Os incidentes do início de 1990 em Ruby Ridge, Idaho e Cerco de Waco no Texas trouxeram pela primeira vez as imagens de um grupo tático paramilitar. Para muitos na época ver homens trajando roupas pretas munidos de submetralhadoras, rifles de guerra, esquemas táticos invadindo casas americanas era um abuso. Porém, com os estudos e as investigações desses incidentes logo ficou claro que nascia ali uma necessidade na área de segurança pública, uma tendência motivada pela evolução do crime e de como combatê-lo.
Essa discussão sobre unidades paramilitares policiais foi um debate crítico, mas não convenceu com seus relatos sobre o crescimento nefasto do paramilitarismo nos departamentos da polícia americana. A sra. Cecilia Weber do Instituto Cato fez inúmeras afirmações gritantes sobre a mentalidade militar empregada nessas unidades. Sobre seu treinamento, a incompatibilidade desse mindset de guerrilha para conservar a ordem e aplicar a lei, e que unidades como SWAT estão sendo super dimensionadas para o policiamento de rotina, bem como a inferência de que a totalidade dessas circunstâncias indica uma posição da violação dos direitos constitucionais.
Esta retórica é tão absurda quanto a de que policias de “Radiopatrulhas” não podem ter conhecimentos técnico de grupos táticos ou especializados. Para esclarecimentos, vamos resumir o que é radiopatrulha. É um sistema de policiamento utilizado nos centros urbanos em que uma estação central (COPOM) mantém comunicação contínua com policias equipados com rádio, informando-lhes das ocorrências e direcionando-as.
Mas de qual conhecimento estamos falando? Tem inúmeros que são de suma importância para qualquer policial independente de sua patente, posição hierárquica, cargo ou se ele pertence ou não a uma equipe tática. Hoje infelizmente muitos desses conhecimentos não são repassados em treinamentos institucionais, e quando são, passam de forma errônea ou confusa. Uma dessas doutrinas é o CQB (Combat Quarter Battle) Combate em ambientes confinados ou combate a curta distância,é um tipo de ação militar em que se emprega um conjunto de táticas quando a proximidade com o alvo é mínima, em ambientes estreitos, restritivos e confusos, usando métodos de combate diferentes das da infantaria militar treinada para operar em ambientes mais abertos.
Historicamente, o CQB na polícia começou na década de 70 nos EUA, em razão da turbulência social e política. Com uma onda de crimes caracterizados por um aumento de uso de armas de fogo usadas por grupos socialistas e lunáticos com fanatismos ideológicos. Como no caso do Massacre na Universidade do Texas, onde um veterano de guerra, Charles Whitman, com um visível desequilíbrio emocional, subiu em uma torre e começou a atirar aleatoriamente. Nesse dia a polícia de Austin não tinha nenhum plano contra “Atiradores Ativos”, e os policiais de rotina não tinha nenhum treinamento similar à situação.
Resultado, assumiram 90 minutos para invadir a torre de observação e matar o Whitman, que nesses 90 minutos, matou 14 pessoas e feriu outras 32 com armas de caça. Muitos policias de Austin viram aquilo como um presságio do futuro, mostrando a necessidade de novas abordagens para o trabalho policial. Com o passar do tempo, membros da SWAT começaram a desenvolver entradas táticas para combater criminosos embarricados, conforme suas experiências adquiridas com os “Marines” (marinha americana) e adaptando para o cotidiano policial.
No Brasil a doutrina de CQB é fortemente introduzida a unidades táticas e operacionais. É treinada exaustivamente pois exige um alta performance recheada de reflexo, raciocínio rápido, precisão, técnica e velocidade. Todavia, esses cenários envolvem ameaças extraordinárias fora das capacidades convencionais da polícia e, portanto, essas unidades de resposta tática são especificamente organizadas, equipadas e treinadas para responder à essas situações. Portanto requerem táticas e técnicas especiais envolvendo procedimentos de entrada e liberação de salas que são as marcas registradas do CQB.
