O convívio com a proteção balística é o básico do policial em qualquer país do mundo e não é diferente no Brasil. Mas com as constantes evoluções no mercado, vídeos de unidades especiais com produtos diferenciados e com o desenvolvimento de novos produtos e sistemas, acabamos ficando um pouco perdidos sobre o que usar e como usar.
A ideia geral é apresentar materiais, produtos e a lógica por trás da utilização de um sistema que funcione para você.
Será que eu uso só a placa balística? Somente o colete balístico? Ou os dois?
Será que o metal é melhor que o polietileno de alta densidade? Ou a cerâmica é o melhor dos três?
Muitas perguntas surgem quando temos que avaliar o que é melhor para nós ou para nossa tropa. Aqui pretendo tentar elucidar algumas delas. E não se preocupe se aparecerem novas perguntas derivadas desta discussão que não foram respondidas aqui, se isso acontecer, alcancei o meu objetivo de introduzir uma informação que leve você a pensar e descobrir o que é necessário para a sua atividade profissional em segurança.
Vamos iniciar essa discussão acertando alguns pontos para que falemos a mesma língua, isso facilitará a nossa conversa.
Quando falo em colete, estou falando das placas balísticas maleáveis que geralmente são de nível IIA, II ou IIIA, feitas para suportar projéteis de baixa velocidade, como no caso de pistolas e revólveres, por exemplo.
Quando falo em placas, estou falando das placas balísticas rígidas nível III ou IV e as suas subdivisões comerciais como III+ ou III especial. Elas são feitas para ajudar a parar disparos de calibres de alta velocidade, como os dos fuzis 5.56×45 e 7,62×51.
Apesar de existirem produtos nível IIIA rígidos ou nível III maleáveis, esses ainda não são tão populares para entrar nesta discussão de hoje.
Existem várias entidades que trazem parâmetros bem delimitados para classificar a proteção balística em um certo nível, vou apenas colocar os níveis balísticos estabelecidos pelo NIJ (Instituto Nacional de Justiça dos EUA), que é a norma mais utilizada e seguida tanto aqui como no mundo (estamos falando da norma NIJ Standard 0101.06, disponível em https://www.ncjrs.gov/pdffiles1/nij/223054.pdf).
Percebam que quanto maior for o número do nível, maior a proteção balística. Contudo, adicionar a letra “A” após esse número não indica melhoria na proteção, como seria ser razoável supor, mas indica um nível mais baixo de proteção que esse número normalmente suportaria.
Coletes Balísticos (IIA, II e IIIA):
Os coletes são feitos para suportar projéteis de baixa velocidade, como os exemplos das armas na tabela acima. Ela é a peça primordial e inicial da proteção balística no trabalho policial, pois a maioria dos encontros armados no brasil são com pistolas e revólveres.
O design deles tem em mente a proteção do tórax para evitar traumas catastróficos e de difícil chance de sobrevivência. Eles devem estar ajustados para ficar no máximo a um dedo da forquilha do esterno (parte superior do osso no centro do tórax). O ideal é que os coletes não tenham gola em “V”, pois as artérias que saem do coração sobem até essa altura da forquilha do esterno e, um dano nessa região que acerte as artérias, é tão ruim quanto um dano no coração.
Os materiais mais utilizados na fabricação de coletes são:
- Kevlar (Para-aramida vendida pela DuPont)
- Tawron (Para-aramida)
- Spectra (UHMWPE – Polietileno de alto peso molecular)
- Dynnema (UHMWPE – Polietileno de alto peso molecular)
- Zylon (descontinuado por problemas de validade)
Eles, em sua grande maioria, são manufaturados como fibras têxteis especiais ou comprimidos e colocados um sobre o outro, fazendo várias camadas para conseguir resistir às ameaças do nível proposto.
Esses tecidos variam no peso, flexibilidade, dissipação da energia do impacto e resistência do material (ao sol, aos cuidados de guarda e aos abusos do usuário) mas, no geral, funcionam de maneira similar.
Não existe material perfeito, todos têm vantagens e desvantagens. Pois isso é uma tríade equilibrada de peso, volume e flexibilidade/conforto, geralmente quando você ganha muito em um, perde nos outros.
Normalmente as empresas tentam mesclar materiais balísticos e não balísticos para chegar a um equipamento mais equilibrado.
Objetivo na escolha desse material deverá estar pautado na resistência balística esperada e do conforto. E este último quesito depende muito da escolha do material, do tamanho adequado e principalmente do corte do modelo do colete.
Os cortes modernos avaliam manter uma área de proteção grande com pequenos ajustes para evitar desconforto no seu uso, como subir o colete quando você senta na viatura, etc. As placas do colete frontal e posterior devem ser anatômicas, ter uma variedade grande de tamanhos e ter o transpasso correto da placa frontal com a posterior de maneira correta, entre outros detalhes.
