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Na execução do processo de autodefesa armada ou mesmo em um tiroteio policial, o operador encontrará múltiplos cenários e terá que os interpretar e agir de acordo com seu próprio entendimento, assumindo as consequências gerais do desfecho do enfrentamento. Isso torna-se bastante complexo.
Atirar em pessoas nunca será uma tarefa fácil e realmente é algo muito diferente do que podemos observar nas telas de cinema. No entanto, um bom operador deverá não somente identificar rapidamente a ameaça e acertá-la com eficácia, como também deverá saber ouvir e identificar a aproximação ou influência de algum outro oponente. Isso também não será uma tarefa simples, pois nessa ocasião o operador já estará submetido aos efeitos do estresse do combate. Todavia, o treinamento do operador deverá ser capaz de torná-lo apto para identificar, mesmo sob estresse, o ruído de um fechar de arma, o som do estampido e a intenção de criminosos.
O operador, por fim, deverá desenvolver a percepção de que poderá ser atacado de qualquer direção, pois caso não esteja pronto para combater e for surpreendido, provavelmente não conseguirá reagir com eficiência ou assim fará por puro instinto de sobrevivência, podendo, devido a surpresa sofrida e aos potencializadores do estresse, vir a acertar outros alvos (pessoas inocentes) ou outras coisas que não estavam o ameaçando.
Selecionando os alvos/oponentes
É dentro desse contexto que a denominação de “tiro instintivo”, usada por muito tempo nas modalidades defensivas, não deverá ser mais aplicada. Isso porque a palavra “instintiva” denota algo que o homem fará inconscientemente, apenas agindo pelo instinto natural, como, por exemplo, ao levantarmos os braços para nos protegermos quando é arremessado algum objeto em nossa direção. Pois nas atividades operacionais, o atirador já deverá estar consciente do que faz ou venha a fazer, mesmo antes de sacar a sua arma. É um estado de alerta permanente e constante que resultará em uma chance maior para a sobrevivência do operador e de inocentes ao redor do enfrentamento.
Em um caso concreto, por exemplo, se uma pessoa começar a gritar para um policial que vai matá-lo, o mesmo já deverá estar em um considerável nível de atenção ativado e se essa pessoa, agora uma provável ameaça, tentar colocar a mão no bolso para retirar algum objeto, o policial antecipadamente deve sacar a sua arma e apontar para o agressor com o dedo fora do gatilho. Entretanto, ao identificar que não se trata de uma arma de fogo, deverá verbalizar, fazendo com que o cidadão abandone o objeto e deixe de ser uma ameaça, tomando em seguida as medidas legais cabíveis. Será nesse contexto que pretendemos esclarecer melhor do que se trata o tiro dito “seletivo”.
“Quando existem alternativas, o cérebro considera os riscos e benefícios de uma em comparação com as chances de outra. Esse é um processo de decisão muito complexo e exige um esforço mental maior, porém a necessidade motiva o agir.”
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O ser humano pela sua própria natureza tem uma natural dificuldade de tomar decisões rápidas e precisas. Decidir nem sempre é tarefa fácil. No caminho entre a organização do pensamento e a tomada de decisão, o cérebro percorre muitas veredas. Inicia a caminhada considerando todas as alternativas, depois analisa a quantidade de informações, avalia custos e benefícios, faz um balanço das possibilidades e seus resultados e, por fim, elabora a decisão.
Ocorre que sempre que o operador sacar sua arma para se defender, naturalmente já deverá estar selecionando os alvos (ameaças) que deverá atingir e se preparando para outras ameaças que possam surgir. Os alvos, dentro da concepção defensiva e legal, serão atingidos apenas para que cessem a ameaça que disseminam; porém, com o desenvolvimento do combate e pelo instinto da sobrevivência, será natural que todos que sacarem alguma arma sejam alvejados pelo operador. Ainda, qualquer coisa que se movimente e represente uma ameaça para o mesmo, provavelmente também será alvo dos disparos. O problema é que em um combate urbano muitas vezes poderão surgir pessoas inocentes no meio do tiroteio ou pessoas assustadas que possam correr na direção do operador ou em qualquer outro azimute por total desorientação e estresse, sendo fatalmente confundidas com ameaças.
