O porte abacaxi tem que acabar!
Sim, esse título é um Click Bait e provavelmente vai funcionar! De agora em diante, cabe a mim, como escritor, te cativar a continuar lendo até o final.
Mas a verdade é que essa não é a primeira vez que eu proclamo essa frase em público. Eu sempre falo nos meus vídeos que eu sou contra o Porte de Trânsito porque eu acho, essa, a pior solução legal pra o problema da efetiva necessidade de porte de arma para defesa pessoal para quem exerce as atividades como CAC. Eu chamo o porte abacaxi de “a solução do legislador covarde”. É covarde porque ele SABE que o CAC precisa, mas não tem coragem de fazer do jeito certo.
Mas vamos aos dois problemas do porte abacaxi:
1 – A insegurança jurídica – CACs vêm sendo presos diariamente, sendo subjugados, humilhados em delegacias de polícia e sendo forçados a responder criminalmente a duros e caríssimos processos penais, o que está gerando toda uma bagunça jurídica, além de rasgar o tecido social jogando a classe de CACs e a classe de policiais uns contra os outros.
2 – A questão técnica – Não há nenhum tipo de compromisso com a técnica da pessoa que ganha o direito de portar “no abacaxi” – ainda que essa autorização seja válida apenas durante o deslocamento para competições e treinamentos. Ao tirar o CR, o CAC iniciante passou apenas pelo teste para POSSE de arma. Já o PORTE no SINARM depende de aprovação em um teste de capacidade técnica bem mais complexo, que de fato atesta uma capacidade técnica razoável.
Só que AINDA vivemos em um estado democrático de direito! E uma vez escrito em um decreto que tem peso de LEI, o porte de trânsito deve ser respeitado pelas autoridades quer elas gostem ou não.
Para todos os efeitos e debates levantados neste texto, vou ignorar os casos de prisões onde o conduzido claramente cometia crimes adjacentes com a arma de fogo e vou focar apenas nos casos onde a condução ou eventual prisão do CAC beira a ilegalidade, ou seja, o conduzido estava, de fato, em deslocamento legítimo para treinos e competições.
O mais recente folclore que vem se tornando cada vez mais popular nos discursos de policiais militares, civis e até mesmo CACs em todo o Brasil é que os CACs estão sendo presos porque estão “fora do trajeto”.
Ora, pois, vamos à letra do decreto 9846:
Art. 5º.(…)
§ 3º Os colecionadores, os atiradores e os caçadores poderão portar uma arma de fogo curta municiada, alimentada e carregada, pertencente a seu acervo cadastrado no Sinarm ou no Sigma, conforme o caso, sempre que estiverem em deslocamento para treinamento ou participação em competições, por meio da apresentação do Certificado de Registro de Colecionador, Atirador e Caçador, do Certificado de Registro de Arma de Fogo e da Guia de Tráfego válidos.
Pergunto aos adeptos desse folclore onde está a palavra TRAJETO no texto da lei? Não há sequer a indicação de ponto de partida ou ponto de destino. O que vale é o DESLOCAMENTO. Deslocamento, este, que pode ser feito de acordo com a conveniência do atirador, em qualquer horário, para qualquer clube do país, usando quaisquer meios de transporte e passando pelo caminho que o atleta achar mais pertinente.
Ao cidadão comum, em um Estado Democrático de Direito, tudo o que não é proibido, é permitido. Então, SIM, se ele pretende treinar ou competir e saiu de casa portando sua arma, ele pode parar para comer, para ir ao banheiro, para passar no seu local de trabalho, para abastecer o carro, para dar carona pra sogra, e o que mais ele quiser.
As restrições ao exercício de qualquer porte de arma de fogo estão previstas no decreto 9847/2019:
Art. 20. O titular de porte de arma de fogo para defesa pessoal concedido nos termos do disposto no art. 10 da Lei nº 10.826, de 2003, não poderá conduzi-la ostensivamente ou com ela adentrar ou permanecer em locais públicos, tais como igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, agências bancárias ou outros locais onde haja aglomeração de pessoas em decorrência de eventos de qualquer natureza.
