No século XIX ganhavam-se disputas armadas dentro de salões e bares no Oeste Selvagem dos EUA com uma Técnica que hoje alcança um “Hype” ou uma divulgação nas mídias sociais maciça e tem o seu viés de aplicação muito mais “circense” do que tática num confronto real.
Na onda dos vídeos viralizados e de Instrutores High Speed Motherfucher, a Técnica chamada “Speed Rock” é muito difundida e apresentada como o cartão de entrada das habilidades de tiro, principalmente no mundo da internet onde nem sempre as coisas são o que parecem.
A HISTÓRIA DO SPEED ROCK
Não vivemos no início do século XIX e os confrontos não se dão dentro de salões e bares cheios de cowboys bêbados e caipiras armados, onde os embates se deram a uma distância de um braço ou entre uma mesa de poker no melhor dos filmes de western americano produzidos por Hollywood.
Talvez se considerarmos que nos anos 50 e 60 sacar a sua arma na altura dos quadris numa competição de tiro onde coldres adaptados e gatilhos aliviados fossem imprescindíveis para ser o “mais rápido do gatilho”, isso faria algum sentido no mundo das disputas esportivas. No melhor estilo “Cowboy Quick Draw” dos anos 60!
Então chegam os anos 70 com a maior taxa de mortes de policiais que os EUA já viveu e percebe-se que muitos policiais morrem em serviço pela sua própria arma. Num Combate Corpo-a-Corpo onde o agente da lei perde a sua arma para o marginal que o mata sem piedade, podemos chamar essa habilidade negligenciada por muitos policiais de Técnicas de Retenção e Contra-retenção com armas de fogo (Por favor procure os dois melhores Instrutores do Brasil sobre a matéria Luiz Charneski e Felipe Rodrigues da Bushy Strategy).
Diante deste quadro as agências adotam posições de tiro mais modernas(Weaver, Isósceles e outras que fariam sentido no Mundo das Técnicas da Pistola Moderna), e claro que o “Speed Rock” estaria incluído nesse rol.
A TÉCNICA SPEED ROCK
A técnica foi criada com base em alguns fatores e a partir de posições de tiro já concebidas por outros grandes atiradores como: Ed McGivern, Rex Applegate e Bill Jordan. A curtíssima distância que pode variar entre o contato e a um braço em relação a sua ameaça deixa a sua execução ainda mais complicada. O “Speed Rock” é o seu último recurso, já que você não possui espaço para manobrar ou escapar do ataque de uma ameaça.
O Speed Rock recebeu uma nova roupagem do renomado instrutor Chuck Taylor que adotou uma posição onde você saca a arma e a indexa na altura dos quadris(posição Hip Shooting) enquanto inclina o corpo para trás apontando o cano na direção da ameaça.
Chuck Taylor resolveu o problema da posição décadas atrás, mas desconsiderou alguns pontos sobre a dinâmica dos confrontos armados e combate corpo-a-corpo, bem como a evolução das armas de mão, além de algumas falhas que a sua técnica possui no mundo atual, mas que seriam impossíveis de mapear naquela época.
OS PROBLEMAS DA TÉCNICA
Chegou a hora de elencar os problemas apresentados pela Técnica do “Speed Rock”, enquanto fazemos um diagnóstico desta posição você pode pensar em como melhorar a técnica em questão. Durante o meu Módulo de PORTE VELADO TRAUMA eu demonstro e faço meus alunos executarem esta técnica para entenderem a dificuldade e o contexto certo da sua aplicação.
Vamos aos problemas:
1° Problema – A Plataforma de Tiro
Nossa posição de combate nas artes marciais faz um paralelo com a nossa plataforma de tiro: pés desalinhados, peso sobre os quadris, tronco projetado levemente para frente, “nariz sobre os dedos dos pés”. Esta posição atlética permite que eu absorva impactos durante uma troca de socos e estabilize uma tentativa de projeção ou queda(judô, jiujitsu ou wrestling), além de manter o controle da mecânica(recuo) da arma durante os disparos.
“A posição Hip Shooting não leva em conta uma explosão de violência do agressor, característica do combate a curta distância”.
– Craig Douglas
Abrir mão desta plataforma mantendo os pés paralelos, peso nos calcanhares e inclinando o seu tronco para trás(Rock) deixa você vulnerável contra ataques diretos da sua ameaça como socos ou agarrões. Lembre-se que proximidade não é uma boa ideia num confronto armado, principalmente se você perder a sua arma durante este embate.
Você sacrifica a sua mobilidade e a capacidade de absorver impactos ou reagir a golpes diretos. A sua resposta reflexa é de bloquear os golpes da sua ameaça, para então você conseguir abrir espaço e talvez sacar a sua arma.
2° Problema – A empunhadura da arma
Colocar a arma na altura dos quadris enquanto posiciona o seu cotovelo para baixo ou realiza uma inclinação de punho para alcançar impactos na altura do peito ou abdômen da ameaça vai prejudicar a sua empunhadura e pode causar panes de funcionamento na sua arma.
No início do século XIX e nos meados do século XX a armas utilizadas eram revólveres e não pistolas semi-automáticas com sistema blowback que ficam em pane quando a empunhadura não oferece resistência suficiente para completar o seu ciclo de funcionamento. Lembre-se que quanto mais ângulos eu coloco no meu punho, menor a força aplicada na minha empunhadura e menor a resistência para absorver a energia da “explosão do ferrolho”.
