Olá pessoal, tudo bem?
Tenho recebido muitas indagações a respeito do fundamento Visada. Apesar de simples, esse fundamento pode ser influenciado por uma série de fatores fisiológicos, contextuais e ambientais.
Diante disso, resolvi escrever o artigo em 3 partes, visando sanar boa parte dessas dúvidas e, por que não, fazer algumas provocações à reflexão sobre alguns tópicos relacionados a esse fundamento do tiro.
Ao aprofundar os estudos sobre a Visada, acabei mergulhando em alguns assuntos com tanta profundidade que passei a me questionar se aquilo era realmente necessário. Nunca sabemos onde isso vai nos levar. Mas como disse Johnson (2011), é no encontro de palpites e anotações que surgem as boas ideias. Por isso, vamos em frente!
No primeiro artigo que escrevi para o InfoArmas, O FUNDAMENTO VISADA NA PRÁTICA, você vai encontrar basicamente 4 modos de aplicar o fundamento Visada no tiro: focando no alvo, focando na massa, alinhando perfeitamente o aparelho de pontaria ou mesmo nem utilizá-lo. Tudo conforme o contexto de aplicação do seu tiro. Saber fazer essa diferenciação é primordial.
Para esse artigo, vou considerar a aplicação do fundamento Visada para o tiro defensivo, devido à imprevisibilidade da ocorrência quanto a horário e local. Se você é atirador esportivo e busca conhecimento para aplicação exclusiva no esporte, faça a leitura e extraia aquilo que for interessante. Certamente vai achar algo interessante para o contexto esportivo.
Conhecer e dominar as técnicas de aplicação do fundamento Visada vai te proporcionar a escolha daquela mais vantajosa na situação em que você se encontra.
Eu realmente não acredito no conceito de “certo ou errado” quando tratamos de alguns temas do tiro. No meu ponto de vista, existe o mais e o menos vantajoso, conforme as características do atirador e seu contexto de tiro.
Na primeira parte, vamos detalhar a construção do fundamento. Na segunda, vamos falar de algumas situações adversas onde você vai aplicar esse fundamento, e na última, vamos falar do treinamento e complementar com algumas questões que podem surgir durante a publicação das partes anteriores.
A VISADA
Sabemos que, didaticamente, a Visada é formada por 4 elementos: olho, alça de mira, massa1 de mira e alvo. O alinhamento desse quatro elementos forma a linha de visada. Cada um desses elementos básicos poderia ser abordado em um artigo separado, tamanha a quantidade de informações que podem ser trazidas sobre cada um deles. Por isso, vou tentar ser bastante sucinto. Existem outros elementos que também interferem na aplicação desse fundamento, que não são citados nos cursos básicos de tiro, mas que serão abordados mais adiante.
O OLHO
O olho humano é uma máquina incrível, complexa, sensível e bastante suscetível a falhas dos mais variados tipos. Como órgão responsável pela visão, um dos sistemas sensoriais primordiais para o tiro, vamos analisá-lo sob os seguintes aspectos: a direção da visão, o foco da visão e a formação da imagem.
DIREÇÃO DA VISÃO
A direção da visão do olho é controlada pela musculatura extraocular, como mostra a figura abaixo.
Essa musculatura é responsável por determinar a direção para o qual o olho está “apontando”. Como o olho trabalha em par, a combinação das informações recebidas pelos olhos nos permite ter a noção de profundidade, além da construção da imagem 3D em nosso cérebro.
Considerando que você está olhando para um alvo, conforme ele se distancia ou se aproxima, a musculatura extraocular trabalha em conjunto mantendo ambos os olhos apontados para o alvo em movimento. Quando ele se aproxima, os olhos fazem um movimento de convergência, quando o alvo se afasta, o movimento é de divergência. O mesmo acontece quando olhamos para a massa de mira e depois desviamos nosso olhar para o alvo.
FOCO DA VISÃO
Ao mesmo tempo em que os olhos fazem o movimento de convergência ou divergência, nossos olhos também fazem o ajuste do foco para manter a nitidez e clareza da imagem interpretada pelo cérebro.
Quando falamos em foco, não podemos confundir com o foco da atenção. Imagine que você está olhando para a TV, enquanto assiste a um filme, mas sua atenção está em como será o próximo treino no estande.
O foco da sua visão está na TV, mas o foco da sua atenção está no treino.
O foco da visão é ajustado pela musculatura ciliar, um músculo liso em forma de anel, responsável por deformar o cristalino, ou lente, na medida necessária para manter a nitidez daquilo que estamos observando.
Quando o músculo ciliar se contrai, ele deforma o cristalino aumentando a sua curvatura, melhorando o foco em objetos mais próximos. Com a idade, esse músculo perde sua elasticidade, dificultando o foco em objetos próximos.