Mas e o CAC que usa do porte de trânsito para andar com sua arma pra cima e pra baixo todo dia, sem estar indo para treinamentos e competições?
Bom, para estes casos, o decreto 10.030 é bastante claro.
Art. 111 – São infrações administrativas às normas de fiscalização:
(…)
X – portar ou ceder arma de fogo constante de acervo de colecionador, atirador desportivo ou caçador para segurança pessoal;
E a sanção para este comportamento está prevista logo abaixo:
Art. 120. As infrações administrativas cometidas com arma de fogo (…) serão consideradas faltas graves.
(…)
Art. 122.(…)
III – a multa simples máxima será aplicada (…) quando a falta for grave
E a multa simples máxima é definida no Anexo IV pelo valor de R$ 2.000,00. Na reincidência, o autuado perderá o CR.
Portanto, o CAC pode, inclusive, deliberar usar sua arma para defesa pessoal todos os dias, se ele entender que vale o risco de responder pela infração administrativa prevista nos termos da lei. É errado, mas é um direito dele que não está sendo respeitado.
Se em uma abordagem o policial encontrar evidências de que o porte de trânsito está sendo usado de forma abusiva, na hipótese de não haver indício de cometimento de crime adjacente com uso da arma de fogo, está evidenciado apenas a infração administrativa. A polícia deve lavrar o boletim de ocorrência e encaminhar ao Exército para instauração de processo administrativo.
Mas por que isso nem sempre acontece?
Por que cidadãos de bem, pagadores de impostos, que buscaram os caminhos legais para ter sua arma de fogo estão sendo conduzidos a delegacias, algemados, despidos e encarcerados como criminosos comuns? Por que estão tendo que responder a processos penais, tendo suas vidas e economias destruídas quando a legislação é tão cristalina?
Estaria a polícia está contra nós? Seriam casos isolados? Logo o policial que está cansado de ver bandido de verdade sair da delegacia antes dele… Logo quem sabe DE VERDADE que o sistema é podre… Logo quem, para nós, representa o que sobrou do “servir e proteger”?
A resposta provavelmente vai além do mero desconhecimento da lei por parte daqueles que a deveriam proteger. A resposta parece passar por ideologia, por ego e pela covardia de alguns indivíduos que estão na base do trabalho policial.
Como diz o César Mello, no Brasil, quando o assunto é ARMA, o Direito pula pela janela. Especialmente se a vítima da prisão ilegal for um CAC humilde, sem os recursos necessários para contratação de um bom advogado criminalista, provavelmente vamos ver o rito do processo penal sendo cumprido à risca. Igualzinho no concurso que o policial prestou! Ele vai seguir redondo até a condenação do cidadão.
O juiz que vai dar a sentença vai ser o mesmo GARANTISTA que passa o resto do dia aliviando a barra para um monte de bandido de verdade. E o policial de rua é justamente quem mais SABE disso.
Quero deixar claro que eu sou só um mero cidadão comum. A minha opinião não vale um milho de pipoca. Mas eu sei que para um cidadão que cumpre a lei, responder a um processo penal representa um caminho sem volta na vida dele. Destrói sua família. Já o vagabundo de verdade, só ganhará uma tatuagem nova e elevará sua moral junto à bandidagem.
Por isso, esse comportamento por parte do policial de rua precisa ser criticado. O policial, além de fazer o que é certo, deve cumprir o que está escrito.
Durante uma abordagem a um CAC, sem que haja denúncia ou evidência de cometimento de crime adjacente, o trabalho do patrulheiro deveria se encerrar quando aferida a documentação das armas e atestada a declaração do cidadão. Tendo, no carro, os elementos que embase o treino, a declaração do cidadão de que ele vai treinar deveria ser respeitada.
