Grupos de policiais versus grupos táticos
Frequentemente observarmos gestores utilizarem da superioridade numérica para tentar aumentar o poder de repressão, ou seja, reunindo o máximo de policiais para determinada missão.
Nesses grupos previamente estabelecidos, diversos policiais podem se agrupar para atuarem juntos no cumprimento de uma determinada missão. Nota-se que várias ocorrências adversas podem ser resolvidas com as experiências e vivências policiais individuais. E também com conhecimento mínimo e comum compartilhado nas academias de polícia, valendo-se da vantagem quantitativa de policiais com o mesmo objetivo.
Diante disto, esse grupo de policiais terá condição de enfrentar oponentes com pouca disposição para resistir e que se utilizam de práticas criminosas sem requintes de sofisticação. Contudo, esses grupos improvisados de policiais, caso se deparem com organizações criminosas que atuem com conhecimentos específicos e táticos de guerrilha urbana, terão diminuídas as chances de sucesso da missão, gerando risco de efeitos colaterais e de insucesso da operação policial (MENEZES, 2020, p. 30).
Em grupos de policiais desta natureza os agentes tomam decisões baseando-se em seu conhecimento individual, de forma discricionária e aproveitando-se das janelas de oportunidade que aparecem durante a ação policial. Preocupando-se com ações sequenciais de colegas do grupo, que agem de maneira descoordenada, se faz necessário avaliar a todo tempo se está ou não protegido pelos demais. Assim, os agentes ficam sempre sujeitos à falta de recursos extras relacionada ao esgotamento de técnicas para enfrentar ataques surpresa do oponente. (JUNIOR; MUNIZ, 2017, p. 190).
Todavia, em algumas ocorrências, os grupos de policiais se deparam com situações que exigem um conhecimento técnico específico. Refere-se aqui à presença de indivíduos armados, barricados e sem pretensão de obedecer às ordens policiais e suas exigências, podendo inclusive fazer alguém de refém para exigir privilégios e usar métodos de distração com intenção de esconder seu patrimônio ilícito.
Nesse momento, os conhecimentos adquiridos ao longo das carreiras individuais, as vivências e experiências adquiridas de maneira empírica não são suficientes para solucionar a situação. Faz-se necessário o emprego de uma equipe coesa, com um nível de treinamento específico elevado e habilitada para operar em ações coletivas em ambientes hostis. Surge então a necessidade de criar Unidades de Recursos Especiais, que atuem como um único corpo regular regido pela doutrina de Operações Especiais e observando os princípios e valores da legalidade, honestidade e lealdade, portando um total sentimento de confiança entre os pares (RAMALHO; SILVA; JUNIOR, 2014, p. 15).
Pela sincronia no modo de agir, as ações tornam-se previsíveis para os demais integrantes, que não se preocupam com sua retaguarda por saberem que seu par estará a vigiá-la. A sua criação é respaldada pela observância de quatro premissas básicas: a) expectativa de demanda especializada; b) total fidelidade às doutrinas de Operações Especiais; c) conhecimento compartilhado e capacidade de atuar em todas as alternativas táticas; e d) contínuo treinamento tático e físico que permita ao grupo estar sempre em condições de atender qualquer acionamento (LESSA, 2018).
Um exemplo simples dessa diferença: as unidades de Recursos Especiais existentes dentro do organograma das Polícias Civis e possuem atribuições e adestramento relacionados ao uso de recursos especiais para solucionar crises em que um grupo de policiais dificilmente alcançaria êxito. Os policiais que integram a unidade de Recursos Especiais são voluntários e trabalham com exclusiva dedicação ao grupo e suas necessidades.
Todos passam pelo mesmo processo seletivo e, após já fazerem parte da unidade, podem se especializar em matérias específicas, como operações com cães, negociadores, mergulhadores, explosivistas, atiradores de elite, dentre outras. As funções das Unidades de Recursos Especiais dentro das Polícias Civis justificam a sua existência e, ao relacionarem essas atribuições, entende-se melhor o seu funcionamento (MENEZES, 2020, p. 33):
- Participar com os seus integrantes de cursos operacionais de outras forças de segurança para adquirir conhecimento que será compartilhado entre todos. Permitindo formar a sua própria doutrina e procedimentos operacionais, respeitando o bioma local e geografia urbana.
- Transmitir conhecimento às unidades ordinárias visando sempre resguardar a vida dos seus integrantes, por meio de técnicas e táticas adquiridas em cursos;
- Manter-se constantemente em treinamento físico e técnico;
- Total condições de atender a uma ocorrência com refém localizado, possuindo, dentro da sua estrutura, operadores habilitados em todas as alternativas táticas;
- Capacidade de atender de imediato um acionamento de qualquer unidade da polícia civil, em que o emprego da UOEsp se faça urgente;
- Condições de executar um planejamento operacional para o cumprimento de mandado judicial de alto risco. O grupo observará todas as variáveis existentes, como as mudanças no cenário esperado e surpresas provenientes de circunstâncias não capturadas pela investigação prévia. Sempre se preparar com antecedência e executar um reconhecimento prévio do terreno; plano alternativo na retomada de edificação; utilização de todos os recursos especiais necessários (explosivos, sniper, etc.); plano de evacuação emergencial; rotas emergenciais e alternativas para hospitais; comunicação por canais diferentes entre operadores especializados.
