Nesta semana estava assistindo a mais um vídeo do excelente canal IV 8888 no YouTube, um dos melhores quanto se trata de testes de novas armas, miras telescópicas, munições e diversos outros assuntos relacionados ao mundo das armas de fogo. O vídeo era intitulado “Ammo for begginers: FMJ X Hollowpoint” (Munição para iniciantes: encamisada total ogival x ponta oca) e pode ser visto neste link: https://www.youtube.com/watch?v=R_o3vZGYxs8
Sem embargo dos ótimos vídeos do canal, infelizmente neste o “apresentador” Eric disse algumas coisas com as quais não posso concordar e gostaria de compartilhar com os seguidores do INFOARMAS.
Em resumo, Eric asseverou no vídeo que as munições FMJ (ETOG no Brasil) servem apenas para “furar papel”, dando a entender claramente que são menos letais do que as de ponta oca -JHP (EXPO no Brasil). Como base para seu argumento, afirma que as JHP causam danos pela “cavidade temporária”, como visto nos efeitos vistos em gelatina balística.
Meus amigos, às vezes esquecemos que o CORPO HUMANO NÃO É FEITO DE GELATINA BALÍSTICA! O efeito “plástico” obtido quando os projéteis são disparados contra esse meio, ou mesmo plastilina ou garrafas pet, não refletem o que acontece quando um ser humano real é atingido! A gelatina balística foi criada para que fosse obtido um MEIO PADRONIZADO PARA TESTE, tendo em vista que não haveria voluntários humanos para tais procedimentos (!!!).
O argumento dado por Eric é totalmente falso, à luz da melhor doutrina de balística terminal disponível. Um projétil de arma curta não consegue acelerar a velocidades suficientes para causar uma cavidade temporária significativa, capaz de causar danos a tecidos/órgãos não diretamente atingidos. Nesse sentido, sugiro a leitura do clássico GUNSHOT WOUNDS (DIMAIO), BALÍSTICA APLICADA AOS LOCAIS DE CRIME (do irmão JOAO BOSCO SILVINO JUNIOR), bem como do capítulo escrito pelo inigualável DOC MANIGLIA em nosso livro BALÍSTICA PARA PROFISSIONAIS DO DIREITO.
Num resumo quase obsceno, os fatores determinantes para a velocidade de incapacitação de um alvo humano são três, em ordem de importância: localização da lesão, penetração e diâmetro da lesão. Fica bastante claro que um projétil de ponta oca só apresentará alguma, melhora de performance no último quesito e se, somente se, conseguir expandir de forma adequada, o que é algo um tanto aleatório quando analisamos munições nacionais.
Ao fim e ao cabo, sairá vitorioso do confronto armado quem conseguir ACERTAR OS TIROS, O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL, COM PROJÉTEIS QUE TENHAM PENETRAÇÃO SUFICIENTE PARA ATINGIR GRANDES ÓRGÃOS E GRANDES VASOS, para que seja obtida a incapacitação pelo choque hipovolêmico.
Mas, João, e os efeitos colaterais? Ora, se um policial treinado nos EUA erra cerca de 80% de seus tiros num confronto, a preocupação é os disparos que ACERTARAM o alvo? Ademais, um projétil de arma curta que atravesse o centro de massa de um ser humano dificilmente vai ter velocidade suficiente, ao deixar o corpo do agressor, para causar lesões graves em um improvável transeunte.
Como diria SWEENEY, no excelente “Choosing handgun ammo”, o tipo de ogiva não faz qualquer diferença na grande maioria dos casos. A precisão dos disparos (shot placement) tem importância exponencialmente superior em relação design do projétil empregado pelo atirador.
Não se esqueça de outros fatores envolvidos: munições FMJ são geralmente de carregamento mais confiável, especialmente em armas longas, apresentam menor potencial para panes, têm comportamento mais padronizado, não tendem à separação de jaqueta/núcleo, atravessam barreiras intermediárias e vestimentas com mais facilidade e, ainda assim, são mais baratas!
Temos urgentemente que parar de acreditar em projéteis mágicos, paradores de homens! Não é exagero dizer que o “endeusamento” das munições de ponta oca no Brasil se deve a estratégias de marketing, já que a munição “com excelente poder de parada” pode custar o triplo da munição ogival.
Eric traz como exemplos de munições JHP a Hornady Critical Duty, a Speer Gold Dot e a Federal HST. Todas as citadas são munições EXCELENTES, com comportamento idêntico mesmo com diferentes barreiras, que conseguem penetrar E expandir de forma adequada. Se pudesse, usaria qualquer uma dessas como “munição de defesa”, dada sua extrema confiabilidade e padronização de performance. Contudo, algumas munições nacionais podem apresentar resultados imprevisíveis, com falha de expansão, como se vê na foto do laboratório balístico da Lucky Gunner (cartucho CBC BONDED, 124 gr). Segundo esta fonte, não houve qualquer expansão dos projéteis e hiperpenetração (média de 26,5″), tal qual seria esperado de um cartucho ETOG.

Em resumo, use uma munição que seja confiável em sua arma e treine, muito! Não lave seus cartuchos, não passe esmalte (abraço ao Bedran!) e não intercale tipos diferentes no carregador!
Desapegue de “+P ou +P+?”, “copper ou gold?”, “x ou y?” Restará em pé aquele que estava atento, soube escolher o momento certo de reagir, conseguiu sacar e efetuar disparos rápidos e precisos! Tipo de projétil é totalmente secundário neste cenário. Lembre-se: nem sempre o mais caro é melhor!