Se a lei não fala em trajeto, nem horário, acabou o trabalho do patrulheiro! E ele pode e DEVE liberar o cidadão abordado para siga seu caminho. Qualquer ação além desta será por motivação pessoal de intenção questionável. E não nos julguem, como cidadãos, se concluirmos ser por pura maldade. Especialmente quando multiplicam-se os relatos das vítimas das conduções ilegais de que tiveram que ouvir piadinhas e insinuações por parte dos policiais durante a abordagem.
- “você é polícia por acaso pra ficar andando armado?”
- “você quer fazer o nosso trabalho?”
Eu também tenho outra teoria de porque essa “guerra” entre CAC e Polícia está acontecendo…
Eu acredito que alguns policiais estão tão frustrados com o sentimento de enxugar gelo que vê no abacaxi do CAC a oportunidade de “ver a lei sendo cumprida”. Ou ao menos o que ele pensa ser a lei. Isso é triste. Mas o policial vê tanta coisa pervertida todo dia que fica com a visão turva. E com a informação distribuída e descentralizada na internet, as prisões ilegais de CACs serão AMPLAMENTE divulgadas e, assim, vamos aos poucos se esquecendo da camaradagem, da civilidade e do tratamento comunitário entre a polícia e uma sociedade saudável.
E o político adora ver o tecido social sendo rasgado!
Pelo lado dos defensores da segurança pública, muitos policiais dirão: “Eu só cumpro a lei, o delegado que tem que decidir”. “Eu não posso prevaricar”, “a lei que precisa mudar”.
Bom, vimos que a lei JÁ MUDOU e não está adiantando muito… E quando tem um maconheiro se drogando na principal praça da cidade, aí tudo bem prevaricar… Mas ainda que a legislação não estivesse suficientemente clara, vamos a uma breve análise moral desse tipo de pensamento.
O povo paga imposto pra ver a justiça e não “a lei sendo cumprida”. Toda ditadura perversa tinha um ordenamento jurídico.
Quando Getúlio Vargas rasgou a constituição em 1930, foram os policiais de São Paulo que se levantaram. Quando o Joe Biden rasgar a primeira e a segunda emenda americana, a população vai querer contar com o amparo de seus bravos policiais na resistência.
Eu até entendo o corporativismo dos amigos policiais… Acho feio defender esse tipo de “cumprimento da lei”, mas entendo. Não respeito, não me orgulho, mas entendo.
No entanto, ao ver um homem livre aplaudindo esse tipo de prisão, como eu já vi inúmeras vezes, sinto uma vergonha profunda! Por que diabos uma pessoa que está do lado de cá defenderia de tal forma tamanha violência descabida? É para externalizar “virtudes”? É para estufar o peito e dizer “que é mais CAC que os demais”? É para “pagar de cumpridor da lei”? É para “fazer amigos” na polícia? É para ofuscar as suas próprias infrações? Desejo muito que estes saiam dessa dissonância cognitiva e entendam que quando se cala diante de violações de direitos, você poderá ser a próxima vítima!
Que mundo é esse? Cadê o senso de justiça dessas pessoas? Onde vamos parar?
E é por estas e outras razões que eu defendo que o porte abacaxi tem que acabar.
Chamamos o porte de trânsito de ABACAXI porque ele é docinho, porém espinhoso. Resolve só parte do problema, nos coloca em risco o tempo todo. Divide quem deveria estar unido. As vezes é ácido demais…
Por isso eu defendo que: ou NOSSOS LEGISLADORES DEIXEM DE COVARDIA e reconheçam de forma definitiva a efetiva necessidade do CAC de portar uma arma para sua defesa em tempo integral, aos moldes do porte do SINARM; Ou que o bendito Porte de Trânsito seja respeitado pelas autoridades competentes pela fiscalização, seguindo à risca o que está na lei, para que, assim, esse porte deixe de ser um ABACAXI.