Podemos considerar um recurso especial que vem sendo utilizado com bastante frequência por unidades especializadas na atualidade. Importante esclarecer inicialmente a distinção entre atirador designado e atirador de precisão policial. Não obstante a similaridade de nomenclaturas e atribuições, apresentam-se com especificidades, processo de formação e equipamentos diferentes. A formação de um atirador de precisão policial é mais extensa e complexa, tornando-o apto a exercer a função de designado caso a situação assim o requeira. De outro lado, a ordenação do atirador designado é mais objetiva, buscando habilitar um operador comum com dificuldade no acerto de disparos a efetuar tiros mais precisos à distâncias intermediárias, não o autorizando em hipótese alguma a atuar como atirador de precisão.
São pré-requisitos para ingressar no curso de formação de atirador de precisão policial (sniper): Ser formado em curso de operações especiais ou similar; integrar uma unidade de operações especiais ou similar; ser bom atirador e conhecedor de balística e possuir um fuzil no calibre .308 WIN equipado com luneta e bipé. Para ingressar no curso de formação de atirador designado as exigências são menores, podendo o candidato ser um operador comum, com um fuzil leve (podendo ser no calibre 5,56x45mm), semiautomático e com um equipamento óptico de baixa magnificação.
A maioria dos atiradores designados estão optando pelo calibre acima mencionado, por se tratar de uma arma mais leve, de fácil transporte e com um desempenho balístico muito satisfatório. Isto porque uma vez o armamento zerado a 50 metros, pode se utilizado em até 230 metros sem ajustes manuais na clicagem, havendo uma oscilação média de 7 centímetros para cima ou para baixo a depender da distância (MPBR – maximum point blank range). Imaginando um alvo circular com dímetro de 14 centímetros, com o equipamento adequado e bem ajustado (estando posicionado dentro dessa distância acima citada e com engajamento rápido do optrônico no centro do tronco do oponente), seria um bom tiro de inibição reativo do oponente.
Um olhar técnico, chega ao entendimento de que, dos calibres disponíveis, o mais adequado é o 5,56x45mm, pois é um projétil que tende a impactar e permanecer no corpo, mitigando os riscos de efeitos colaterais, como afirmado por Vicent J. M. Di Maio em sua obra Gunshot Wounds (JUNIOR, 2021).
O atirador designado possui como função principal integrar a patrulha urbana e proteger seus pares que incursionam em conduta de patrulha, visando evitar um combate aproximado uma vez que longas distâncias favorecerão sua técnica utilizada com equipamentos apropriados. É facilmente compreendida quando se imagina um grupo de policiais (entre 7 e 12) compondo uma célula de patrulha e adentrando a um local hostil e com possível resistência armada. Ao ser atacado por disparos de arma de fogo, que não se sabe de qual direção partiram, instintivamente todos buscarão um abrigo na intenção de salvar-se e, em seguida, iniciar contato com toda equipe visando empregar técnicas de ação imediata.
Nesse momento, o atirador designado buscará um abrigo e, imediatamente, pelo seu aparelho óptico, buscará de onde partiu esse injusto ataque armado, como forma de proteção dos seus pares, continuidade e fiel cumprimento da ordem judicial. Dessa forma citamos JUNIOR, 2021, que reforça a importância de aumentar a distância dos confrontos, total domínio das técnicas e equipamentos empregados e assim, proporcionar mais segurança aos operadores envolvidos na operação.
Em suma, o atirador designado é um policial operador com conhecimento de tiro e balística, responsável pela proteção de sua equipe, capaz de realizar um disparo a média distância (até os 300 metros) de forma precisa e controlada. Porta um fuzil semiautomático comum, com munição comum e com equipamento óptico de baixa magnificação, que o capacite à função.
Por outro lado, mesmo quando no itinerário não houver ataque, ao localizar e identificar a casa alvo de um mandado, prontamente a equipe se posicionará com toda a sua atenção voltada para o interior do imóvel e sua redondeza. Nesse caso, o atirador designado se posicionará para o lado oposto, buscando pontos sensíveis de onde possam surgir ameaças. Sempre avaliando a possibilidade de criminosos prevalecerem-se desse momento no qual os operadores estarão com a atenção voltada para a edificação alvo do cumprimento de mandado judicial e, assim, a falta de atenção ao entorno desse cenário crítico pode promover ataques inesperados à equipe. (Menezes, 2021)
Considerações técnicas
A maioria das pontas de fuzil saem do cano viajando mais rápido que a velocidade do som – velocidade supersônica (> 340m/s).
