Um dos problemas relevantes na atuação policial é a identificação e positivação do alvo. Reconhecer corretamente uma ameaça pode ser a diferença entre a vida e a morte, entre estar livre ou preso e desempregado. A decisão errada tomada quando diante de uma ameaça real e letal certamente tem custos elevados para o policial, sua equipe e terceiros. Ainda, agir de forma letal contra o que se pensou erroneamente ser uma ameaça também tem alto preço pessoal e profissional. Um verdadeiro pesadelo.
O processo de identificar um suspeito como uma ameaça ou não recebe o nome de positivação da ameaça. Há, assim, ao menos quatro possibilidades relevantes:
Estar em falso positivo ou falso negativo tem consequências sérias para a atuação policial.
Assim, o processo de Tomada de Decisão diante de um suspeito é não apenas relevante, mas necessário. Compreender esse processo pode auxiliar nas variáveis que o impactam, maximizando as vantagens para o tomador de decisão. Neste sentido, o modelo talvez mais famoso – e controverso – é o Ciclo OODA: Observar, Orientar, Decidir e Agir.
Os Grandes “O”s do Ciclo OODA: Observar e Orientar
A história do Ciclo OODA remonta à Guerra da Coréia, ocorrida nos anos 50. Conta-se que os caças MiG-15 russos, embora tecnicamente superiores, amargavam inúmeras derrotas para os F-86 Sabre norte-americanos. Uma explicação foi apresentada pelo Coronel das Forças Armadas Norte-Americanas John Boyd.
Boyd argumentou que, embora inferiores em muitos aspectos, os caças ocidentais permitiam uma melhor visualização e observação. Isso por sua vez permitia que compreendessem melhor o cenário, tomassem decisões mais acertadas e antecipadas, e agissem melhor. De forma sistematizada, realizavam um Ciclo OODA antes dos inimigos.
Embora receba muitas críticas, sobretudo quanto à sua aplicabilidade à atividade policial – em especial quanto à fase de Decisão -, há aspectos bastante úteis. Uma tomada de decisão acertada passa pela Observação e Orientação. Ou seja, quem enxerga mais e melhor, compreendendo o contexto, tende a agir mais acertadamente e com antecedência.
Posição da arma e visualização do cenário
No cenário policial, as abordagens costumam ocorrer com a arma em punho. Em uma primeira análise, pode parecer que estar com o suspeito sob a mira da arma é uma decisão melhor, já que tende a diminuir o tempo de reação. Correto?
Mais ou menos.
Estar com a arma engajada diminui o campo de visualização do operador, sobretudo do principal: suas mãos! Uma expressão recorrente – e verdadeira – no ambiente policial é que o perigo vem das mãos. Sim, desde Davi, que utilizou suas habilidades manuais com a funda para neutralizar o gigante Golias, isso já era conhecido. Além disso, colocar a ameaça sob a mira da arma pode promover uma visão em túnel, retirando do policial o contexto e a capacidade de perceber o entorno corretamente.
Abaixar a arma pode então fornecer melhor percepção do contexto. Mas quanto? E a que custo?
Uma forma de avaliar isso é experimentando. E foi isso que Paul Taylor, da Universidade do Colorado Denver, nos EUA, fez. Taylor colocou mais de 300 policiais defronte um sistema de treinamento de arma de fogo. De forma aleatória, os policiais ficavam em uma posição com a arma:
- Posição Pronto Baixo, que consistia no policial segurando a arma na altura do umbigo, apontando para a tela;
- Posição Pronto Alta, com o policial segurando a arma na altura do esterno;
- Posição de Tiro (ou Engajado), com a arma alinhada com a tela.
Então, em determinado momento o suspeito rapidamente retiraria do bolso um aparelho de telefone ou uma arma, sem que o policial soubesse o que seria, devendo este responder conforme seu juízo.
Neste experimento não ocorreram casos de falso negativo. Ou seja, os policiais não deixaram de atirar quando deveriam. Quanto aos policiais que atiraram quando o suspeito sacou um telefone, os resultados sugeriram que foram muito inferiores os casos de falso positivo quando estavam em posição Pronto Baixo do que quando estavam Engajados (veja infográfico abaixo).
O estudo sugere que o processo de tomada de decisão com a arma em pronto baixo é mais assertivo que quando engajado. Mas isso tem um custo. O tempo de reação a partir da posição engajado foi de 0,51 segundos, em média. Por outro lado, o tempo de reação a partir da posição pronto baixo foi de 0,62 segundos. Ou seja, a posição pronto baixo teve um atraso médio na reação de 0,11 segundos a mais que a posição engajado . Isso é relevante?
