Considerações Iniciais
Para que o operador tenha plenas capacidades de sanear as panes que poderão ocorrer em seu armamento é de fundamental importância, primeiro, que ele tenha os fundamentos de tiro consolidados e, depois, que o mesmo tenha exato conhecimento dos processos que levam o armamento a encontrar-se em uma situação que o torne não pronto para uso.
As palavras acima, acreditem, não são meras “elocubrações” teóricas, pois infelizmente muitos operadores se colocam em situações embaraçosas justamente por não alinhar – o conhecimento, a prática e o treinamento, sendo que muitas vezes as panes são causadas pelo próprio atirador, não havendo qualquer problema com as munições ou com a própria arma.
Panes são falhas únicas ou somatório delas
Conforme consabido, o incidente de tiro ocorre quando se produz a interrupção dos disparos, independentemente da vontade do atirador, nem sempre eximindo sua culpa, porém não lhe atribuindo a intenção da interrupção.
A maioria dos incidentes poderão ser evitados, mas invariavelmente alguns incidentes poderão ocorrer e, para isso, o operador da arma deverá saber saná-los tecnicamente e taticamente.
Nas pistolas podem ocorrer alguns tipos de incidentes, a depender da construção e especificidades do armamento. No entanto, cabe registrar 08( oito ) possibilidades de falhas que poderão ocorrer, individualmente ou em conjunto, em qualquer tipo de pistola, e que, ao ocorrerem, construirão as panes no armamento. Por isso o entendimento conceitual é bastante relevante para o assunto em tela:
- Falha na alimentação – significa que a arma não foi alimentada corretamente. Assim, provavelmente ela também não será carregada com eficiência. Ocorre quando, ao se tentar alimentar a arma (ato de introduzir o carregador devidamente municiado), por algum motivo o atirador agiu de forma errada – provavelmente não pressionando o fundo do carregador para que este realmente se encaixasse na arma para deixá-la pronta para ser carregada (introdução do cartucho na câmara pela ação do ferrolho).
- Falha na extração – ocorre quando o extrator, que se localiza na porção posterior do ferrolho, não consegue retirar (extrair) o cartucho vazio (proveniente do disparo) da câmara da arma.
- Falha na ejeção – ocorre quando o cartucho de munição não é colocado para fora (ejetado) da arma corretamente. Quando o ferrolho retorna para a retaguarda, devido à influência dos gases provenientes da queima da pólvora do disparo anterior, deve retirar o estojo de munição vazio da câmara pelas garras do extrator, que encontrará um sobressalto com a função de ejetá-lo para fora da arma. Se não ocorrer dessa maneira, surgirá um incidente com um estojo parcialmente dentro da arma.
- Falha na percussão – é o fato da munição dar “nega”, ou seja, quando se aperta o gatilho o percussor deverá “ferir” a espoleta da munição, que vai gerar a reação química para o disparo do projétil. Quando isso não ocorre, possivelmente a munição apresentou algum problema, ou o problema é proveniente do percussor. Nos dois casos ocorreu uma “nega” do tiro − tecnicamente falando, um incidente de percussão.
- Falha na apresentação – o cartucho de munição não foi apresentado corretamente na direção da câmara do armamento para que o ferrolho, pelo seu avanço, o introduza na câmara para que haja o trancamento e a arma seja carregada.
- Falha no carregamento – o cartucho de munição não foi introduzido corretamente, pelo avanço do ferrolho, na câmara da arma.
- Munição defeituosa – a munição pode apresentar diversos problemas de construção que comprometa o funcionamento normal do armamento, como espoleta defeituosa, ponta mal afixada no estojo, estojo irregular, quantidade de pólvora desproporcional etc.
- Falha humana – poderá ocorrer pela não empunhadura correta da arma, pela posição dos antebraços demasiadamente flexionados, dentre outras conformações estruturais do atirador com a sua arma de fogo.
Ao ocorrer algumas dessas falhas, ou algumas delas em conjunto, normalmente o atirador estará em uma situação muito desconfortável. Nesse caso o operador deverá estar treinado para resolver com eficiência os problemas advindos dessas falhas, que levarão seu armamento a situação de panes, e voltar em plenas condições de continuar disparando sua arma.