Placas balísticas (III, III+ e IV)
As placas são rígidas e possuem uma área de proteção muito pequena em comparação com os coletes, mas protegem o essencial para evitar uma morte muito rápida, mas apenas se o projétil atingir a placa pela frente. Qualquer tiro lateralizado, por menor que seja o ângulo, existe a possibilidade de o projétil passar ao lado da borda lateral da placa e entrar no centro do tórax.
Existem placas laterais e de ombro para aumentar o nível balístico da proteção (III e IV), mas são pequenas e adicionam muito no peso, sua utilização deve ser avaliada no contexto para verificar a relação peso/benefício.
As placas são escolhidas baseado nas suas necessidades e da sua função como agente de segurança pública. Não escolha baseado nas escolhas de outras unidades, mas naquilo que irá trazer o melhor benefício para a sua atuação. Observe a experiência dos outros e use as informações que colheu para analisar e formar o conhecimento necessário para sua escolha.
As 10 características que você procura em placas:
- Nível balístico;
- Necessidade de coletes IIIA utilizado em conjunto;
- Material de composição;
- Formato da placa;
- Curvaturas;
- Peso;
- Resistência a múltiplos disparos;
- Deformidade posterior;
- Tamanho;
- Preço;
1- Nível Balístico:
O nível balístico da placa, pensando nos calibres comumente utilizados, podem ser divido basicamente em:
– Proteção para munições tradicionais não-perfurantes do 7,62×51, do 5.56×45 e similares (FMJ, softpoint, entre outras), que representa o nível III.
– Proteção para munições semi-perfurantes do 5.56×45 (M855/SS109), que representa o nível III Especial ou também chamado de nível III+.
– Proteção para munições perfurantes do 7,62×51, do 5.56×45 e similares (M855A1/SAT, M80A1, etc.), que representa o nível IV.
2- Necessidade de coletes IIIA utilizados em conjunto:
Pode ser que as placas necessitem de coletes abaixo delas para parar o projétil de fuzil, pois em muitos casos, a placa quebra e diminui a velocidade do projétil e o colete abaixo irá segurar os estilhaços como uma rede de gol.
Hoje em dia, existe uma tendência de todas as empresas partirem para o tipo Stand Alone, que quer dizer que a própria placa consegue parar o projétil de fuzil sem a necessidade de utilizar o colete abaixo dela, mas isso não quer dizer que é uma boa ideia usar só a placa e perder área de proteção.
3- Material de composição:
Nas placas, os materiais mais utilizados são:
- Cerâmica
- Metal
- Polietileno de alto peso molecular
- Placas Compostas.
Dentre os materiais existe muita diferença nos benefícios e nas deficiências deles.
A cerâmica (Carbeto de Boro ou Alumina) foi por muito tempo utilizada de forma hegemônica, mas, muitas vezes, exigia a utilização do colete maleável nível IIIA associado para conseguir chegar no nível balístico proposto. Também com o defeito de ser frágil quando se fala em queda, muitas vezes é necessário avaliar uma placa antiga com Raios-X para verificar a existência de fissuras e fraturas que podem comprometer a competência balística da placa. Pode, ou não, ser Stand Alone.
O metal AR500 protege para o nível III segurando múltiplos impactos, inclusive no mesmo local. Essa placa é a mais fina de todas, muito mais barata, possuindo uma validade média de 20 anos, não tem problemas maiores com o abuso e falta de cuidado, não faz deformidade posterior importante e divide essa energia do impacto em uma área maior, diminuindo qualquer possibilidade de lesão mais grave.
Os estilhaços formados no impacto da munição com o metal são controlados por uma camada anti-estilhaço de borracha que é aplicada sobre o metal, mas existe a real possibilidade de eles virem a escapar e machucar o usuário. Geralmente é do tipo Stand Alone, isto quer dizer que sozinha (sem o colete balístico IIIA em baixo), ela suporta o nível de defesa proposto.
O problema real desse material é o peso, muitas vezes chegando a ser impeditivo para o uso prolongado. Existe também, a dificuldade de ter múltiplas curvas para o conforto, geralmente é apenas uma única curva.
O Polietileno de alto peso molecular é o mais leve, com possibilidade de curvaturas múltiplas para conforto e tem flutuabilidade positiva (ela boia na água) e geralmente é Stand Alone. Em contraponto, ele é o mais grosso, chegando a ter 3 centímetros, o que leva a um desconforto e deslocamento do corpo no banco da viatura.
Também ocorre a quase impossibilidade dele isoladamente conseguir chegar a um nível de proteção maior, como o nível IV, chegando na maioria dos casos no nível III especial (ou III+), que quer dizer que pontas semi-perfurantes como a SS-109 (M855), não conseguem penetra-lo, diferentemente do nível III que não suporta essa munição.
