Beabadotiro por Luciano Lara
Não galera, eu não endoidei!
É isso que eu penso quando vejo os arautos do caos anunciando os limites do porte de trânsito aos novos CAC ou aos entusiastas do tiro, que “esse porte de trânsito é irrestrito, isento de revista e funciona como licença para matar” sem sequer precisar haver apuração dessa morte.
E não poderiam estar mais longe da verdade. E não sabem o quanto prejudicam a categoria.
O artigo aqui pode trazer informação que você não vai gostar de ler, ainda que esteja mais careca que eu de saber isso, e só me importa que você não seja preso indevidamente, ou se envolva numa situação complicada de besta ou bem-intencionado, mas mal instruído.
As informações que circulam sobre o porte de trânsito dão a impressão de que este é irrestrito no sentido de que não pode haver questionamento sobre o seu exercício, sendo uma prerrogativa inerente à categoria independente da situação, local, condição e uso. Balela!
Desinforma-se ainda que a fiscalização das forças policiais e do Exército não poderia ocorrer, ou teria forma educada e polida a se fazer sem ofender os CAC que já sofrem demais pra obter a Certificação, outra inverdade retumbante.
E por fim, na não almejada mas eventual necessidade de uso do armamento para a defesa, seja ela qual situação for, decorrente do natural direito de defesa do cidadão, isso ocorrendo a um CAC com porte de trânsito não pode levar sequer a instauração de procedimento investigatório pois onde já se viu investigar cidadão de bem que agiu em legítima defesa, como se fosse matemática a prova deste instituto (LD) e houvesse a licença para matar no Estatuto do CAC, criado pelos pseudo especialistas.
E com essas lendas circulando muitos entusiastas acabam recebendo como verdades absolutas impropérios sustentados por caçadores de likes e seguidores, pouco preocupados com sua liberdade e segurança e sem nenhum conhecimento da legislação brasileira sobre o tema.
Primeiro destaca-se que não existe porte de arma irrestrito no Brasil. PONTO!
Mesmo as forças policiais e agentes públicos com porte de arma funcional previsto em legislação própria tem inúmeras restrições ao exercício da prerrogativa legal de porte de arma, do que com muito maior razão o cidadão de bem que obtém uma autorização precária e provisória de porte de arma para defesa pessoal junto ao SINARM na Polícia Federal.
Disso a se falar do Porte de Trânsito do Decreto n. 9.846/19*, anteriormente previsto na Portaria Colog n. 28 do Exército Brasileiro, que tanta confusão causou com sua publicação em 2017, para sustentar que esse é porte de arma para defesa pessoal e pode ser usado bastando alargar a caracterização de transporte de acervo para treinamento e prova com embustes ou jeitinhos, é forçar uma exceção legal para uma situação em que, no mais das vezes, vai gerar, perante uma fiscalização ou ocorrência, inúmeros problemas desnecessários e evitáveis ao CAC.
Vamos a algumas verdades, não as minhas verdades mas a aplicação da legislação atual e situação da jurisprudência em casos envolvendo porte e CAC em ocorrências.
A regra atual, infelizmente, é expressa no art. 6º do Estatuto do Desarmamento, Lei n. 10.826/13 que diz: “É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria” e para determinadas categorias que elenca em seus incisos e parágrafos.
Nesse dispositivo legal houve previsão expressa, no inciso IX, que para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, seria permitido o porte de arma.
O cidadão inscrito no Cadastro de Registro do Exército Brasileiro (CR) com apostilamento de atividades de Colecionador, Atirador e/ou Caçador (CAC), sendo afiliado a uma entidade de desporto como necessidade para a obtenção deste certificado, ali estaria contemplado, basta a regulamentação dessa previsão.
Nesse mesmo malfadado Estatuto do Desarmamento, que gerou consulta popular que afirmou que 2/3 da população apoiavam as armas no país, está prevista ainda a figura do porte de trânsito, já destacando a quem cabe sua concessão, com negritos e grifos nossos:
Art. 9o Compete (…) ao Comando do Exército, nos termos do regulamento desta Lei, o registro e a concessão de porte de trânsito de arma de fogo para colecionadores, atiradores e caçadores (…).
Destaca a seguir o Estatuto a quem cabe a concessão de porte de arma:
Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm.
Só isso já bastaria para mostrar a diferença entre os “portes” e consequente diferença de fiscalização de sua utilização.
FISCALIZAÇÃO
Sendo o porte exceção e tendo havido quase 20 anos de desenvolvimento ideológico restritivo e criação de mensagem de que arma é coisa de bandido ou de cometimento de crime, ao que se adiciona um país em que há índices de criminalidade assustadores (também por culpa do desarmamento civil até então imperante ainda que arma para cidadão de bem não seja instrumento de segurança pública) fato é que estar armado gera preconceito, preocupação e estigma, não só pra tia fofoqueira da família mas também para o policial que te para numa fiscalização.
