seus produtos, e assim, muitas vezes ela é usada como fator de comparação entre munições.
Mas será que a Energia Cinética é a grandeza Física mais apropriada para isso?
Fizemos testes com 06 (seis) tipos de munições nacionais do calibre 9x19mm com o objetivo de responder a esse questionamento: duas ogivais, três da tecnologia Bonded e uma com monobloco de cobre.
Mas antes de prosseguir por aqui, recomendo a leitura dos três artigos do Professor João Bosco, intitulados “Calibres de alta energia ou calibres da alta velocidade?”, Parte 1, Parte 2 e Parte 3.
Considerando os calibres de baixa velocidade, na atual Teoria da Incapacitação por tiro adotada pelo FBI (Federal Bureau of Investigation), caso não se atinja o SNC – Sistema Nervoso Central, ou a Cervical Alta (C1, C2 e C3), a fim de se incapacitar imediatamente, deve-se fazer com que o agressor perca sangue o mais rápido possível. E nesse ponto três fatores, dispostos hierarquicamente, são relevantes: a localização, a penetração e o diâmetro da lesão, para assim se chegar à incapacitação fisiológica de forma mediata.
No campo da Balística Terminal, a interação do projetil com o corpo humano e/ou outros alvos deve ser estudada do ponto de vista da Teoria das Colisões/Choques Mecânicos. Para isso devemos usar o Momento Linear, também conhecido como Quantidade de Movimento, que de forma resumida seria a grandeza física que mensura a rapidez com que um corpo se movimenta.
Os praticantes de IPSC (International Practical Shooting Confederation ou Confederação Internacional de Tiro Prático, em português) o conhecem como “fator de potência”, utilizado como parâmetro das munições empregadas na prática.
Sempre que houver uma interação entre dois corpos, sendo que, ao menos um deles esteja em movimento, ou adquira movimento, a determinação do momento linear é importante para o estudo dessa interação.
E é isso que pretendemos demonstrar aqui. Para se determinar o Poder de Penetração de um projetil em algum meio deve-se usar a grandeza física Momento Linear e não a Energia Cinética como muitos pensam.
Energia
A Energia não é algo palpável, é apenas uma propriedade de um corpo, assim como a cor vermelha de sua camiseta.
O princípio da conservação da energia versa que “A Energia não pode ser criada nem destruída, apenas ser transformada de uma forma em outra, com sua quantidade total permanecendo a mesma.”.
A Energia Cinética (Ec) é a parcela da Energia Mecânica devido ao movimento do corpo. Entretanto, existem outras formas de energia mecânica como, por exemplo, a energia potencial elástica (uma mola sendo comprimida ou esticada) e a energia potencial gravitacional (quando o corpo elevado a certa altura).
A Energia pode apresentar-se de várias formas como energia química, nuclear, térmica, a mecânica seria apenas uma delas. É uma grandeza escalar, ou seja, com apenas um valor numérico e uma unidade está definida. Ela representa a capacidade de se realizar Trabalho, de forma resumida. O Trabalho é a Energia necessária para se realizar alguma tarefa.
Ao empurrar um carrinho de supermercado, ao levar uma espingarda calibre 12 à posição de tiro ou puxar o ferrolho de uma pistola para trás (comprimindo uma mola, nesse caso Energia Potencial Elástica – Epe), tudo isso é Trabalho.
Energia Cinética (Ec) é dada pela fórmula abaixo:
Observe que a velocidade (m/s) está elevada ao quadrado, diferentemente da massa (quilogramas), voltaremos a falar sobre isso em breve. No S.I. (Sistema Internacional de unidades), Energia é dada em Joules – J.
Momento Linear
Por sua vez, o Momento Linear, também chamado de Quantidade de Movimento (Q) é uma grandeza vetorial, ou seja, é o que além do valor numérico e da unidade, necessita ainda de uma direção e um sentido para estar definida. Ela mensura a rapidez com que um corpo se movimenta.
A Quantidade de Movimento (Q) é dada pela fórmula:
A unidade de Q no SI é o kg.m/s, e é representado pelo produto da massa (em quilogramas) pela velocidade (em m/s).
Neste caso é fácil perceber que a massa e a velocidade são grandezas inversamente proporcionais, ou seja, mantendo o Momento Linear constante, se um aumentar, o outro, necessariamente, diminuirá.
Para facilitar o entendimento, imagine que você está 10kg acima de seu “peso” ideal. Assim, você consegue correr a 10km/h (num pace de 6min/km). Na medida em que você vai perdendo massa, consequentemente irá desenvolver uma velocidade de corrida maior.
O mesmo acontece com os projeteis. Num mesmo calibre, sempre considerando a mesma carga de propelente, aumentando-se a massa, o projetil se torna mais lento. Diminuindo-se a massa é possível imprimir uma maior velocidade a ele.
Na Ec, devido à velocidade estar elevada ao quadrado, qualquer aumento deste fator implicará num aumento relativamente grande da energia.
Lei da Inércia
Outro ponto que precisa ser visto antes de mostrarmos e analisarmos os resultados dos testes citados é o conceito da Primeira Lei de Newton.
A Lei da Inércia versa que um corpo em repouso tende a permanecer em repouso, a menos que sobre ele atue uma força que o faça mover-se. Ou ainda, que um corpo em movimento tende a permanecer em movimento a menos que sobre ele aja uma força que o faça parar.
Pois bem, imagine um caminhão-caçamba carregado de areia e um carro popular, ambos em repouso. Eles permanecerão em repouso a menos que alguma força os faça entrar em movimento. Qual deles irá oferecer mais resistência para sair do repouso?
Vamos agora imaginar que os dois corpos, caminhão-caçamba e carro popular, estão em movimento, ambos com velocidades de 50 km/h. A tendência é que ambos permaneçam em movimento a menos que uma força faça-os parar. Imagine que é você que irá exercer essa força, qual dos dois ofereceria mais resistência para parar?
Analisando os exemplos acima podemos inferir que a Inércia tem relação direta com a quantidade de massa de um corpo.
Utilizaremos a Inércia para entender melhor os testes, pelo exposto acima sabe-se que um projetil mais “pesado” (com maior massa) necessitará de uma força maior para fazê-lo parar.
Em breve a segunda parte com todos os resultados e conclusões. Aguardem!