Dessa forma, ocorrerá o estrondo sônico enquanto viaja pelo ar. Este é um dos dois sons de um disparo de fuzil. Um som são os gases em expansão para fora do cano e o outro é o “crack supersônico”. Se você colocar um supressor de ruído na ponta de um fuzil e o projétil for supersônico, você ainda ouvirá o estalo supersônico.
Um projetil viajando a velocidades supersônicas sofrem pressões complexas e o arrasto exercido fazem com que ela desacelere rapidamente. Uma vez que o projetil cruza a barreira do som de volta ao voo subsônico, ela desliza pelo ar com muito mais eficiência. Por exemplo, com a velocidade calculada para um típico Sierra HPBT de 175 gr disparado de um .308 Win. de 0 a 1820 metros. Quando o projetil é supersônico, ela perde muito mais velocidade a cada 90 metros do que quando é subsônica. Na verdade, o projetil perde mais velocidade de 0 a 90 metros (-55 m/s) do que nos últimos 540 metros de 1280 a 1820 metros (-49 m/s).
Zona Transônica e Estabilidade Dinâmica
Algo imprevisivelmente ruim acontece quando a ponta passa do voo supersônico para o voo subsônico. O período de transição é chamado de zona transônica. À medida que passa por essa, ela pode se tornar instável e então passamos a falar de Estabilidade Dinâmica, que deve ser conhecida de forma empírica. Às vezes, continuará voando como deveria, enquanto outras vezes pode guinar e cair terrivelmente. Isso significa que, embora possa ser feito, é melhor evitar efutuar tiros quando a distância já estiver na zona transônica. (LYTZ, 2016)
Como atiradores de longas distâncias com projeteis estabilizados por rotação, também precisamos entender sobre estabilidade dinâmica.
A estabilidade giroscópica do projetil cresce à medida que o projetil voa, pois a velocidade de avanço diminui mais rápido que sua taxa de rotação.
Projeteis disparados com estabilidade giroscópica adequada podem se tornar instáveis a longo alcance – na zona transônica. A maioria acredita que o problema é a falta de estabilidade giroscópica e, às vezes, tenta remediar usando um passo de raiamento mais rápido, aumentando a estabilidade giroscópica do projétil tanto no cano quanto no alcance inferior. No entanto, a queda do projetil à longa distância se dá por falta de estabilidade dinâmica.
A estabilidade dinâmica é inteiramente distinta da estabilidade giroscópica, sendo um assunto de maior complexidade. Os fatores que afetam a estabilidade dinâmica são mais sutis e são bastante afetados à medida que o projetil diminui para velocidades transônicas (306 a 408 m/s).
Alguns projeteis são capazes de ter sucesso no regime de vôo transônico e voar até o subsônico sem cair, enquanto outros não terão estabilidade dinâmica adequada para sobreviver à grandes oscilações das forças e torques aerodinâmicos enquanto voam através da barreira do som. Por causa da natureza sutil das coisas que afetam a estabilidade dinâmica, é muito difícil prever se um projetil terá ou não estabilidade dinâmica adequada para voar corretamente através da velocidade transônica. A única maneira de saber com certeza é experimentando.
Em geral, projeteis mais pesados com coeficiente balístico mais alto são mais propensos a passar pelas velocidades transônicas, enquanto os mais leves e de menor calibre tendem a ter mais problemas.
É fácil calcular o passo de raiamento necessário para superar a instabilidade estática no cano (velocidade supersônica). No entanto, é extremamente difícil calcular o passo de raia necessário para superar uma instabilidade dinâmica causada pelo vôo transônico.
Conjunto arma e munição
O atirador deve ter conhecimento sobre balística para escolher sua arma e munição que irá utilizar para aumentar a eficiência do seu emprego e diminuir chances de efeitos colaterais.
Deve ser levado em consideração o fator de estabilidade giroscópica (S) do projetil e, para que isso ocorra, o projétil deve está de acordo com o passo de raiamento do cano da arma.
Os aplicativos ou software balísticos de uso contínuo pelo atirador, fornecem o fator de estabilidade do projetil após serem adicionadas informações necessárias como velocidade inicial, peso do projetil, coeficiente balístico, passo de raiamento (taxa de torção) da arma entre outros, como mostra a foto a seguir.