Os grupos táticos devem ter suas operações pautadas na superioridade relativa. Conceito essencial na teoria das Operações Especiais modernas (McRAVEN, 2013), em detrimento das ações dos grupos de policiais que são pautadas na superioridade numérica. Estes grupos devem demonstrar nas suas ofensivas, que mesmo com inferioridade numérica, atingem vantagem sobre o oponente. Mesmo resistente e desobediente à abordagem.
A falta de planejamento prévio, o animus do oponente de resistir, a geografia local desfavorável e todas as dificuldades encontradas para obter a superioridade relativa devem ser vencidas por um planejamento operacional simples, de fácil entendimento por todos que participarão da operação. Confere-se, assim, o máximo de segurança na ação, fruto de constantes treinamentos com repetições exaustivas, surpresa, rapidez e propósito na execução, visando alcançar, êxito na missão. Superioridade relativa a despeito de enorme inferioridade numérica.
Assim, Ferreira (2019. p. 45) descreve:
Enquanto existem fatores na guerra os quais temos pouca influência, a Teoria das Operações Especiais demonstra a existência de seis princípios – possíveis de serem controlados – que afetam a superioridade relativa. São eles: simplicidade, segurança, repetição, surpresa, velocidade e propósito.
A isso deve-se acrescentar planejamento e preparação prévios e sigilosos, bem como execução decidida e decisiva, pois, de outra forma, será praticamente impossível de ser executada com surpresa, velocidade e propósito (McRAVEN, 1993 apud FERREIRA, 2019, p. 46).
Uma vez obtida, a superioridade relativa deve ser mantida até o final da operação policial e para isso, operadores motivados com coragem, audácia e perseverança serão extremamente importantes. São os fatores morais dos operadores especiais que se sobrepõem às dificuldades de uma operação complexa.
Considerações finais
As unidades de Recursos Especiais das Polícias Civis, de acordo com a ata do I Simpósio do Conselho Nacional dos Comandos de Operações Policiais Especiais (CNCOPE), de 2017 , passam a seguir uma padronização nacional de nomenclatura, uniforme e doutrina. Como forma de homenagear a Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, o mais antigo e atuante grupo de Operações Especiais e referência em combates urbanos, as unidades táticas dos Estados da Federação passarão a ser nominadas CORE.
Composta por Policiais Civis concludentes do Curso de Operações Táticas Especiais ou similares, a CORE possui profissionais habilitados que os tornam capazes de cumprir missões de alta complexidade e exposição a risco de morte iminente, sendo demandados pelo Estado ou em apoio a qualquer unidade da Polícia Civil.
Dominantes do conceito de coeficiente de força, homens doutrinados, motivados, altamente treinados e em inferioridade numérica de operadores atuam com alta capacidade física e psicológica. Ainda, valem-se de recursos materiais especiais para conseguirem definir quais procedimentos e métodos optarão para o alcance de uma solução aceitável, de modo a explorar as fraquezas do oponente e vencer sua resistência.
Seguem a tríade das Operações Especiais, ou o denominado ciclo completo: Operar, Treinar e Dar Treinamento. É de suma importância o operador especial, junto à sua unidade, ser fiel a essa previsão, visto que são detentores de conhecimentos técnicos recentes e modernos utilizados e empregados pelos renomados grupos táticos do Brasil e que devem ser multiplicados entre os demais policiais na missão de salvaguardar vidas. Procedimentos operacionais individuais e coletivos devem ser observados a fim de se reduzir bastante o risco de incidentes e elevar a chance de uma operação exitosa. Quando os operadores especiais estiverem operando, estarão colocando em prática todos os ensinamentos adquiridos nos cursos que participaram, observando as consequências positivas de seguir doutrinas e procedimentos padrões básicos que minimizam riscos.
Outra função de grande valia que exerce o grupo tático por meio dos seus operadores é a incansável propagação e conscientização da importância de treinamentos, buscando continuamente novos procedimentos e técnicas que estão em constante evolução. Policiais da ativa que participam sistematicamente de operações policiais devem atualizar-se com assiduidade, em uma busca incansável pelo conhecimento, uma vez que a criminalidade está em constante evolução e não se deve nunca subestimar o oponente.
As técnicas e táticas vão se alternando e se adaptando às mudanças da violência, aos artifícios utilizados por criminosos e à resistência armada. Dessa forma, o policial não deve se acomodar e se satisfazer com o que já adquiriu de conhecimento, de modo que o aprimoramento e a especialização constantes se traduzem em busca pela sobrevivência.
