Certamente uma das formas de aperfeiçoar as habilidades envolvidas no tiro é através de exercícios padronizados. Habilidades práticas, com resultados mensuráveis, exigem inicialmente uma base sólida de fundamentos. Depois, ganho de performance, seja em precisão ou velocidade. Evidente que é sempre importante revisitar os fundamentos, mesmo para especialistas. Porém, uma vez sedimentados, deve-se atentar para a melhora do conjunto.
É nesta etapa que entram os exercícios de tiro ou – como são conhecidos – os drills. Exercícios práticos, com índices padronizados, permitem melhor mensurar a evolução. Além disso, facilitam a compreensão comparativa com outros praticantes. Drills famosos permitem ainda que amadores comparem seus resultados com atiradores profissionais. Sim, eles praticam drills como parte dos seus treinos.
Há diversos tipos de exercícios de tiro, para diversas habilidades distintas. Alguns são desenvolvidos para a prática em seco. Outros, para o tiro real. Vamos rever alguns destes e suas histórias.
Mozambique Drill: Dois no peito, um na cabeça
O surgimento deste exercício não é certo. Conta-se que o lendário Jeff Cooper o teria desenvolvido a partir dos relatos de Mike Rousseau, um rodesiano envolvido na Guerra da Independência de Moçambique. Rousseau teria relatado que disparou, com sua pistola Browning HP35, dois tiros certeiros no peito de um inimigo portando fuzil AK-47, em um confronto ocorrido no aeroporto de Lourenço Marques. Percebendo que não o teria incapacitado, disparou então novamente contra sua cabeça, atingindo a medula espinhal. Cooper então desenvolve o simples exercício.
O exercício foi incorporado por Cooper na Gunsite Academy a partir da década de 70. Porém, em 1980, dois policiais de Los Angeles pediram autorização para disseminá-lo nos treinamentos das suas unidades. Preocupados com conotações preconceituosas, passaram a chamar de Exercício de Falha (ou de Incapacitação, em uma tradução livre).
Uma versão moderna do exercício consiste em:
(1) A partir do coldre, saca e efetua 2 disparos no peito do alvo (circular com 8 polegadas) – 2/2
(2) Efetua análise do alvo (opcional)
(3) Em persistindo a ameaça, efetua outro disparo na cabeça do alvo – 1/3
Embora não seja complexo, o exercício dialoga com as teorias modernas sobre incapacitação e o conhecimento de balística terminal (sobre isso, leia meu artigo Por Que Atiramos em Alguém?). Ainda, incorpora o salutar hábito de análise de alvo e, por tratar de alvos subsequentes com tamanhos distintos, desenvolve habilidades para cadenciamento de sequência de disparos.
Dot Torture: A tortura dos pontos
Desenvolvido originalmente pelo campeão mundial de IPSC John Shaw, o treinamento com pontos como alvos foi pensado para exercícios práticos voltados ao desenvolvimento de habilidades no início dos anos 80. Este tipo de treinamento desenvolveu-se e é amplamente utilizado até os dias atuais no ambiente esportivo, militar e policial.
Um dos primeiros exemplos do que se tornaria um padrão de treinamento utilizando um alvo com dez pontos foi desenvolvido em 2001 por Pat Harrisson, no Brian Enos Forum. Porém, o exercício famoso, utilizando uma folha de papel comum, foi desenvolvido pelo treinador David Blinder, ficando popular posteriormente através de Todd Louis Green. Em seu site pode-se baixar a versão original do alvo, bem como explicações sobre o exercício.
O exercício deve ser executado em 5 minutos, a 3 metros do alvo. O objetivo aceitável é acertar TODOS os disparos. Ou seja, não pode haver disparos fora dos pontos. Tendo sucesso, o atirador pode então aumentar a distância progressivamente (o que é mais comum), ou reduzir o tempo.
A sequência consiste em:
(1) Efetuar 5 disparos no #1 (tiro lento e preciso) – 5/5
(2) Sacar e efetuar 1 disparo no #2. Repete 5 vezes – 5/10
(3) Sacar e efetuar 1 disparo no #3, outro no #4. Repete 4 vezes – 8/18
(4) Sacar e efetuar 1 disparo, apenas com a mão forte, no #5. Repete 5 vezes – 5/23
(5) Sacar e efetuar 2 disparos no #6, outros 2 no #7. Repete 4 vezes – 16/39
(6) Efetuar 1 disparo, apenas com a mão fraca, no #8 a partir da posição “pronto baixo”. Repete 5 vezes – 5/44
(7) Sacar e efetuar 1 disparo no #9, efetua troca rápida, outro no #10. Repete 3 vezes – 6/50
O exercício também contempla variações, sendo uma das mais famosas a desenvolvida por Sean Leffler. Ele desenvolveu uma versão voltada para pistolas de dupla ação, conhecida por TDA Dot Torture (TDA – Tradicional Double Action). Outra versão importante foi desenvolvida pelo instrutor e policial John Hearne. Considerando a necessidade de treinamento na realidade institucional, sua versão conta com apenas 30 disparos, sendo mais apropriada para contenção de recursos. Como essa é também uma realidade nacional, segue seu passo-a-passo:
(1) Efetuar 3 disparos no #1 (tiro lento e preciso) – 3/3
(2) Sacar e efetuar 1 disparo no #2. Repete 3 vezes – 3/6
(3) Sacar e efetuar 1 disparo no #3, outro no #4. Repete 3 vezes – 6/12
(4) Sacar e efetuar 3 disparos, apenas com a mão forte, no #5 – 3/15
(5) Sacar e efetuar 1 disparo no #6, outro no #7, outro no #6, outro no #7, outro no #6, e outro no #7 – 6/21
(6) Efetuar 3 disparos, apenas com a mão fraca, no #8 a partir da posição “pronto baixo”. Repete 5 vezes – 3/24
(7) Sacar e efetuar 1 disparo no #9, efetua troca rápida, outro no #10. Repete 3 vezes – 6/30
El Presidente: O Presidente exige muitos fundamentos
Novamente, o El Presidente é um exercício desenvolvido por Jeff Cooper. Talvez poucas pessoas tenham contribuído tanto para o tiro defensivo quanto ele. Conceitos como a Mentalidade de Combate, Código de Cores e as Regras de Segurança devem à Cooper sua existência e popularidade.
O exercício foi desenvolvido enquanto Cooper treinava membros da segurança presidencial de um país sul-americano. Porém, o nome apenas foi adotado quando o exercício foi utilizado pela USPSA/IPSC como uma pista de competição padrão. É um excelente exercício. Saque, cadência de disparos, transição de alvos, troca rápida, são alguns dos fundamentos exigidos.
Como fazer?
Primeiro, posicione três alvos a cerca de 90 cm de distância entre eles. O atirador, com dois carregadores contendo 6 munições cada e arma em coldre, posiciona-se a 9 metros e de costas para os alvos. Então:
(1) Gira e saca a arma
(2) Efetua 2 disparos em cada alvo – 6/6
(3) Efetua recarga rápida
(4) Efetua mais 2 disparos em cada alvo – 6/12
Uma versão alternativa, visando a segurança na linha de tiro, é iniciar com o atirador de frente para os alvos. Essa versão popularizou-se como El Vice-Presidente.
Como parâmetro, um tempo bom para a execução deste exercício são 10 segundos. Para inspirar, assista o campeão de IPSC Travis Tomasie fazendo em 5 segundos:
Bons treinos!