Acreditar que esse policial vendo uma arma ou ouvindo você dizer que está armado vai fazer com que ele fique mais calmo ou tranquilo é absurdo: quem está na pista e envolvido no combate a crimes e fiscalização, até por instinto de sobrevivência, ao saber de arma no fiscalizado/parado/autuado imediatamente liga o modo ALERTA dali pra frente.
Até que você efetivamente demonstre que é um policial, uma pessoa com prerrogativa para porte de arma, um cidadão de bem com porte de arma para defesa pessoal SINARM e/ou alguém em condição de uso de um porte de trânsito para a defesa do acervo, a esse policial você representa uma ameaça armada. E pior se seu veículo ou sua descrição estiver nas características de algum envolvido em crime e esperado por ali!
Saber disso e ter a tranquilidade de lidar com a necessária fiscalização/abordagem é além de sinal de educação também de maturidade de conhecer a nossa realidade, reconhecer como necessário o policiamento (não fosse necessário você não precisaria portar arma pra defesa do acervo) e agradecer o policiamento ostensivo e preventivo, esse sim capaz de realizar a segurança pública e de tirar bandidos e armas ilegais de circulação.
Assim, estando estabelecido por Lei que a autorização para o Porte de Arma é competência da PF pelo Sinarm, e a previsão do inciso IX, do artigo 6º, aos integrantes das entidades desportivas (clubes) não tendo sido regulamentada, resta entender o alcance do porte de trânsito (suas restrições) e porque ele não é a licença para matar do agente 007.
O Decreto n. 9.846/19, em seu artigo 5º, parágrafo 3º, assim descreve com negrito e grifo nossos:
§ 3º Os colecionadores, os atiradores e os caçadores poderão portar uma arma de fogo curta municiada, alimentada e carregada, pertencente a seu acervo cadastrado no Sinarm ou no Sigma, conforme o caso, sempre que estiverem em deslocamento para treinamento ou participação em competições, por meio da apresentação do Certificado de Registro de Colecionador, Atirador e Caçador, do Certificado de Registro de Arma de Fogo e da Guia de Tráfego válidos.
As atividades de Colecionamento, Tiro Desportivo e Caça envolvem a utilização de Produtos Controlados pelo Exército e todos que buscam a concessão do Certificado de Registro dessas atividades leram e assinaram um termo de responsabilidade de conservação e manutenção desses bens sob sua guarda.
Com o Porte de Trânsito, previsto desde a Lei n. 10.826/13, além de permitir para a defesa do acervo o porte de uma arma municiada, alimentada e carregada (denominação do sistema MAC), garantiu o Exército Brasileiro que, condicionado ao deslocamento para treinamento e atividade, poderia o CAC fazer valer-se de uma de suas armas para a garantia desses bens.
Proteção ao acervo em sua totalidade, em suma, inclusive portando arma para pronto uso para essa finalidade, arma registrada no SINARM ou no SIGMA desde que acompanhadas do CR, CRAF e Guia de Tráfego.
O itinerário/trajeto utilizado para ir ao clube/treino/prova não é uma linha reta nem ter que ser feito no menor tempo possível: posso viajar um dia antes para chegar ao destino e descansar, posso viajar/trafegar pela rota A ou B a minha livre escolha, desde que eu esteja efetivamente me deslocando para exercício de minhas atividades e, em caso de dúvida ou ocorrência, prove que isso está ocorrendo ou seja, demonstre a efetiva utilização do porte de trânsito.
CONSEQUÊNCIAS
No trajeto desde a sede do meu acervo até o clube de tiro eu acabo me envolvendo em situação de roubo do meu veículo onde parte do acervo está acondicionado sendo levado para treino/prova: por estar portando uma dessas armas, curta, de qualquer calibre, e dela vier a fazer uso para defender o acervo, mesmo sendo a arma utilizada no porte de trânsito a única arma do meu acervo, dela estou autorizado a me valer porque sabemos o quanto custa para um cidadão honesto adquirir, formalizar todo o registro e apostilamento necessário, seja tempo, seja dinheiro, para conseguir aquele bem.
E dessa utilização haverá investigação: não há como se imaginar o uso de uma arma como meio de defesa (do acervo ou não) e disparo dessa arma sem que uma investigação se siga, tanto na esfera policial como na administrativa do Exército, sob as circunstâncias daquela utilização e essa investigação é devida não só ao CAC mas a todos os que se utilizarem de uma arma.
Não sendo clara a legítima defesa praticada há probabilidade dessa situação gerar uma denúncia por parte do Ministério Público e o processo que se seguirá servirá para instruir judicialmente com as provas existentes aquela situação.
Lembre-se caro leitor que o artigo 111, inciso X, do Decreto n. 10.030/19 assim estabelece:
Art. 111. São infrações administrativas às normas de fiscalização: (…)
X – portar ou ceder arma de fogo constante de acervo de colecionador, atirador desportivo ou caçador para segurança pessoal;
O Exército não autoriza uso de arma do acervo CAC para defesa pessoal e PONTO!
