O instrutor de tiro deve usar um colete balístico durante um curso?
Se ele está trabalhando as habilidades dos colegas em sincronia com o equipamento, é correto que use o colete.
Se é para proteção pessoal, entramos num campo cinzento. Por quê?
Porque existem princípios na instrução: nunca entre na linha de tiro e aguarde o fim do exercício (quando as armas estão coldreadas) para interagir com os atiradores. Se isso ocorrer, não há razão para o uso do colete.
Algumas pessoas consideram a possibilidade de alguém surtar na linha de tiro e começar a atirar nos colegas. Elas sugerem que, ao menos, um instrutor porte uma arma “quente” durante a aula para reagir à agressão. Agora, feche os olhos, pense em quantos cursos ou treinamentos você participou; imagine a cena e tire suas conclusões com base na sua experiência.
Além disso, não há estatística que mostre o número de acidentes ou atentados que justifique o uso do colete no treino, normalmente desgastante por fatores externos, como calor, ventania, poeira, frio, chuva. E não se esqueça dos fatores internos: preocupação, estresse, responsabilidade, etc.
O tema é espinhoso já que coletes salvam vidas. Mas seguindo os princípios de segurança, todos estarão bem.
Outro aspecto é que coletes possuem níveis de proteção contra calibres de baixa e alta velocidades.
Daí cada um deve vestir o colete ou uma combinação de equipamentos adequados às armas usadas no treino.
A solução seria o uso do colete nível III ou das placas balísticas em todas as situações. Só que isso é impraticável. Sugiro a leitura do artigo O uso da proteção balística na trabalho policial, publicado pelo amigo Sérgio Maniglia aqui no portal Infoarmas.
Supondo que um acidente ocorra, se o policial acertar no colete, o equipamento tende a cumprir sua função.
Mas se o atirador acertar uma área sem proteção, o colete não funcionará. Daí a solução é o atirador interromper o tiro ao perceber a obstrução da linha de tiro ou, não conseguindo parar, errar o tiro.
Ocorre que a dinâmica do treino, assim como uma ação/reação armada, dificulta a interrupção de uma série de tiros, mesmo que o atirador se esforce para isso.
Pense nisto: se até máquinas levam algum tempo para parar, o que esperar do ser humano que precisa interpretar cenários para tomar uma decisão e agir?!
Por causa do processo mental e físico do tiro é que os policiais se preocupam com suas linhas de tiro e as dos colegas.
É claro que qualquer equipamento que salve uma vida deve ser usado. Mas os princípios de segurança continuam válidos.
A questão mais importante, salvo melhor juízo, é ser capaz de perceber outros policiais (e inocentes) no campo de tiro da ocorrência. E mais relevante ainda: SE PERCEBER NO CENÁRIO.
Fala-se muito em consciência situacional, mas a prática policial mostra uma BAGUNÇA nos posicionamentos durante abordagens e tiroteios.
É comum policiais perderem o controle de cano e entrarem na linha de tiro do colega ou colocar alguém nessa linha.
Coletes balísticos salvam vidas, mas só depois que o tiro foi tomado. Então, é importante saber se posicionar.
E ensinar isso é função das academias de polícia. Mas manter o ensinamento latente é função do policial e do instrutor.
Certamente você já participou de uma aula de tiro aonde instrutores, alunos e policiais usavam coletes balísticos.
Então, uma questão é evidente: isso é necessário?
Se o treino envolve o equipamento que o policial utiliza na atividade operacional, o colete é uma obrigação. Significa que ele está desenvolvendo a habilidade de operar e interagir com o material, além de avaliar possíveis adaptações e ajustes. Isso é importante num treino com armas longas, aonde são aplicados exercícios de troca de carregador, panes, transição, posições incomuns, etc.
Mas se o treino não exige o colete balístico, porque a habilidade executada não está vinculada ao equipamento, daí seu uso é desnecessário. Por exemplo, quando o policial está desenvolvendo a habilidade de tiro ou aprendendo algo novo.
É claro que o colete pode ser incluído depois, quando a habilidade aprendida será conectada ao uso de todo o equipamento.
Assim, o uso do colete depende do treino, do objetivo e da forma como a habilidade está sendo formada.
O uso do colete inadequado ou mal ajustado pode ter um efeito contrário na segurança na linha de tiro.
Como muitos dos coletes não são feitos para o porte da arma na cintura, não é raro o policial ter dificuldade para sacar a arma, ver o coldre e coldrear.
Numa situação assim, o aluno acaba inserindo o dedo no gatilho, apontando a arma para o próprio corpo e realizando movimentos atabalhoados na ânsia de seguir o timing do exercício.
Outro aspecto da relação colete e coldre é que muitos policiais pensam que podem se comportar como se estivessem à paisana. Eles querem usar o colete com o mesmo coldre e posicionamento do dia a dia. Assim, não é raro ver policiais com porte frontal ou traseiro com coldres internos (velados) usando coletes também.
O colete exige o porte ostensivo com coldre lateral externo (com alguma distância para baixo ou para o lado), permitindo a primeira empunhadura livre e rápida. Por isso é arriscado treinar com o colete como se estivesse de folga ou com o equipamento inadequado.
Para saber mais sobre o comportamento policial e sua vitimização, sugiro que leia o livro Sobrevivência Policial – morrer não faz parte do plano.