Fator de estabilidade giroscópica (S) abaixo de 1 (esse número não tem unidades) é considerado um projetil instável e não deverá ser utilizado para tiros de médias e longas distanciais. Entre 1 e 1,25 é o limite para sua utilização, também não sendo recomendado. Entre 1,25 e 1,7 é o ideal e recomendado para uso pelo atirador. Acima de 1,7 há chance de redução de acurácia, mas a superestabilização tem muito menos chances de possível capotamento (com exceção de falha na construção do projétil) que um projetil instável, que realmente deve ser abandonado e não utilizado. Como reforça MASSARO, 2017:
Eu li as teorias que afirmam que girar uma bala muito rápido terá um efeito dramático na velocidade com que a energia é consumida pelas revoluções da bala. No entanto, não encontrei nenhuma evidência para provar este ponto ao fazer testes e pesquisas para este livro, e todos os dados científicos apontam para o fato de que qualquer redução na velocidade causada pelo giro da bala é tão mínima que deve ser desconsiderada. Eu prefiro ter uma bala superestabilizada do que subestabilizada, especialmente para tiros de longo alcance. No entanto, por mais valioso que seja uma taxa rápida de torção para estabilizar um projétil mais longo, ela ampliará quaisquer falhas na construção da bala. Se você tiver um pequeno vazio no núcleo de chumbo, ou uma jaqueta que não seja perfeitamente concêntrica, uma taxa de torção mais rápida certamente trará isso a tona.
Passo de raiamento | Peso de ponta | Fator (S) | Zona transônica |
1:10 | 55gr | 2,03 | 650m |
1:10 | 77gr | 1,18 | 650m |
1:7 | 55gr | 4,1 | 720m |
1:7 | 77gr | 2,4 | 720m |
Um cano com passo de raiamento 1:10 o projetil entra na zona transônica em aproximadamente 650 metros. Utilizando projetil comum com 55gr de peso atinge fator de estabilidade giroscopica de 2,03, valor aceitável e próximo do recomendado. Com projetil OTM com 77gr atinge fator S de 1,18, estando na zona não aconselhada..
Em um cano com passo de raiamento 1:7 o projetil entra na zona transonica em aproximadamente 720 metros. Utilizando projetil comum com 55gr de peso atinge fator de estabilidade de 4,1 ocorrendo uma exagerada superestabilização, não recomendado nestas proporções. Com projetil OTM 77gr atinge fator de S de 2,4, uma superestabilização aceitável e que vem demonstrando bom comportamento.
Corroborando assim, que um fuzil com passo de raiamento de 1’10 o projetil recomendado é o comum 55gr, já para o fuzil com passo de raia de 1’7 recomenda-se o projetil OTM de 77gr. Não sendo recomendado o inverso.
Considerações finais
Assim sendo, é possível reconhecer como atributo essencial do atirador designado a possibilidade de franquear segurança aos envolvidos na operação e aumentar as chances de êxito nas missões. Deste modo, demanda ter tratamento proporcional à sua relevante atuação, com reforço de incentivo junto aos gestores para oportunizar treinamentos continuados e constantes, assim como o apoio à formação de novos atiradores.
Concluímos então que o embasamento técnico-teórico da utilização desta importante ferramenta pode trazer relevantes contribuições para a atuação mais acurada de agentes de segurança pública, tornando suas ações mais eficazmente realizadas. E, ainda, estima-se que a ampla divulgação e aprofundamento dos estudos na área, concede inúmeros benefícios que poderão ser percebidos a longo prazo, como por exemplo proporcionar maior segurança nas operações policiais com consequente acréscimo da confiabilidade em suas ações.
Referências bibliográficas:
BETINI. Eduardo Maia; TOMAZI, Fabiano. Charlie – Oscar – Tango. Por dentro do grupo de operações especiais da polícia federal. Ícone editora. 1ª edição – 9º reimpressão. São Paulo/SP. 2018
CAMARGO, J. A. DE. Uso do fuzil em ocorrências complexas: o aumento da distância de segurança em confrontos armados como ferramenta protetiva. [s.l.] POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2019.
JUNIOR, Alcir Amorim. O Atirador designado e a atividade policial: Um olhar crítico sobre os aparelhos de pontaria. Goias, 2021
MAIO, Vicent J. M. Di. Gunshot Wounds. 1999.
MARIZ, Luiz Gaspar. Anotações sobre a doutrina policial: Balística. 1º Edição. Edição do Autor. Brasília, 2019.
MASSARO, Phillip. Big Book of Ballistics. Estados Unidos, 2017
MENEZES, Rodrigo. Anotações sobre a doutrina policial: Sniper Policial. 1º Edição. Edição do Autor. Vitória, 2020.
LYTZ, Brian. Applied Ballistics for long-range shooting 3rd Edition: Understanding the elements and application of External Ballistics for successful long-range target shooting and hunting. Estados Unidos, 2016