Durante algumas instruções ou interações com outros operadores percebo que muitas das técnicas aplicadas não são contextualizadas da forma correta, ou pior muitos aplicam a técnica sem saber o “Porquê” da sua prática. Considerando isto constatei que muitas dúvidas e críticas surgem quanto ao procedimento de recoldrear a arma ou recolocá-la no coldre, em especial ao fato de olharmos para o coldre ao fazê-lo.
Vamos entender alguns pontos importantes antes de realizarmos um juízo de valor a respeito. Lá se vão dez centavos de contribuição…
Do ponto de vista operacional entende-se que se arma está sendo recoldreada é porque as ameaças estão neutralizadas ou controladas, caso contrário, não seria prudente guardar a arma sem ter um ambiente estéril, controlado ou seguro. No caso do controle de suspeitos, tomando a algemação como exemplo, a cobertura é feita pelo parceiro ou através da utilização de técnicas de controle de suspeitos que podem garantir um tempo de resposta ou ação retardadora para o suspeito. Desta maneira podemos entender que a arma só vai para o coldre quando não existem ameaças primárias ou secundárias no cenário, não sendo necessário mantê-la em mãos, mas no coldre.
Agora analisando do ponto de vista do Comportamento Psicomotor que estuda de que maneira seu cérebro, sistema muscular e sistema nervoso(central e periférico) se desenvolvem e se ajustam a fim de melhorar seu controle e coordenação, podemos considerar que colocar a sua arma no coldre é um movimento de precisão fina, exigindo precisão e rapidez, porém algumas habilidades motoras exigem uma coordenação motora fina, a qual é prejudicada devido aos efeitos fisiológicos do estresse relativos a situações de risco ou combate, conhecido como Síndrome Geral de Adaptação. Desta forma nossa habilidade motora fina é reduzida e algo que era possível nos treinos já não pode ser replicado na vida real, por este motivo damos maior consistência a técnica quando ela é alinhada à realidade.
Retomando o raciocínio quanto a habilidade de recoldrear a arma, entende-se que possuir uma habilidade motora fina por si só não será suficiente, mas o acompanhamento da visão na execução do movimento, ou seja uma coordenação óculo manual a fim que a arma encontre seu destino correto e preciso. Obviamente que com muito treinamento poderemos trabalhar com a propriocepção e nossa consciência situacional para executar esta habilidade sem ser necessário olhar para o coldre antes de recoldrear a arma, porém vale lembrar que a Lei de Fitts versa sobre a relação entre a velocidade do movimento e a precisão, estas valências caminham juntas porém de forma inversamente proporcional, ou seja “encaixar um quadrado grande(arma) num quadrado pequeno(coldre) é algo um pouco mais complexo do que pode parecer”. Não obstante cabe salientar que o movimento de atacar a arma durante o saque ou o carregador reserva numa recarga emergencial não sofrem este revés, pois sua execução não exige tanto refinamento motor, basta contar com a propriocepção do movimento fazendo a mão chegar até o local da arma ou carregador.
Considero que sacar a arma e coldrear são coordenaçoes motoras finas, pois de acordo com Meinel (1984), coordenação motora fina é “uma atividade de movimento especialmente pequena, que requer um emprego de força mínimo, mas grande precisão ou velocidade – ou ambos – sendo executada principalmente pelas mãos”. Além disso, por aumentar a tensão muscular, o estresse do momento do ato de recoldrear diminui a capacidade de coordenação motora o que pode interferir nesses movimentos (MEINEL, 1984) Desse modo, o uso da visão possibilita o feedback senso-visual (MAGILL, 2000) e facilita a ação de recoldrear. Mas você pode questionar que se o recurso de olhar para o coldre no ato de recoldrear é benéfico, assim também deveria ser para o saque. Contudo, no momento do saque o ato final que se deseja maior eficiência é atingir o alvo, já o ato de recoldrear é o próprio objetivo final do movimento e em que o cenário de ameaças já estão controladas, diferente do momento de saque.
Por fim, entre ficar três segundos procurando pelo coldre a fim de guardar a minha arma sem olhar para ele ou perder meio segundo certificando visualmente o ponto exato de encaixe da arma, fico com a segunda opção. Vale lembrar que a leitura do ambiente ou Consciência Situacional não é negligenciada já que meio segundo é algo imperceptível se compararmos com os três segundos que o meu cérebro perde em relação ao foco na execução da habilidade de recoldrear sem olhar, já que nosso cérebro não pode realizar duas atividades complexas ao mesmo tempo. Neste caso temos algo que chamamos de “perder para ganhar”, perco meio segundo de visual e ganho dois segundos e meio de foco no ambiente.
Aos que possuem uma habilidade altamente refinada, fica o desafio de recoldrear sua arma num coldre IWB utilizando apenas uma das mãos e sem a busca visual do referido acessório, lembrando que a maioria dos disparos acidentais ou negligentes ocorrem no momento de recoldrear a arma por falta de perícia do operador ou por ineficiência do equipamento.
Coordenação motora fina durante o ato de recoldrear
Autoria: Marcelo Esperandio
Colaboração: Leandro Barbosa e Rodrigo Aranha (ambos com formação acadêmica em Educação Física)
Fonte Bibliográfica:
MAGILL, R. A. Aprendizagem motora: conceitos e aplicações. 5. ed. São Paulo: Edgard Blucher, 2000.