Autores
Willian Marinho Dourado Coelho*; João da Cunha Neto; Marcelo da Silva Zompero
Em 1876, Cesare Lombroso publicou sua obra mais famosa denominada “O homem delinquente”, defendendo a hipótese de que existe uma predisposição biológica do indivíduo à conduta anti-social e que, o criminoso nato apresentava características anatômicas que o definiam previamente conforme se observa na imagem abaixo:
A verdade é que os transtornos psiquiátricos estão associados à múltiplos fatores e, a manifestação fenotípica do medo e agressividade (que são o foco desta matéria) estão atrelados ao indivíduo devido à sua constituição genética, alterações hormonais na síntese de neurotransmissores e a integridade anatômica e funcional do sistema nervoso. Sabe-se, porém, que muitas outras causas, incluindo a exposição a condições ambientais de risco, como as infecções, podem contribuir para a ocorrência de doenças mentais 6,11,12.
“os mecanismos epigenéticos oferecem um link plausível entre o ambiente e alterações na expressão genética que podem conduzir aos fenótipos de doença” (Jirtle & Skiner, 2007)
Dentre estes múltiplos fatores que influenciam, ou que determinam a conduta violenta está a toxoplasmose. Ocorre que, pessoas e animais infectados pelo Toxoplasma gondii podem apresentar mudanças marcantes no comportamento. Um exemplo dessas alterações pode ser notado em roedores infectados com T. gondii que “perdem o medo” dos gatos com uma marcante redução em sua aversão inata ao odor de gato, inclusive demonstrando uma preferência pelas áreas onde há o odor de gato, tendo como resultado uma “atração pelo felino”, com resultado potencialmente fatal para os roedores 8,11,16,17,18.
Mudanças no comportamento de animaise humanos devido à infecção pelo T. gondii têm sido amplamente relatadas por pesquisadores em todo o mundo. Na literatura científica consta diversos casos de transtornos psiquiátricos associados a humanos soropositivos para T. gondii, destacando-se esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar e psicose. Tais alterações comportamentais e de personalidade na infecção pelo T. gondii ocorrem principalmente devido a alterações nas concentrações de dopamina e serotonina no tecido cerebral 4,7,9,13. Nossa equipe de pesquisadores detectou a ocorrência de transtornos psiquiátricos crônicos em uma idosa, soropositiva para T. gondii e com formação de calcificação no lobo temporal esquerdo. A paciente de 65 anos foi diagnosticada com transtorno depressivo e pânico sem causa aparente, após episódio de infecção por dengue hemorrágica. Manifestações de medo, cansaço, mal-estar, queixas somáticas diversas, desrealização, despersonalização, necessidade de uso de antidepressivos, isolamento, inquietação, agressividade (grifou-se) e sensação de morte são alguns dos sintomas relatados pela paciente.
Esta modulação causada pelo parasita no sistema nervoso resulta numa verdadeira manipulação comportamental ficando evidente que, nos casos de infecção crônica latente, a neurotoxoplasmose está relacionada à violência autodirigida, traços de agressividade, e impulsividade inclusive em adultos psiquiatricamente saudáveis5.
Corroborando estes estudos, além de ocorrer um aumento expressivo nos graus de impulsividade e de agressividade nos humanos portadores de toxoplasmose crônica3,5,14,15, observa-se aumento expressivo dos casos de violência doméstica e tendência suicida15. Neste mesmo contexto, pessoas portadoras de neurotoxoplasmose tendem a se envolver com maior frequência em acidentes e violências no trânsito10.
Em um estudo conduzido por Neibuhr et al. (2007), foi observado que existe uma forte correlação entre T. gondii e esquizofrenia e depressão registrada em soldados. Ainda, numa pesquisa realizada em 20 países do continente europeu elucidou que a neurotoxoplasmose está diretamente associada a elevação nos índices de homicídio, suicídio e de maus tratos às crianças 13,17,19,20.
Quanto aos homicídios, Thornhill & Fincher (2011) observaram predominância dos assassinatos praticados por homens contra suas parceiras femininas, provavelmente devido à necessidade de assegurar a paternidade de filhos em potencial. Tal evento pode aumentar a probabilidade de infecção congênita e sustentar a infecção pelo T. gondii nas novas gerações, especialmente induzindo casos de promiscuidade sexual, assegurando a dispersão do patógeno21. Estes pesquisadores também encontraram uma forte relação positiva entre o estresse causado pelo parasita e o homicídio infantil por meio de abuso e negligência por cuidadores não aparentados, o homicídio causado por homens contra mulheres e o homicídio pela honra masculina5,6,7,15,17 .
Bick (2007) e Alvarado-Esquivel et al. (2014) observaram que a soroprevalência para T. gondii é maior entre presidiários quando comparado com a população geral, particularmente naqueles com comportamento mais agressivo. Divergindo desses resultados, Rocha-Sallais et al. (2023) sugerem em seus estudos que não houve associação entre a toxoplasmose e a violência, sendo necessário investigar outras possíveis causas na gênese da violência.
A biologia está diretamente relacionada com a prática criminosa e, o crime tende a estar interligado com a ocorrência de transtornos mentais, ou seja, o fenótipo violento é contumaz em portadores de transtorno esquizofrênico, bipolar e que, estão associados ao comportamento homicida19,20. A toxoplasmose crônica parece estar associada a esquizofrenia e à outros transtornos psiquiátricos capazes de desencadear distúrbios mentais que, posteriormente, acarretam em mudanças de comportamento e à criminalidade , estando assim a neurotoxoplasmose e a violência interpessoal fortemente correlacionados.
Prof. Pós Doutor Willian Marinho Dourado Coelho
Médico Veterinário (Patologista) – CRMV-SP 22.512
Técnico de Polícia Ostensiva e de Preservação da Ordem Pública pela Polícia Militar Rodoviária do Estado de São Paulo (PMRv – SP).
Graduação em Medicina Veterinária pela Faculdade de Ciências Agrárias de Andradina (FEA-FCAA).
Mestrado em Ciência Animal pela Universidade Estadual Paulista – campus de Araçatuba (UNESP-FMVA).
Doutorado em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual Paulista – campus de Jaboticabal (UNESP-FCAV).
Pós-Doutorado pelo Departamento de Apoio, Produção e Saúde Animal da Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba (UNESP) e Laboratório de Informática Visual, Biomédica e Saúde do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Pós-Doutorado pelo Departamento de Biologia e Zootecnia da Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira (UNESP).
Pós-Graduação em Oncologia pela Faculdade Unyleya.
Pós-Graduação em Zoonoses e Saúde Pública pela Faculdade Unyleya.
Pós-Graduação em Investigação Forense e Perícia Criminal. Faculdade UNIABEU.
Responsável técnico do Departamento de Patologia, Biotério, Laboratório de Análises Clínicas, Microbiologia e Parasitologia do Hospital Veterinário de Andradina-SP.
Diretor do Hospital Veterinário da Faculdade de Ciências Agrárias de Andradina – SP
Referências bibliográficas
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