FORMAÇÃO DA IMAGEM
Quando olhamos para um alvo no fundo do estande de tiro, nossos olhos são alinhados com ele pela musculatura extraocular e o cristalino é ajustado para que a luz refletida pelo alvo chegue com nitidez no fundo dos nossos olhos, na retina.
A quantidade de luz recebida pelos olhos é controlada pela íris, a musculatura que regula o tamanho da pupila (abertura). A íris possui dois músculos, o dilatador e o esfíncter, que trabalham conforme a incidência de luz recebida pelo olho. Esse controle é necessário para que os fotorreceptores, cones e bastonetes, possam converter a luz refletida no alvo em impulsos elétricos necessários para a interpretação dos dados pelo cérebro.
Na medida em que essa luz penetra no globo ocular e atinge os fotorreceptores localizados no fundo do olho (retina), transformando essa projeção de luz em dados sobre intensidade de luz e cores, que são interpretados pelo cérebro, formando uma imagem com contornos, cores, brilho e contraste.
Conforme o ângulo de incidência da luz no olho humano, ele atinge uma determinada região da retina, que cobre aproximadamente 2/3 do globo ocular. Como mostra a imagem abaixo, a região mais central é aquela em que a luz penetra com muita qualidade, permitindo que o olho obtenha dados precisos, suficientes para formar uma imagem com muita nitidez.
Isso acontece porque a Fóvea Central, formada por cones, e regiões próximas, que possuem uma grande quantidade de cones, são responsáveis pela detecção das cores vermelho, verde e azul, permitindo alta resolução e acuidade máxima da visão. Conforme a luz projetada se distancia da fóvea central, na retina, a quantidade de cones reduz e aumenta a quantidade de bastonetes, responsáveis pela detecção da intensidade de luz e os tons de cinza. Ambos os fotossensores estão presentes em toda a retina, em proporções diferentes, conforme a região.
Enquanto a região central do olho tem a capacidade de produzir imagens com alta nitidez, a visão periférica é capaz de reconhecer com muita facilidade os movimentos de corpos opacos que estão sendo captados por essa região da retina.
Visão Focal e Ambiental
Schmidt (2010) divide nosso campo visual em dois sistemas, visão focal e visão ambiental (periférica). Segundo ele, elas possuem as seguintes características:
Característica | Visão Focal | Visão Ambiental (periférica) |
Localização do campo visual | Central (fóvea central e região próxima) | Central e periférica |
Consciência | Consciente | Inconsciente |
Efeito da pouca iluminação | Degradação | Muito pouca |
Questão geral resolvida | O que é isso? | Onde está isso? |
Fonte: Schmidt (2010) adaptado.
Enquanto a visão focal responde a questão “o que é isso?” pela clareza e nitidez da imagem formada, a visão periférica nos responde a questão “onde está isso?” por sua capacidade de detecção de movimento, apesar da pouca nitidez e clareza.
Resumindo, com as informações recebidas pelos olhos, podemos estimar distâncias dos alvos, ter noção de profundidade dos ambientes, identificar movimentos pela visão periférica e visualizar objetos com altíssima clareza e nitidez na região da visão focal.
O APARELHO DE PONTARIA
O mercado oferece uma quantidade enorme de modelos de aparelho de pontaria com sistema aberto, miras optrônicas, lunetas, etc. Não vou tratar das lunetas, das miras holográficas ou red dot nesse momento, pois ainda careço de mais informações e experiência sobre o tema.
Sobre as miras abertas, vamos analisá-las sobre duas óticas: distâncias e pontaria.
Existem muitos modelos de mira aberta para pistolas, carabinas, espingardas e fuzis. Com fibra ótica ou trítio, com ambos, com pintura, etc. Também existe uma variedade grande de formatos, como alguns mostrados abaixo, cada um com uma forma de realizar o alinhamento entre as partes do aparelho de pontaria.
Quando alinhamos o olho com o aparelho de pontaria, nosso objetivo é garantir o alinhamento do mesmo com o ponto de acerto no alvo. Esse alinhamento sofre interferência direta de duas distâncias importantes: a distância entre o olho e a alça de mira, e a distância entre a alça e massa de mira.
Sabemos que, quanto maior a distância entre a alça e a massa de mira, maior será a facilidade de garantir o alinhamento com o ponto de acerto desejado no alvo. Essa distância costuma ser fixa em pistolas, revólveres e em boa parte das armas portáteis. Em outras, existe a possibilidade de mover a posição da massa e da alça de mira.
Para um mesmo atirador, costuma ser mais difícil acertar um alvo distante com uma pistola subcompacta do que com uma standart, pela distância menor entre a massa e a alça de mira. Obviamente que quanto maior e melhor o treino e a habitualidade com o equipamento, melhores serão os resultados do atirador.
