Desde a invenção do cartucho metálico moderno, no final do século XIX, as forças armadas dos EUA já empregaram diversos calibres nominais, como o .45-70 GVT, o .30-40 Krag, o .30-06 Springfield, o 7,62 x 51 mm e o 5,56 x 45 mm.
Desses, o mais longevo certamente foi o 5,56 x 45 mm, que nesse ano de 2022 completa 55 anos de emprego ininterrupto em combate, tendo tido sua estreia operacional nos campos de batalha das selvas do Vietnã, em 1967.
Apesar de ainda estar em amplo uso militar em todo o Ocidente, como calibre padrão da OTAN, o 5,56 x 45 mm enfrenta diversas críticas de “baixa efetividade”, notadamente após o conflito no Afeganistão pós-ataques de 11 de setembro, em que se notou uma maior distância de engajamento, através do terreno montanhoso do país.
A explicação para as críticas passam, necessariamente, pela análise da diminuição do tamanho de cano da plataforma M16/M4 (de 20″ para 14,5″) e utilização de munições com “neck” de lesão longo, como a SS109, como já explicado pelo mestre Doc Maniglia em diversas oportunidades e no nosso livro “Balística para Profissionais do Direito”.
Fato é que desde aproximadamente o início dos anos 2000 o Exército americano, através do US Army Markmanship Unit e US Special Operations Command, vem procurando uma opção viável para a substituição do 5,56 x 45 mm e também da plataforma M16/M4. Pode-se dizer que o fuzil de asssalto atualmente em uso já acusa sinais de que atingiu o final de sua vida operacional, em especial pela existência de novos sistemas de ciclagem mais confiáveis e que exigem menos manutenção (como o short stroke piston) e também pela impossibilidade de troca rápida do cano/calibre pelo operador, que pode se traduzir em vantagem tática decisiva, conforme as necessidades de cada missão.
Um calibre que parecia promissor era o 6,8 mm SPC (Special Purpose Cartridge), desenvolvido pela Remington em 2002-2004. O novo cartucho prometia performance superior ao 5,56 x 45 mm, mesmo em canos mais curtos, utilizando projéteis mais pesados (na casa de 115 gr) e uma energia na boca do cano superior a 2.000 J, entregando 44% mais energia a uma distância de 100 a 300 m. Contudo, demonstrou-se que o novo conjunto não tinha a performance adequada em distâncias mais longas de engajamento, como as vistas no Afeganistão, e o projeto acabou caindo no ostracismo.
Em 2017, o US Army iniciou um novo processo de procurement para seu programa denominado NGSW (next generation squad weapon- arma de esquadrão de próxima geração), até por pressão do próprio Congresso americano, que em 2010 iniciou uma espécie de “CPI” para investigar a performance do M4/M16. Os custos do NGSW foram estimados em US$ 160.000.000,00 para os dois primeiros anos e em US$ 4,5 bilhões nos próximos 10 anos.
Os requisitos da nova plataforma eram bastante específicos, tendo por objetivo ampliar o raio de letalidade do armamento, empregando um cartucho com maior calibre real. Os protótipos enviados para as avaliações deveriam, ao menos inicialmente, substituir os M16/M4 como armamento individual, a M249 como SAW (squad automatic weapon), ambos em 5,56 x 45 mm, e a metralhadora média M240-L (em 7,62 x 51 mm).
Ao final de exaustivos testes, três soluções restaram finalistas, apresentadas pela Textron (que desenvolveu o projeto mais inovador, com gatilho eletro-mecânico e munição do tipo caseless), pela General Dynamics (com cartucho de polímero e fuzil estilo bullpup) e pela SIG SAUER (com uma versão do MCX Spear). A FN America e a PCP Tactical foram desclassificadas no decorrer das avaliações.
Em 2022, restou anunciado que a proposta da SIG SAUER se sagrou campeã do processo, com o XM-5 como fuzil de assalto e a XM-250 como metralhadora leve, ambos no novo calibre 6,8 x 51 mm, com cartucho de composição híbrida. Ao final, o US Army optou por não substituir a metralhadora M240, ao menos por enquanto. Até outubro de 2023, o exército americano receberá cerca de 16.000 XM-5 e 1.700 XM-250. Nesse ínterim, enquanto o processo de transição está em andamento, os serviços de suporte, não combatentes, continuarão a operar os antigos M16/M4.
O inovador 6,8 x 51 mm escolhido tem um design patenteado pela Sig Sauer e emprega um estojo compósito, em que a cabeça (local que suporta os maiores níveis de pressão, na base do cartucho) é composta de aço inoxidável, com o resto do corpo em latão. A solução permitiu um aumento de energia de 50%, com diminuição do peso em 20%.
O novo calibre gera uma pressão de câmara nunca antes vista em armas portáteis (na casa de 80.000 PSI), praticamente 50% a mais do que da desenvolvida pelo 5,56 x 45 mm. Os níveis de pressão se justificam para que fosse alcançada a velocidade de boca de cano exigida pelo US Army, na casa de 2.900 fps, com energia cinética na casa de 3.500 J, empregando projéteis de 130/140 gr.
Os contratos para a produção da munição foram concedidos à Winchester, que realizará a fabricação dos novos cartuchos na Lake City Army Ammunition Plant, situada no Missouri, uma das maiores plantas para a manufatura de calibres de armas leves do mundo, com produção na casa de 2 bilhões de munições por ano.
No mercado civil americano está disponível a versão padronizada pela SAAMI em 2020, designada .277 Fury. Algumas versões do cartucho, destinadas à caça, não apresentam o estojo compósito, mas construído inteiramente em latão. A SIG alega que o .277 Fury apresenta performance superior ao 6,5 Creedmoore, com queda reduzida do projétil a 1000 yd (entre 1,8 a 2,8 m de diferença), mas entregando 20-25% mais energia.
As armas que serão entregues virão dotadas de mira optrônica Romeo 9, mas se encontra na fase de testes um novo sistema de controle de fogo (fire control unit) computadorizado, desenvolvido pela Vortex, a XM-157, com ampliação de 1-8X. A combinação do XM-5 com o sistema de aquisição de alvos ampliaria, em tese, o alcance operacional para cerca de 800 m, cerca de 300 m a mais do que seria factível para um infante russo (com um AK-12) ou chinês (com um QBZ-191). O novo sistema balístico da mira já possui um range finder (telêmetro) embutido, bem como sensores de variáveis atmosféricas, como umidade do ar e temperatura, permitindo ajustes automáticos pelo operador ao atirar.
De todo o exposto, pode-se inferir que o US Army adentra o século XXI com um novo armamento de emprego geral, mais moderno, eficiente, confiável e construído a partir das inovações mais recentes da indústria bélica mundial, apto a fazer frente aos novos desafios militares que se aproximam.
Com informações de task & purpose, garand thumb, refactor tatical e Paulo Bedran.