Quando essas falhas ocorrem, individualmente ou em conjunto, teremos o que chamamos “incidentes táticos de tiro”, ou seja, incidentes que serão resolvidos dentro de uma situação tática sem precisar, por exemplo, levar a arma a um armeiro para consertá-la. Até porque seria impossível pedir uma “pausa” no combate.
Esses “incidentes táticos”, as famigeradas panes, ocasionados pelas falhas supramencionadas, caracterizam-se em 05 (cinco) tipos, e deverão ser de conhecimento obrigatório de qualquer operador/atirador.
- Pane Seca ( falha na alimentação ou percussão)
- Pane de Chaminé ( falha na ejeção, predominante)
- Pane de Duplo Carregamento ( falha na apresentação e/ou no carregamento)
- Pane Fechamento Incompleto do Ferrolho ( falha no carregamento, predominante)
- Pane de Ferrolho Trancado ( falha de extração, predominante)
Registra-se que tanto as nomeclaturas das panes, acima elencadas, como a denominação “incidentes táticos de tiro” foram adotados por este autor. Claro que poderão ter outras nomeclaturas usuais. Outro aspecto importante é que do lado de cada pane foi citado apenas os motivos mais predominante na ocorrência das mesmas, sendo que poderão ocorrer outros fatores que contribuam para o seu acontecimento.
Isso posto, parece bastante claro que conhecer os conceitos de falhas e os tipos de panes no armamento torna-se relevante para operador. Entretanto, mais importante do que navegar na seara conceitual é a capacidade prática do operador revolver as falhas que se convertem em panes no seu armamento.
O que fazer na prática?
1. Aspectos relevantes
Aqui entraremos em um assunto por vezes polêmico, por diversos motivos. No entanto não entraremos no exame dessa controvérsia e abordaremos uma visão contemporânea do que se entende sobre resolução de panes.
Primeiramente defendemos que o operador é dono de sua arma e deverá ter o pleno entendimento do que ocorre com a mesma. O atirador deve estar habituado a sentir o recuo da arma e perceber, inclusive visualmente, quando algo não ocorre de maneira que deveria, mesmo sob estresse.
Além disso, defendemos a ideia de que todas as resoluções de panes deverão ser desenvolvidas com o atirador em movimento, saindo do eixo da ameaça e buscando um proteção/abrigo. Até mesmo porque este é um dos princípios do sistema de autoproteção.
Por fim, por mais que exista procedimentos padronizados para na dúvida, antes de identificar a pane, se fazer, sob o argumento que resolverá a maioria delas, entendemos que cada pane é específica e tem que ser tratada assim. Portanto será nessa análise que o nível de treinamento influenciará os resultados.
2. Saneamento de panes
Não explicaremos aqui em detalhes o saneamento das 05(cinco) panes em profundidade, apenas elencaremos aspectos relevantes para melhor análise.
Nos dias atuais, ao analisarmos diversos alunos e operadores, encontramos algumas correntes de observação sobre o assunto:
(1) os que defendem que para todas as panes devem sempre bater no fundo carregador, recarregar a arma e disparar;
(2) os que defendem que para a maioria das panes deve-se retirar o carregador, manejar a arma para resolver o problema e recarregá-la; e
(3) os que nem conhecem as panes e naturalmente não sabem o que fazer e terminam por, além de comprometer a sua segurança, jogar toda munição fora, tentando recarregar sem sucesso sua arma.
Os argumentos dos alunos são os mais diversos, no entanto o mais costumeiro é que o instrutor que ele admira falou que era assim e como ele faz assim, assim deve ser feito. Não existe qualquer análise da funcionalidade da técnica, pois é o tipo de técnica conhecida como “Ctrl C – Ctrl V.”
Sobre o assunto, há alguns meses, o especialista Policial Federal, Humberto Wendling, fez uma observação bastante relevante sobre um vídeo postado em uma rede social, em que um atirador, provavelmente em uma pane de seca, seguida de uma falta de munição, deu tanto tapa na arma e puxadas no ferrolho, que segundo o especialista, e concordamos com ele, aquilo nunca ocorreria em tiroteio. Nunca mesmo. Essa é uma quarta corrente que surge: a corrente de perder tempo fazendo movimentos desnecessários nas armas e cenográficos, que se tornam vistosos porém poucos operacionais.