São esses os resultados sempre prováveis decorrentes do uso de arma de fogo que menos que desrespeitar ou diminuir a condição do CAC, devem ser encaradas como certeza de consequência de uso de uma arma de fogo em situação de perigo: no mínimo haverá uma investigação.
E quem está agindo certo deve estar ciente das consequências de seus atos, dentre os quais o de ter a situação investigada e eventualmente processada, garantia também de quem está mal-intencionado dever pensar duas vezes e saber dos riscos da má utilização do armamento.
Fato é que não se pode com isso reclamar ser restrição ao porte de arma de fogo pelo cidadão de bem: ciência das consequências do ato significa maturidade e responsabilidade, qualidades necessárias a quem se dispõe a garantir, por suas próprias forças, a integridade de seus bens mais caros, com emprego de uma arma de fogo.
Não é o risco de vir a ser processado que deve ser o guia da sua necessidade de se defender, e sim a capacidade de resposta à ameaça e ciência da sua ocorrência – sair vivo e sobreviver é a questão.
Efetivar a paridade de armas, a equalização de forças e de oportunidades com os predadores/bandidos é luta de todos e que deve ser buscada com a efetivação de extensão do porte de arma para defesa pessoal (além da defesa do acervo) aos CAC mesmo porque mais expostos por quanto possuidores de Produtos Controlados pelo Exército (PCE) e conforme já prevê expressamente o Estatuto do Desarmamento (art. 6º, IX).
Mas essa defesa pessoal não é atribuição do Exército Brasileiro enquanto fiscalizador das atividades com PCE e sim da Polícia Federal através do Porte de Arma para Defesa Pessoal do SINARM, assunto pra um próximo artigo.
Amigos CAC, entusiastas e armamentistas, importante entendermos aonde estamos para conseguir estruturar até onde queremos e podemos avançar.
Não se iludam com falsas promessas e fantasias sobre o Porte de Trânsito para os CAC: esse é limitado a defesa do acervo, restrito ao deslocamento para treino e provas e não autoriza ninguém a sair atirando sem responder sequer a uma investigação. Nenhuma categoria ou função tem essa prerrogativa, exceto James Bond nos filmes ou seu personagem preferido no videogame.
No mundo real é um pouco diferente e é necessário um pouco mais de realidade para enfrentar assunto que a Lei estabelece ser exceção (é proibido, salvo!).
O erro em verdade está em não pretender ser de nenhumas dessas categorias específicas, nem atirador, nem colecionador muito menos caçador e sim se valer que aos CAC se garante porte para proteção do acervo no trajeto para desenvolvimento de suas atividades para buscar explorar o tal porte irrestrito inexistente, enraivecendo-se os espertões quando o embuste criado pra fugir da regra de proibição de porte não funciona: CAC não tem porte irrestrito e sim apenas de trânsito e CAC não tem porte para defesa pessoal ainda – essa é a dolorosa verdade e que muitos se negam a aceitar.
Não seja preso nem se envolva em problemas por conversa de desavisados ou mal-intencionados, respeite os limites estabelecidos de uma atividade absolutamente formal e regrada. Sempre sustentei desde a Portaria Colog-28 que o Porte de Trânsito seria um teste aos CAC para apuração da sua utilização e, os raros casos de abuso e práticas de crime por pessoas com Certificado de Registro, demonstram que a imensa e esmagadora maioria de cumpridores da lei reforçam ser efetiva e válida a sua utilização.
Requeiram um Porte de Arma para Defesa Pessoal do Sinarm/PF, o número de pedidos é ínfimo e se valer do indeferimento de alguns para justificar seu comodismo de sequer pretender obter o seu próprio é se esconder da responsabilidade ou se conformar com a situação.
Agora basta se regulamentar o disposto no Art. 6º, inciso IX, de modo a estabelecer: “entende-se efetiva necessidade para a obtenção de porte de arma junto a Polícia Federal ter qualquer das atividades CAC registradas.” e aí a discricionariedade para concessão da licença acabará sendo diminuída e bastará demonstração de todos os requisitos legais e aprovação nos testes para a obtenção de porte para defesa pessoal: restrito, suscetível a revista, fiscalização e cancelamento no caso de descumprimento de suas regras e dependente de averiguação plena quando de utilização efetiva – como qualquer outra categoria.
Não se engane ou se iluda, estão te vendendo jeitinho brasileiro para resolver assunto muito mais sério que o combo venda de título de clube de tiro + porte de arma + pistola com desconto divulgado em folder de rede social.
Fique vivo, não seja preso por conversa furada, dispara o like e até a próxima.
*Atualizado às 16h28m para constar Decreto 9846/19 no lugar de Resolução n. 8.476/19 grafada por erro material.