Você pode encontrar modelos de armas em que a “folga” entre a massa de mira e a alça é mais justa ou mais folgada. Aparelhos mais robustos e outros mais justos. Com trítio, fibra ótica, com ambos ou somente pintado… tem pra todo gosto. Os modelos mais “justos” tendem a facilitar a vida de quem busca um tiro com maior precisão. Os aparelhos mais robustos tendem a facilitar a vida de quem busca um enquadramento rápido diante de uma ameaça. Você já sabe qual é o mais adequado para o seu tiro?
Em relação à distância entre o olho e a alça de mira, quanto menor for, maior será a dificuldade de manter a massa centrada na alça, ou seja, equidistante das bordas, devido à diminuição do tamanho da massa de mira em relação à alça e o maior embaçamento (perda de foco) da alça. Veja as imagens abaixo.
Isso acontece quando adotamos as posições da imagem abaixo, onde a alça de mira fica mais próxima do rosto, ao operarmos com a coronha retrátil das armas longas totalmente retraída ou na posição de tiro deitado com a pistola próxima do rosto.
Dependendo do contexto de tiro, esse prejuízo pode ser insignificante, como nos tiros em alvos próximos e tiros reativos, onde você busca rapidez, não a precisão.
Por outro lado, quando aprendemos sobre o fundamento Visada no curso básico, nos ensinam que o aparelho de pontaria deve ser alinhado com o alvo conforme abaixo:
- topo da massa de mira alinhado com a alça,
- massa de mira centralizada na alça, e
- topo da massa cortando o centro do alvo.
Você sabia que nem todos os aparelhos de pontaria são regulados assim?
Para pistolas e revólveres sem regulagem de altura, encontramos três modos de alinhamento do aparelho de pontaria com o alvo, conforme o modelo da arma e o fabricante.
E aí, você sabe como é o alinhamento do aparelho de pontaria da sua arma?
O ALVO
Como podemos ver na imagem abaixo, existe uma quantidade muito grande de modelos de alvos.
Numa tentativa de classificar esses alvos, podemos categorizá-los quanto ao tipo de desenho (figuras, fogo central e humanoides), quanto à forma de pontuação (escalar ou contagem de acertos), quanto à fixação (fixos e móveis) e quanto à reação (reativos e não reativos).
Conforme o objetivo do seu treinamento, você poderá fazer a escolha pelo alvo mais adequado. Se você precisa aperfeiçoar seu agrupamento de tiro (precisão), certamente não vai optar por um alvo móvel ou cuja forma de pontuar não te dê as informações que precisa.
Se você precisa de feedback imediato, certamente vai optar por algum modelo que, através da sua visão ou audição, saberá instantaneamente que atingiu o alvo.
Mas quando falamos de Visada, existe outro fator que pode complicar a aplicação desse fundamento. O contraste entre o aparelho de pontaria e o alvo.
Conforme a situação em que você se encontra, esse contraste poderá ser dificultado, prejudicando a aplicação desse fundamento. Veja na imagem abaixo.
Nos exemplos da imagem acima, somente a iluminação ambiental mudou, mas foi suficiente para modificar o contraste entre o aparelho de pontaria e o alvo.
Os alvos com fundo branco costumam facilitar a realização do fundamento Visada, mas nem sempre será assim. Quando entrarmos no tópico Low Light, você vai perceber que surgem outras dificuldades com o alvo muito claro.
Agora que você está munido de informações mais detalhadas sobre a Visada…
Te convido a fazer uma autoanálise, considerando seu equipamento, a modalidade de tiro que pratica, as técnicas que utiliza, e fazer algumas reflexões:
- Será que estou extraindo o melhor da minha capacidade?
- O que posso melhorar?
- Quais são as minhas maiores dificuldades?
No próximo artigo, vamos falar sobre as condições adversas para aplicação desse fundamento.
Espero um feedback de vocês no E-mail [email protected] ou no
Instagram @falconi.iat
Até lá… bom treinamento! Forte abraço!
Notas
NOTA 1 – Massa de mira com SS, conforme o Dicionário Brasileiro de Armamento, Munição e Tiro de Anderson Morais de Oliveira, 2ª edição – Curitiba: CRV, 2021.
Referências
JOHNSON, Steven. De onde vêm as boas ideias: Uma história natural da inovação. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. – Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
OLIVEIRA, Anderson Morais de. Dicionário Brasileiro de Armamento, Munição e Tiro. 2ª edição – Curitiba: CRV, 2021.
SCHMIDT, Richard A. Aprendizagem e Performance Motora – Uma abordagem baseada na situação. 4ª edição – Porto Alegre: artmed, 2010.