Você já deve ter se deparado com várias pessoas que dizem que têm aversão às armas. Muitas delas não conseguem sequer permanecer no mesmo local que esse equipamento está presente.
“Ah, guarda esse negócio, pelo amor de Deus”
“Sai daqui com isso, vai que ela dispara…”
“Não sei porquê trouxe isso, estamos dentro de casa”
Desde que eu me tornei policial escuto muito essas frases, seja numa roda e amigos ou numa reunião familiar.
Inobstante aos argumentos que eu apresento; a violência crescente, a necessidade de portar em virtude da minha profissão, o melhor equalizador de forças entre uma mulher e um agressor, a possibilidade de ocorrência de um assalto… nada faz com que essa hostilidade cesse.
Passei a buscar entender a razão pela qual essas pessoas possuíam essa repulsão e, conversando com muitas delas, cheguei a uma conclusão.
Elas têm medo do desconhecido.
É natural do ser humano, em maior ou menor grau temer o que se desconhece e essa emoção é uma das mais básicas e úteis que podemos experimentar. O medo é um freio.
Ao longo de toda a história ele nos permite enfrentar situações perigosas ou fugir delas, facilitando nossa sobrevivência. Aprendemos informações valiosas após enfrentar uma situação ameaçadora: guardamos na memória qual era o principal perigo e como o superamos. No entanto, existem medos que se baseiam, especificamente, na falta dessa informação, como é o caso do medo do desconhecido, e é a ele que atribuo essa completa antipatia quando se trata das armas de fogo.
Entendo que o medo do desconhecido é algo universal. A incerteza faz parte da nossa vida, pois na maioria das vezes não sabemos o que irá acontecer e nem como. Alguns reagem melhor a essa emoção, abordando e considerando possíveis soluções. Outras pessoas têm mais dificuldade e acabam se colocando emocionalmente bloqueadas por ele.
Esse medo, no meio da psicologia, também é conhecido como intolerância às incertezas. É a tendência de sentir medo diante de uma situação ou objeto sobre o qual falta informação, e por isso é percebido como um perigo. Ou seja, sentir medo diante de uma situação ou estímulo que não sabemos o que vai nos trazer, acompanhado da percepção de que não será algo agradável.
Precisamos entender que a origem desse medo, considerando algumas diferenças individuais, é evolutiva. Nossos antepassados se expuseram a uma infinidade de perigos e, embora tenham aprendido com muitos deles, o risco que corriam ao entrar em áreas desconhecidas podia ser muito grande. Na verdade, o cérebro parece estar preparado para temer o desconhecido.
Quando nos deparamos com algo novo, um dos primeiros filtros pelos quais a informação passa é se esse objeto ou situação é ameaçador ou não. Para determinar se algo é ameaçador, acessamos uma espécie de depósito em busca de memórias de experiências passadas. Se não encontrarmos nenhuma informação prévia, essa novidade é classificada como perigosa.
O que isso pode influenciar?
Fazendo a leitura de alguns artigos, identifiquei que algumas pesquisas sobre o medo do desconhecido descobriram que ele aumenta a atividade da amígdala e do hipocampo, aumenta a negatividade relacionada a cometer erros e ativa o Sistema Inibitório de Comportamentos. Ou seja, a incerteza nos causa medo, negatividade e nos paralisa, levando-nos a fugir de novas situações.
Como o cenário atual de violência não é nada satisfatório e precisamos estar preparados para o enfrentamento de situações perigosas, não dominar esse medo pode nos trazer consequências muito mais nocivas do que o cultivo dessa aversão às armas de fogo.
O medo é adaptável na medida em que nos freia e nos faz agir com cautela diante de perigos potenciais. No entanto, a intensidade dele pode comprometer outras áreas, como por exemplo, entendermos que esses instrumentos, nas mãos de homens de bem servem para nos defender e interromper uma ameaça.
Essa paralisia causada pelo medo do desconhecido e suas consequentes desvantagens fazem com que as pessoas aceitem mais as consequências negativas em vez de tolerar o medo e lidar com ele.
O medo geralmente não é causado por uma experiência ruim. Porém, é útil analisar se o medo do desconhecido é produto do aprendizado ou da educação recebida.
Estamos falando de uma emoção natural que pode nos salvar de alguns problemas. No entanto, também pode nos impedir de atingir determinados objetivos ou de sermos surpreendidos pela própria violência.
Fato é que o desconhecido envolve riscos, esforços e demanda muita energia e isso leva a pessoa a alimentar o medo irracional e, às vezes inconscientemente, as mantém presas à própria zona de conforto, onde os perigos já são conhecidos e a maioria deles controlados.
Porém, não se permitir experimentar o novo impõe limitações. Você pode perder a chance de sobreviver.
Entender que a nossa segurança é nossa responsabilidade e que, qualquer pessoa pode sofrer uma situação ameaçadora é um dos primeiros passos para se libertar dessa repulsa às armas de fogo.
Quando entendemos que essa atmosfera de violência assola nossa sociedade abrimos a mente para compreender quem anda ou possui essa ferramenta.
De posse dessa consciência, passa-se a querer vencer o medo do desconhecido.
Para não deixar essa emoção dominar a sua mente, é necessário procurar conhecer aquilo que se desconhece e entender que quando buscamos o conhecimento do que tememos lidamos melhor com isso.
A simples atitude de saber como funciona uma arma de fogo já irá diminuir consideravelmente essa repelência.
Direcionar esse medo para ajudar a cultivar a responsabilidade de constante treinamento daqueles que decidiram pela posse ou porte de uma arma de fogo também trará mais segurança aos que consideram que muitos não têm essa habilidade.
A conscientização da sociedade, principalmente das pessoas que têm aversão às armas de fogo, da violência constante que nos cerca é um trabalho que precisamos dedicar atenção.
“Eu sempre tive certa aversão a armas, acho que por medo mesmo de acidentes ou de achar que as pessoas poderiam usar em um momento de descontrole, sempre tive a sensação de que me traz mais perigo do que sentimento de segurança. Apesar de nunca ter tido acidentes com pessoas próximas, eu sempre tive receio de mal manuseamento de armas. Mas eu também nunca soube manusear e sempre me sinto desconfortável em pegar, mas não sei dizer exatamente o porquê dessa aversão”. Depoimento de uma pessoa próxima.
Por essa razão, nós, que já temos esse convencimento, necessitamos estar em constante treinamento, agindo com responsabilidade e entendendo que se não agirmos de forma coerente e assertiva traremos mais ainda a hostilidade às armas de fogo.
Episódios como o da “Dama de vermelho” (notícia veiculada em fevereiro de 2022), prejudicam e enfraquecem o movimento.
O cultivo da maturidade é algo de extrema necessidade para que a conscientização dos avessos às armas seja tangível.