As placas compostas são mais modernas e atingem um nível maior de proteção, elas são geralmente feitas de dois ou mais materiais. Um deles mais duro, como a cerâmica, para quebrar a velocidade e fragmentar o projétil e outra camada prensada junta de polietileno ou aramida, logo atrás, para segurar os estilhaços. Geralmente são Stand Alone, fazem todo o trabalho de capturar o projétil sem ajuda do colete IIIA.
4- Formato da placa:
O Formato da placa irá ajudar na performance do atirador, diminuindo a influência da placa no posicionamento dos braços para o tiro e do apoio da soleira da coronha nos ombros.
Em contrapartida, diminuí a área de proteção, mas é uma troca com ganhos expressivos.
Dentre os formatos de placas, temos a quadrada #0, SAPI/ESAPI #1, a Shooter’s cut #2 e a Swimmers cut #3. Todas tem vantagens e desvantagens de acordo com o seu biótipo e objetivo, mas nenhuma tem uma desvantagem que a prejudique a ponto de não ser aconselhável.
5- Curvaturas:
A curvatura na placa gera mais conforto, estabilidade e até mais proteção ao usuário, pois está mais próxima ao corpo evitando alguns danos derivados de tiros mais angulados. É altamente recomendada curvaturas múltiplas, ou no mínimo uma curvatura simples.
6- Peso:
O peso é um fator determinante, existem placas muito pesadas de até 5kg cada uma e outras muito leves, de menos de 1kg. Obviamente que isso vai depender do nível balístico, tecnologia e preço que você está disposto a pagar.
7- Múltiplos disparos:
As placas podem ser desenvolvidas para conseguir receber disparos múltiplos sem perder a sua capacidade. Mas esses disparos tem que ser realizados a duas polegadas um do outro, apesar que algumas placas suportarem tiros consecutivos no mesmo local.
8- Deformidade posterior:
O Instituto Nacional de Justiça norte-americano (NIJ) determina que a profundidade máxima da deformação sofrida no corpo de prova (um bloco de massa plástica revestida pelo colete/placa) seja de 44 milímetros, afim de evitar danos potencialmente fatais em órgãos interno na pessoa usando o colete ou a placa. Mas, na minha concepção, uma deformidade de 25 milímetros seria mais adequada.
9- Tamanho:
Os tamanhos das placas podem ser pequenos, médios, grandes ou muito grandes. No EUA são colocadas por tamanho em polegada (largura e altura), como: 9×12, 10×14, etc.
10- Preço:
O preço é um assunto complexo, materiais de qualidade são mais caros. Mas como uma regra geral, quanto mais leve, fino e confortável, mais caro é.
Infelizmente alguns fornecedores esquecem tanto a qualidade, que arriscam a vida do policial no processo buscando o menor preço.
Portanto, uma placa ideal seria: Leve, fina, com o nível adequado de proteção, que suporte múltiplos disparos, com mais de uma curva, no formato mais adequado à função, no tamanho correto e com um preço justo.
Gostaria também da paz mundial e que meu gato não urinasse no corredor, mas nem sempre conseguimos tudo o que gostaríamos.
Sistema de proteção balística:
O Sistema de Proteção é basicamente a escolha do nível de proteção balístico e a quantidade de área coberta e isso depende exclusivamente da sua necessidade.
Pesar na sua “armadura” vai depender do contexto para qual você irá utilizá-la. Como linhas gerais, algumas regras podem lhe ajudar:
- Quanto mais próximo o confronto, maior área de cobertura balística é interessante, pois um confronto próximo facilita a porcentagem de acertos favorecendo quem treina menos que, geralmente, é a ameaça.
- Acertar o nível de proteção balística pelo nível da sua ameaça.
- Acertar o nível de proteção balística pelos armamentos nossos, pois pode ocorrer um fogo-amigo.
- Balancear a quantidade de cobertura balística com a perda de capacidade operacional.
- Tempo de utilização do sistema no dia-a-dia, pensando na saúde da sua coluna lombar.
- O ajuste dos corpos masculino e feminino, vários biótipos e em conjunto com a possibilidade de utilizar o seu equipamento. Seu fornecedor tem que apresentar soluções diferenciadas para isso.
As empresas podem lhe trazer o sistema completo e você escolher em cada missão a necessidade de retirar ou adicionar níveis ou área cobertura, ou elas podem lhe vender um sistema sem a versatilidade que atenda a suas situações específicas. Essa escolha vai depender das suas necessidades de unidades multimissão ou de unidade especializada.
Informações sobre capacetes, óculos e escudos ficarão para outro artigo. Qualquer dúvida estou à disposição para conversar no Instagram: @docmaniglia.
Doc Maniglia.