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Introdução
No meio policial existem expressões do tipo: “só sabe como é quem está na rua”, “Na área (ambiente operacional) é diferente”, “Fulano não sabe comandar pois nunca trabalhou na rua”. Essas frases são estimuladas por uma cultura específica, porém, trazem consigo uma verdade tratada por teóricos de guerra, grandes líderes militares, psicólogos e instrutores policiais de várias partes do mundo: Só entende as particularidades do ambiente operacional quem tem experiência nesse ambiente! Nós chamamos essas particularidades de “Fricções”.
O conceito de Fricção foi amplamente descrito por Clausewitz, General do Reino da Prússia no final do século XVIII, início do século XIX. Ele escreveu um clássico sobre estratégia de guerra chamado “Da Guerra” (Vom Kriege, no idioma original, mas que foi traduzido para diversas línguas), onde dedica um capítulo para descrever o que seriam essas fricções que tanto interferem no resultado das batalhas e que devem ser encaradas com seriedade pelo comandante de uma força militar.
Em resumo, fricção é o que distingue a guerra no papel da guerra de verdade. É a diferença entre pensar e fazer. Só consegue compreender o valor de considerar as fricções em um planejamento, aqueles que possuem experiência com elas. Na época em que o livro foi escrito, uma das fricções que mais atrapalhavam os resultados das batalhas era o tempo. Para quem nunca esteve em uma batalha não seria simples de entender o quanto uma chuva podia mudar o resultado de uma guerra, mas quem vivenciou as fricções e deu a devida importância a elas, esteve em vantagem na batalha. Será que esses conceitos de guerra do início do século XIX servem para analisar e criticar as formas de operar e de treinar para atuação tática nas demandas de segurança pública atuais?
Fricções de Guerra no cenário atual da segurança pública
A resposta é sim. Os tipos de fricções mudaram, entretanto, continuam sendo de extrema importância para uma intervenção eficiente na resolução de conflitos, execução de operações policiais e sobrevivência no confronto armado. Quem nunca esteve envolvido em operações policiais de alto risco não compreende com facilidade a importância de ter um objetivo de missão bem definido, comunicação eficiente, realizar checagem de abandono, briefing detalhado, estar preparado para lidar com alterações no plano e compreender o que é sucesso e o que é fracasso no ambiente operacional.
Quem elabora planos complexos para uma ação operacional, geralmente, é quem possui pouca experiência nisso (deveria ser o contrário, lógico). O treinamento deve proporcionar ao máximo a aproximação do operador com o maior número possível de fricções, objetivando o fortalecimento de mapas mentais eficientes, que provoquem uma resposta mais rápida do operador, diante da situação inusitada. Ninguém treina a possibilidade de escorregar, de não conseguir romper o cadeado para a entrada tática, da comunicação falhar de maneira repentina. O treinamento precisa ser próximo da realidade.
Fricções e fixação tática
Quando o operador não sabe lidar direito com as fricções, ele pode acabar entrando no que o autor Gary Klugiewicz chama de “Fixação tática” (Grossman, On Combat, 2017, p 104), que é quando nosso cognitivo esbarra com um problema, mas não tem capacidade de resolver de outra forma que não seja a que já tentou e não funcionou.
Exemplo: um membro da equipe tática, responsável por fazer a abertura de uma porta com aríete, entende que o plano é bater o mais forte possível em um ponto e então provocar a abertura da porta. Entretanto, Quando começa ele percebe que a porta possui uma série de treliças de contenção, além de ser feita de um material extremamente resistente, ou seja, não será possível provocar a abertura da porta com aquele aríete. Mesmo assim, o operador continua batendo indefinidamente, sem nem ao menos variar a posição do ataque.
Isso ocorre pelo fato de que, no momento de tensão, segundo o autor, perdemos boa parte da capacidade adaptativa para traçar outros planejamentos e propor uma nova solução para o problema. Como não foi considerada a possibilidade de a porta não abrir, o operador não consegue se afastar da ideia que foi treinada ou decidida antes de operação.
Você já parou para pensar que as barras antipânico da saída de emergência do cinema são feitas dessa maneira pelo mesmo motivo?
Fricções de guerra e o treinamento tático
Com relação ao treinamento, as instituições falham frequentemente em não conseguir oferecer o ambiente de instrução mais próximo possível da realidade, seja por questões logísticas e de baixo investimento, ou para garantir a segurança da instrução, já que o ambiente operacional real é extremamente arriscado. Algumas situações são até mais fáceis de contornar, como o treinamento em casas mobiliadas ao invés de casas vazias de instrução. O treinamento com uso de airsoft ou paintball são soluções que também fornecem uma experiência mais rica em termos de fricção e proporcionam melhor aprendizado e em menor tempo, devido à importância da “Inoculação de estresse” para o aprendizado tático. Nos próximos artigos, falarei melhor sobre metodologias específicas para aproximar o conceito de fricção de guerra ao treinamento com armas de fogo.