Nessa senda, entendemos que o equilíbrio entre a corrente 1 e 2 é o que deve ser buscado, mas em ambas as situações com o operador se movimentando e buscando um abrigo/proteção. Vamos, portanto, aos argumentos.
Corrente 1 – Tap, Rack and Bang
Essa corrente de pensamento, inclusive bastante eficaz, baseia-se nos procedimentos dos Marines que possuem um técnica para solução de panes chamada no Português de “bater, ciclar e atirar”. Ou seja, consiste em bater no no carregador, manobrar o ferrolho e atirar novamente.
O Capitão Calaça (*) nos esclarece que essa solução serve para a maioria das panes e é muito mais compatível com o cenário de prejuízo cognitivo das situações de estresse, o que é uma verdade. No entanto também é verdade que o procedimento não resolva todos os casos.
Em uma pane de chaminé, por exemplo, os adeptos dessa corrente, em tese, bateriam no carregar, pois isso é um padrão, e puxariam o ferrolho. No entanto isso não garante a ejeção do estojo que está impedindo o funcionamento da arma.
Ocorre que essa manobra pode não ser eficaz para o saneamento desse tipo de pane, inclusive podendo esta ação, a depender de como executada, gerar um outra espécie de pane como “duplo carregamento” ou um “fechamento incompleto” Nessa situação, se o operador não tiver a experiência satisfatória, começa a ocorrer as dezenas de tapas e manejo do ferrolho.
Ocorre que o Tap, Rack and Bang consiste em uma ação imediata e que não envolve investigação da causa da pane, por isso não será eficaz para todas as situações.
Uma outra solução de uma Pane de Chaminé, que não se use a Tap, Rack and Bang , normalmente é a raspagem do estojo vazio e o disparo em seguida. No entanto, na raspagem pode ser que a arma não tranque corretamente e não esteja pronta para disparar. Sendo assim, bastaria, após a raspagem, movimentar o ferrolho e recarregar arma novamente. Haveria a ejeção de uma munição, mas também haveria a certeza que a arma foi recarregada e não ocorreu outras panes.
Imagens do Livro: Armas de Fogo & Autoproteção
A partir de então podem gerar os questionamentos sobre o negligenciamento da simplicidade tática e assuntos correlatos, porém é importante observar o cenário que a técnica “Tap, Rack and Bang” foi criada. Ocorre que quando uma arma para de funcionar o operador precisa ter sim breve conhecimento do motivo que causou aquela pane. Identificar um estojo na janela de ejeção da arma, por exemplo, não é coisa de outro mundo, como se pregam por aí, mesmo sob intenso estresse.
Ainda nessa linha, imaginemos o fiel aplicador da técnica Tap, Rack and Bang, que ao perceber uma pane qualquer decide usá-la. Logo após percebe que o ferrolho da arma encontra-se trancado por dilatação do estojo, ocorrendo um pane de “Ferrolho Trancado”. Assim sendo, o operador vai tentar fazer o procedimento padronizado – ” bater, ciclar e atirar” – pois esse é o procedimento padrão do seu sistema, e vai demorar a identificar que precisa apenas segurar o ferrolho com a mão auxiliar e com a mão principal dar uma pancada e já empunhando a arma para o pronto emprego.
Imagens do Livro: Armas de Fogo & Autoproteção
Vamos além, outro adepto dessa corrente ao encontrar sua arma em duplo carregamento tentará bater, ciclar o ferrolho e atirar, pois esse é o procedimento automático que não envolve a investigação da causa da pane. Então, ou ficará tentando sem sucesso o procedimento de bater, ciclar e atirar ou precisará em algum momento identificar qual a pane que ocorreu e o que fazer para saná-la, haja vista que o tapa e manejo do ferrolho não funcionaram.