Tempo de reação: ação é sempre mais rápida que reação
O tempo de reação é também um tema bastante recorrente no contexto policial. Em geral, os estudos são bem coerentes entre si neste aspecto, sinalizando que o tempo de reação é impactado pela complexidade do processo de tomada de decisão. Neste sentido, os estudos sobre o tema costumam ter três tipos de “desenhos” para aferir o tempo de reação:
- Tempo de reação simples: há apenas um estímulo e uma resposta;
- Tempo de reação de reconhecimento: há estímulos em que o participante deve responder, e outros em que deve ignorar;
- Tempo de reação de escolha: o participante deve dar uma resposta específica para um estímulo específico.
Com isso em mente, o pesquisador Pete Blair realizou o seguinte experimento: o policial inicia de costas para o suspeito, a uma distância de 10 pés. Quando se vira, o suspeito está com a arma apontada para a sua própria cabeça ou para o chão. O policial então verbaliza, mandado-o largar a arma. Em 1 de 5 vezes, o suspeito obedece. Nas demais, ele reage, vindo a atirar no policial. O policial, então, reage (veja infográfico abaixo).
Foram aferidos os tempos de ação e reação. No experimento, subtraídos os tempos de ação e reação, teve-se que os policiais reagiram antes de serem alvejados em 39% das vezes; os policiais foram alvejados antes em 49% das vezes; e houve empate em 12% das vezes.
Conclui-se então que, de certa forma, os décimos de segundos tomados pela escolha de posição diversa de engajado podem significar uma maior probabilidade de atirar na ameaça apenas após ela já ter disparado. Sim, é verdade. Todavia, a pergunta que sucede é: isso realmente importa?
Atirar décimos de segundos antes é realmente relevante?
Em todo caso, tem-se que as diferenças foram de décimos de segundos. Pode parecer que, como em um jogo, quem atirar primeiro vence o combate. Mas isso não é necessariamente verdade.
Primeiro que atirar e acertar são coisas diferentes. Acertar primeiro pode ser mais relevante que apenas atirar e errar. Segundo, e talvez mais importante, que acertar e incapacitar não são sinônimos. De forma alguma!
Ao que parece, as teorias de incapacitação por armas de fogo sugerem que é bastante improvável que a incapacitação por disparo de arma de fogo, em confronto aproximado, seja imediata. Sendo verdade, estes décimos talvez não tenham tanta importância na prática. É muito provável que, neste ínterim, mesmo atingido o agressor ainda consiga efetuar o pretendido – e possivelmente já iniciado – disparo.
Em se tratando de mecanismo de defesa, quando diante de uma ameaça armada a busca por abrigo talvez seja a providência mais urgente para a sobrevivência do policial.
Embora com alguma relevância, os décimos de tempo de reação não parecem ter muito significado prático em um confronto armado de curta distância. Acertar mais vezes, em locais mais relevantes, incapacitando antes, sim. Mas isso não necessariamente vai ocorrer nesta fração de tempo.
Conclusão
É possível que os décimos de segundo perdidos pela escolha de uma posição que não esteja engajando o suspeito não tenham consequências práticas relevantes quando necessária a incapacitação do suspeito. Por outro lado, a liberação do campo visual talvez forneça ganhos significativos na positivação da ameaça. Estas vantagens podem evitar decisões erradas, tornando mais improvável a ocorrência de falsos positivos ou negativos.
É possível ainda que os ganhos na tomada de decisão decorram do tempo extra da posição. Esse tempo pode ser suficiente para a leitura preliminar do cenário, auxiliando no processo. Sim, mesmo frações de segundo podem ser relevantes para a percepção humana, como sugerido por Malcom Gladwell no excelente Blink: a decisão num piscar de olhos (agradeço imensamente a indicação do Coronel Onivan).
Por fim, toda decisão sobre aspectos práticos e operacionais é precária e repleta de variáveis. Em última instância, o operador terá que avaliar o cenário, suas opções, e sua melhor alternativa. Mas os dados e a análise parecem ratificar o entendimento de que, em abordagens policiais, a utilização de posições “não engajadas”, seja de retenção, pronto baixo ou até pronto alto, podem oferecer algumas vantagens na observação do cenário e das mãos do suspeito.
E estas vantagens, por sua vez, podem significar a diferença entre estar vivo ou morto. Ou entre estar livre ou solto.
Pense nisso!