Entretanto, na maioria dos casos, a primeira viatura a chegar nesses cenários é a Radiopatrulha. Não é a toa que é considerada o “coração da instituição”, a “ponta da lança”, pois é ela que atende a grande maioria das ocorrências, e algumas delas com narrativas divergentes com o fato constatado no local pelo policial. Quando por exemplo, a polícia é acionada e vai ao local, verifica que não é uma perturbação de sossego e sim quatro pessoas tentando agredir uma mulher dentro de uma casa.
Isso é muito corriqueiro. Estes fatos aumentam a complexidade da ocorrência. Lembrando que uma entrada tática e a ultima alternativa para uma equipe especializada, já em ocorrências de Radiopatrulha essa pode ser a primeira alternativa. Muitos vezes sem muita tática, procedimento e técnica, policiais adentram em casas e edificações se expondo.
Exemplos, uma situação que policiais necessitam entrar em uma casa desconhecida para averiguar uma situação de furto em andamento, ou entrar em um pequeno condomínio o qual houve uma denúncia de alguém usando drogas, ou ter que invadir uma suposta boca de fumo em uma favela encontrada durante o patrulhamento. Situações como estas que se enquadram no contexto de CQB colocam o policial em um risco muito alto, mas seu dever de agir é muito maior.
Mas se eu não sei tais técnicas de CQB, sou obrigado mesmo assim a agir? O jurista Juarez Tavares explica que como o garantidor poderia salvar alguém se afogando se não sabe nadar? Nadar é uma técnica adquirida para o bombeiro que atua em áreas propícias de afogamentos, assim como o CQB tem que ser para o policial que atua em áreas urbanas propícias a combates em recintos confinados. O dever de agir deve ser sempre legal, necessário e consciente. A imprudência ou a falta de conhecimento sobre tal técnica pode levar á morte.
Essa é a problemática atual, policiais agindo em ocorrências complexas e tempestivas sem treinamento adequado e sem orientações corretas. A maioria das instituições policiais esquecem sua principal ferramenta para o combate ao crime, apesar de possuírem doutrinas estabelecidas, não possuem um padrão uniforme e estratégico nas operações rotineiras das RP’s. Diversos policiais carregam brevês, ostentam seus emblemas de cursos dentro e fora do país, mas se limitam a passar tais saberes. Ao invés de somar, se tornam extintos. Lembro de ler em um artigo a frase,“O conhecimento compartilhado é a engrenagem do desenvolvimento.”
Nas palavras do Policial Federal, Eduardo Bettini com vasta experiência em Operações Especiais, além de escritor, nos fornece uma perfeita explanação;
“Na era da informação, conhecimento não é poder, a transmissão de informação é poder, não reter o conhecimento, o equipamento, e você ensinar, repassar.”
Depois do atentados do 11 de setembro, e ações terroristas, unidades militares americanas precisavam modificar suas doutrinas de TTP (Táticas, Técnicas e Protocolo) em entradas táticas , pois suas missões em território do Talibã e da Al Quaeda eram cheio de casas e edificações. Os Navys Seals não só buscou esse conhecimento com unidades da SWAT como aprimorou durante a guerra ao terror e compartilhou para os policiais de volta.
“Enquanto policiais e soldados treinavam juntos, aprendíamos uns com os outros. Os militares levaram nossas táticas CQB para a guerra e desenvolveram alguns aprimoramentos próprios. As táticas e tecnologias de violação de hoje foram promovidas por nossos colegas militares. “
Sgt Glenn Flench, 16 anos Swat, ex comandante da Equipe de Resposta Especial em Michigan.
Também podemos citar o treinamento e a capacitação de policiais voltado a situações com “Active Shotter“, entre as doutrinas passadas está o CQB para Radiopatrulha e Policiais convencionais americanos, no que tange a neutralização ou incapacitação de atiradores ativos. Em razão que nem sempre a equipe tática irá conseguir chegar em tempo hábil no local da crise. Então a primeira resposta é o policiamento local.
Atirador ativo é alguém que toma a iniciativa de matar ou tentar matar pessoas em ambiente delimitado e populoso; na maioria dos casos, os atiradores ativos usam armas de fogo sem nenhum padrão ou método definido para seleção das suas vítimas. As situações de atirador ativo são imprevisíveis e evoluem rapidamente. Em geral, é necessária a mobilização imediata da polícia para parar os tiros e reduzir os danos às vítimas.