Ou seja, cairia por terra aquele único argumento de que os movimentos deverão ser automatizados e não há tempo para se pensar e que qualquer outro procedimento não seria simples, portanto complexo. Nesse caso concreto o operador depois das tentativas e com insucesso terá que pensar sim no que fazer ou então não mais terá sua arma pronto para uso. Não seria melhor ter pensado antes?
Corrente 2 – Sempre que possível abra arma, retire o carregador e recarregue
Essa corrente, ao contrário da anterior, é bastante ultrapassada e originária das instruções antigas e dos antigos confrontos que envolviam inclusive revólveres. Ou seja se uma pane pode ser sanada em movimento com o atirador buscando uma proteção, qual o motivo de tentar se retirar o carregador e abrir a arma se a coisa pode ser resolvida mais rápido em segurança e de uma outra maneira?
Essa corrente agride a simplicidade tática e os elementos do combate urbano moderno.
Arma em Duplo Carregamento
Por fim, entendemos que a retirada do carregador só é necessário no duplo carregamento ou em alguma situação bastante atípica. Nesse caso um abrigo/proteção é fundamental e imprescindível.
CONCLUSÃO
Ao observarmos os assuntos anteriormente elencados acredito que a técnica de saneamento de panes “Tap, Rack and Bang” é bastante eficiente, mas foi “engessada” pelos seus apoiadores e disseminadores, devendo ser portanto mitigada sem se afastar da simplicidade tática tão buscada nos dias atuais e já conseguida.
O que estamos observando são atiradores dando tapa e ciclando armas sem mesmo saber o motivo daquele procedimento, sendo que esse mesmo procedimento poderá gerar uma outra pane que precisará de uma análise maior e isso o fará o atirador perder tempo nas suas ações.
Identificar uma pane em uma arma deverá ser como identificar uma ameaça. Não é simples, mas se não treinarmos nunca faremos a contento, porém se treinarmos a chance de êxito é grande. Nós ensinamos os alunos a identificar ameaças e selecionar alvos em situações estressantes, mas não somos capazes de treiná-los a identificar uma pane na arma em questão de milésimos de segundos? Será que essa resposta é simples?
Claro que não e é por isso que a técnica Tap, Rack and Bang foi bem aceita, pois é simples de ensinar e fácil de aplicar. No entanto e quando ela não for suficiente, o que o aluno fará? Agora ele terá que pensar em frações de segundos?
Parece bastante razoável que o atirador ao se deparar com a pane possa identificá-la de imediato e conseguir também saná-la de imediato, usando as suas técnicas treinadas exaustivamente, sem tempo para rodeios.
Assim, no nosso entendimento, aplica-se as técnicas de resolução de panes da seguinte maneira:
- Identificar rapidamente a pane, sim isso é possível se houver treinamento.
- Sair do eixo dos inimigos e buscar uma proteção
- Em movimento tentar sanar a pane:
Pane Seca (conhecida pane de nega) – Ação: bater, ciclar e atirar
Pane de Chaminé – Ação: girar a arma com a janela de ejeção para baixo e ciclar o ferrolho energicamente. A gravidade fará com que o estojo vazio seja ejetado mais facilmente e o manejo do ferrolho carregará a arma. Existe também a técnica da raspagem ( já exemplificado anteriormente).
Pane Fechamento Incompleto – Ação: pancada no fundo do ferrolho, não dando certo usa-se o bater, ciclar e atirar.
Pane Ferrolho Trancado – Ação: segurar o ferrolho com a mão auxiliar e com a mão principal dar uma pancada e já empunhando a arma para o pronto emprego.
Pane Duplo Carregamento – Ação: abrir a arma, retirar o carregador, desobstruir a câmara e recarregar a arma.
Por ora é claro que não existe uma melhor técnica e tudo vai depender do ambiente operacional que o operador estiver inserido, se sozinho ou em grupo, se abrigado ou desabrigado, e o mais importante se treinou e sabe o que está fazendo ou não.
Por fim o atirador deve parar de imitar o seu instrutor preferido, analisar as técnicas e buscar a melhor técnica para a sua realidade mesmo que não seja a preferida da maioria, mas que tenha simplicidade para a produção de resultados.
* https://infoarmas.com.br/simplicidade-tatica/