Tais percalços não permitirão que os operadores, por mais que estejam agindo em legítima defesa, justifiquem que acertaram uma pessoa inocente apenas porque aquela estava no lugar errado e na hora errada. Claro que dependendo da ocorrência isso pode até acontecer, porém, além das consequências jurídicas cabíveis e possíveis, o operador terá que conviver pelo resto de seus dias com a culpa de ter tirado a vida de outrem, ou incapacitado uma pessoa inocente, apenas pelo seu despreparo técnico, tático e emocional. Por isso, é essencial seguir e buscar o aperfeiçoamento e a contextualização das quatro regras de segurança, norteadores das atividades que envolvam treinamentos ou ações com arma de fogo: Considere toda e qualquer arma carregada; Nunca aponte a arma para algo ou alguém que realmente não queira acertar; Mantenha o dedo fora do gatilho e Certifique-se do seu alvo e do que está por trás dele.
O cenário pode piorar muito, evoluindo para outras situações como múltiplas ameaças, disparos dos oponentes na direção de inocentes, o oponente rendido passar a não obedecer as ordens do operador, pessoas não identificadas correrem em direção do operador, o oponente precisar de mais disparos para ser neutralizado, escassez de abrigo para que o operador possa se proteger, o próprio operador ser ferido, dentre infinitas hipóteses típicas do cenário de um combate urbano.
O tiro seletivo
O tiro seletivo, nesse contexto, ocorrerá quando o operador já está com a sua arma sacada e pronto para realizar, ou mesmo já disparando e realizando a sua defesa ou a de terceiros, porém por algum motivo identifica que aquele não é o momento ideal para disparar no(s) oponente (s). Nessa ocasião buscará encontrar uma oportunidade e agirá quando possível. Vamos a um exemplo prático:
Durante o desenrolar de uma tiroteio alguém é feito refém por um oponente. Como o operador já estava com a sua arma na mão combatendo (conferindo simultaneamente que não existem outras ameaças), apontará a arma para a ameaça ativa (cabe observar a importância da ocupação de um abrigo e a busca de outras ameças), mas percebe que não há segurança para disparar sem acertar o refém. Sendo assim, mantém a arma apontada para o oponente, dedo fora do gatilho, observando a ameaça por entre o aparelho de pontaria ou por cima da arma (dependendo do adestramento do atirador), sem descuidar de visão periférica e sempre em condições de apertar o gatilho com determinação para realizar múltiplos disparos, no intuito de incapacitar o oponente e cessar a agressão. Ao observar que o refém se abaixou, por exemplo, e corpo e cabeça do oponente encontram-se descobertos para serem acertados, resolve disparar. Ou seja, o operador seleciona o alvo e o momento para atirar, então se ao atirar perceber que a ameaça não foi cessada, consequentemente realizará outros disparos para atingir seu objetivo.
O exemplo retromencionado é apenas uma possibilidade do momento do tiro seletivo “dentro” de uma situação tática, pois o operador consequentemente poderá estar atirando automaticamente, quase instintivamente – mas sempre racionalizando as suas ações – e então ter que, com todo o efeito da adrenalina, parar, controlar a respiração, por vezes verbalizar com o oponente e ainda assim, se for o caso, atirar e ser eficiente, eficaz e preciso, vindo a neutralizar definitivamente seus oponentes ao selecionar 3(três) elementos fundamentais: como, onde e quando atirar.
A decisão salvará vidas
Pelas observações, fica claro que todo o sucesso de uma investida em um confronto armado deverá consubstancialmente estar diretamente ligado à atitude do operador e ao seu preparo técnico, tático e principalmente emocional. Essas ferramentas motoras e mentais, se bem racionalizadas, serão os fatores determinantes para a seleção dos alvos e consequentemente ao êxito da ação. No entanto, a emoção sempre prevalece em situações de extremo estresse, por isso a mesma precisa ser bem compreendida e previamente trabalhada.
Armando Freitas da Rocha, professor titular em neurociências pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) esclarece que a tomada de decisão tem tudo a ver com a avaliação do benefício esperado depois da ação. Se o benefício supera o risco, a ação está garantida. Agora, quando o risco e o benefício se equivalem, fica estabelecido o conflito e um inevitável adiamento da decisão. Quando existem alternativas, o cérebro considera os riscos e benefícios de uma em comparação com as chances de outra. Freitas conclui que “esse é um processo de decisão muito complexo e exige um esforço mental maior, porém a necessidade motiva o agir.”
Portanto selecionar quem vai viver ou morrer é uma árdua, sofrida, injusta e aventurada tarefa, mas não selecionar, pensar muito antes da ação ou mesmo selecionar alvos errado gerará uma profunda cicatriz (emocional, física e jurídica) no operador, isso se o mesmo ficar vivo, pois caso não sobreviva a cicatriz será para a sua família e essa cicatriz, além de incurável, é totalmente irreversível.