U.S. Department of Homeland Security (Departamento de Segurança Interna dos EUA)
Washing
Claro que quando se fala nos EUA, pensamos na hora em melhores equipamentos e treinamentos, eles realmente investem na segurança publica e sua politica é uma referencia. É normal você ver em viaturas americanas equipadas taser, escudo balístico, fuzil, lança granadas (lacrimogênio),… realidade totalmente anormal no Brasil, alguns desses equipamentos são restritos a unidades táticas. Quanto melhor os equipamentos mais habilidades indeléveis os policiais terão, e maior probabilidades de sucesso. A conexão entre equipamentos e os policias são cruciais para formação de estratégias e táticas conforme a crise que enfrentar.
Recentemente o 10º Batalhão de Ações Especiais de Polícia de Piracicaba (10º BAEP) participaram de treinamento sobre atendimento de ocorrências envolvendo “Atiradores Ativos”. O referido treinamento visa a aplicação de protocolos rápidos de intervenção por parte dos Policiais Militares, que tem por objetivo principal cessar a ação dos causadores desse tipo de crise e preservar a vida do maior número de pessoas.
Os policiais foram instruídos sobre a parte teórica do assunto na sala de aula do 10º BAEP, onde foi explanado o histórico desse tipo de ocorrências no Brasil e no mundo, sendo ainda realizados estudos de casos, entre os mais emblemáticos as tragédias de Suzano/SP (2019) e de Realengo/RJ (2011). E é claro o CQB foi passado como uma das oficinas mais importantes nesses cenários.
Não podemos deixar de citar os casos de cidades sitiadas por quadrilhas fortemente armada e organizada taticamente com intuito de roubar bancos e caixas eletrônicos, modalidade essa é conhecida como “novo cangaço”. Apesar de que os confrontos ocorrem em área aberta urbana ou rural, o treinamento para toda a tropa sobre os protocolos a serem seguidos e as medidas a serem tomadas é importantíssimo.
O assalto a uma agência bancária em Cricíuma, município de Santa Catarina sitiado por uma quadrilha na madrugada, rendeu uma série de menções ao conceito de “novo cangaço” na internet. A expressão remete à onda de violência no sertão nordestino entre os séculos XVIII e XX e passou a ser associada às ações de bandos itinerantes que roubam instituições financeiras e atacam quartéis policiais de cidades pequenas e médias.
“Elas envolvem planejamento minucioso, infraestrutura sofisticada e, na perspectiva técnica, uma mão de obra qualificada. Há uma divisão clara de tarefas e um direcionamento para que não sejam ações duradouras, de muitas horas. Ao usar pessoas como escudo humano, se ganha muito tempo e desencoraja a polícia a fazer perseguição. Sendo quadrilhas numerosas, que quase sempre cobre os rostos, fica muito difícil a identificação e a prisão”
Jânia Aquino,Sociologa e pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Esperar ocorrer incidentes para mudar o plano não é o caminho mais sábio, o Brasil infelizmente carrega essa mania herdada da displicência de esperar acontecer para depois fazer. Isso quando muda, por muitas vezes a mudança demora anos, enquanto não muda, criam soluções profiláticas e artificiais para cobrir parcialmente as falhas.
Limitar o conhecimento e restringir equipamentos essenciais para o serviço policial é inadequado e antiquado, e as instituições tem que reformular suas doutrinas e culturas. Sabemos que alguns TTPs no CQB para Radiopatrulhas não são necessários ensinar porque foge as vezes da realidade e o contexto daquele policial, mas os fundamentos podem sim melhorar a performance desse policial e sua eficiência, junto com o investimento no trinômio Homem, TTP, Equipamento, sem dúvida alguma, é o principal fator de mitigação do risco da atividade deste.
Referencias Bibliográficas:
https://en.wikipedia.org/wiki/Close-quarters_combat
https://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Whitman
http://geopedrados.blogspot.com/2018/02/o-cerco-de-waco-comecou-ha-25-anos.html