Pode se reconhecer, a partir da literatura analisada, que as unidades de Recursos Especiais são demandadas em situações com alto grau de perigo, que exigem domínio das técnicas a serem empregadas. A submissão do oponente exige um uso diferenciado ou seletivo da força, de modo que os métodos convencionais se revelam insuficientes.
Sendo o grupo tático também responsável por representar a Polícia Civil em diversas situações como eventos cívicos nos quais se ministram instruções Brasil afora, seus integrantes, ingressando e concluindo cursos que exigem alto rendimento, sabem e assumem a responsabilidade que carregam por pertencer à respectiva unidade. A obrigação de boa conduta e reputação é inerente a todos os policiais civis, mais se torna latente em relação aos policiais de grupos táticos. Nesse sentido, pode-se dizer que existe uma cobrança mais severa por disciplina e representatividade no âmago das Operações Especiais, sendo esse fator, inclusive, objeto de análise de perfil dos candidatos a alunos do Curso de Operações.
Apesar de duras críticas e do fato de uma grande parcela de Policiais Civis não possuir correto entendimento das atribuições do grupo tático, muitas vezes sendo enfáticos contra o uso de fardas e fazendo menção à usurpação da função da Polícia Militar, nota-se uma grande importância da existência de grupamentos desta natureza.
Vale salientar a imprescindibilidade das unidades táticas junto às Polícias Civis para, por exemplo, apoiar operações complexas em áreas críticas. Exigindo uma equipe coesa, treinada e pautada pela mesma doutrina para o cumprimento de mandados de alta periculosidade por meio da aplicação de recursos especiais; ajudar no planejamento operacional de outras unidades; promover programas de capacitação periódicos, visando habilitar os policiais civis e tornar mais seguras as atuações frente ao crime organizado. Há, portanto, a preocupação para com a segurança de todos e a prática da Tríade dos operadores especiais: Operar, Treinar, Dar Treinamento.
Dessa maneira, percebe-se que a lacuna existente na consolidação das instituições públicas de enfrentamento ao crime se deve também pela falta de apoio da própria sociedade à atuação dos policiais, os quais se apegam aos seus ideais para atribuírem a si a responsabilidade no combate à criminalidade e na manutenção da paz social.
Ao mencionar as dificuldades da formação de um Operador Especial, explicita-se, por outro lado, os benefícios da superação de dificuldades de cursos e de servir à sociedade com alto nível de profissionalismo, por meio de ações pautadas em princípios basilares de honestidade e lealdade, além dos valores éticos e morais inerentes a esses homens. Assim, não obstante a falta de reconhecimento e apoio institucional, a excelência operacional desses profissionais pode ser explicada pela relevância atribuída por eles à sua missão de salvar vidas, sendo esse o sentido maior de toda sua carreira.
Portanto, pode-se compreender a motivação para esses policiais se encontrarem no peculiar estreitamento dos vínculos existentes entre seus pares. Assim como também, no intenso sentimento de pertencimento que se revestem além da semelhança dos valores psicológicos, profissionais e pessoais. Portanto, o destaque atribuído aos grupos táticos é revestido da especificidade de sua atuação e da sua peculiar formação e doutrina. Assim, tornando-os, a ultima ratio (último recurso)no gerenciamento de crise e na solução de conflitos de alta complexidade.
Referências bibliográfica
BETTINI, E. M.; TOMAZI, F. Charlie – Oscar – Tango: Por dentro do grupo de operações especiais da Polícia Federal. 1. ed. São Paulo: Ícone Editora, 2018.
FERREIRA, R. Anotações sobre a doutrina policial: Aspectos operacionais. 1. ed. Brasília: Editora do Autor, 2019.
GRECO, R. Atividade Policial: Aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais. Niterói: Editora Impetus, 2009.
JUNIOR, D. P.; MUNIZ, J. Operações Especiais Policiais e Segurança Pública. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, v. 11, n. 2, 2017.
LESSA, M. L. A importância dos grupos táticos nas polícias judiciárias brasileiras. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 23, n. 5617, 17 nov. 2018.
McRAVEN, W. H. The Theory of Special Operations. 1993. Dissertação (Mestrado em Artes de Assuntos de Segurança Nacional) – Naval Postgraduate School, Monterey, 1993.
MENEZES, R. Anotações sobre a doutrina policial: Sniper Policial. 1. ed. Vitária: Edição do Autor, 2020.
MULLER, R. A capacitação das Unidades Policiais de Operações Especiais. Cuiabá: UNEMAT, 2010.
RAMALHO, A. O.; SILVA, D. B. P.; JUNIOR, I. D. Uma máquina chamada Batalhão de Missões Especiais. Vitória: Grafitusa S/A, 2014.