3° Problema – Sacar a arma
Quando nos dirigimos ao equipamento da época, devemos ressaltar que a Técnica Speed Rock foi criada para policiais e competidores que utilizavam coldre ostensivos, com fácil acesso e sem os recursos de travas que temos hoje.
A velocidade do saque era extremamente rápida, o suficiente para surpreender uma ameaça ou garantir uma vitória numa competição, porém a realidade mudou e o cenário de violência evoluiu para um mundo onde o cidadão ou o policial fora de serviço luta pela sua vida nas ruas, para isso ele precisa sacar a arma que está oculta e de difícil acesso num coldre velado. Isso acrescenta frações de segundos fatais e muda toda a perspectiva da técnica. Quanto uma ameaça pode disparar num intervalo de 1,5 segundos? A resposta é 10 disparos! Este é o tempo que em média você precisa para sacar a sua arma debaixo da blusa.
Felipe Rodrigues da “Bushi Strategy”
4° Problema – Velocidade de incapacitação
Se você busca incapacitar a ameaça o mais rápido possível, existem duas formas de fazê-lo: Incapacitação Fisiológica e Incapacitação Emocional/Psicológica.
Na primeira você busca realizar um dano direto no Sistema Nervoso Central ou de forma indireta através do Colapso no Sistema Circulatório. Enquanto numa Incapacitação Emocional/Psicológica você depende da predisposição da sua ameaça. Vamos abrir mão dessa alternativa neste momento.
De maneira objetiva você precisa entender que disparos na região pélvica não serão tão eficientes quanto disparos na região do peitoral, porém como a balística terminal tem suas variáveis, não se pode contar com uma incapacitação imediata com disparos realizadas nestas duas áreas, porém sabe-se que a chance de sucesso com disparos no peito aumenta significativamente.
Por que disparar na região do quadril se você pode abrir espaço ou tomar uma posição mais efetiva a curta distância e buscar outras áreas nobres do corpo? A arma alta garante melhores impactos!
5° Problema – Sacrificando a Precisão
Agora eu vou emprestar uma avaliação de um escritor aqui do Portal e especialista em sua áreas de atuação: Major PMPB Álvaro Cavalcante.
Entendendo alguns conceitos:
Velocidade: é a habilidade de mover totalmente ou parte do corpo rapidamente.
Coordenação: é a habilidade de realizar determinada tarefa de maneira mais eficiente possível.
Agilidade: é a somatória entre Velocidade e Coordenação, onde a execução da habilidade é feita da forma mais rápida e correta possível.
A técnica foi desenvolvida para ganhar espaço, sacar e realizar disparos numa ameaça, porém alguns instrutores a utilizam para embates de múltiplas ameaças a distâncias que superam 1,70m ou a distância de um braço.
O Speed Rock é pouco efetivo a distâncias superiores a 1,70m, pois fica difícil indexar a sua arma com o quadril, quiçá realizar a seleção e aquisição de alvos numa resposta de múltiplas ameaças.
Vale ressaltar uma máxima que trata sobre a conexão das técnicas(emprestei este conceito do Jiujitsu). Você treina algo que fica inscrito no seu Programa Motor(leia-se memória de procedimento para simplificarmos), como por exemplo sacar e apresentar a sua arma em linha reta.
Então, durante um tempo relativamente menor você decide treinar uma técnica que além de particionar a execução do seu saque ainda coloca a sua arma numa posição totalmente fora da concepção original da sua técnica de sacar e atirar. Ao invés de levar a sua arma até a altura da costela, você coloca ela na altura do quadril!? Repetindo: A arma alta garante melhores impactos!
Numa análise mais científica funciona da seguinte maneira: trabalhe com o seu Programa Geral Motor original(sacar, trazer a arma até a altura da costela ou no ponto de recepção da sua mão-reativa e então apresente a arma em linha reta até chegar na posição final de tiro).
Caso você precise realizar disparos com a arma indexada na altura da costela o seu cérebro será capaz de fazer os “esquemas” e corrigir ou adaptar a técnica ao cenário existente(parâmetros) já que você tem escrito no seu Programa Motor a “etapa de arma na costela”.
Agora junte o Programa Motor(Memória de Procedimento) ao conceito da Agilidade e você irá perceber que sacar e espetar a arma é tão rápido quanto e infinitamente mais efetivo contra ameaças a distâncias superiores a 1,70m do que colocar a sua arma no quadril.
6° Problema – Perdendo a Batalha do “Cabo-de-Guerra”
Manter a arma alinhada ao punho e antebraço “mata” os ângulos que enfraquecem a empunhadura, enquanto você traz a arma na altura da costela com o polegar levantado(deixa o like!) marcando o ponto de contato arma-corpo e com o cotovelo apontado para cima, direcionando o cano para baixo e evitando balear o seu braço ou a sua mão durante os disparos. Outra dica é inclinar levemente o ferrolho para fora, evitando que a arma entre em pane por contato com o seu corpo ou roupas durante a ciclagem enquanto você realiza os disparos.
Colocar a arma na altura da costela não só lhe dá um melhor controle da arma durante os disparos, como também lhe dá uma vantagem biomecânica por manter o seu bíceps em pico de contração aumentando a sua força(créditos ao escritor e amigo Rodrigo Aranha) e melhorando a sua alavanca caso a ameaça consiga apanhar a sua arma e entrar numa disputa corporal por ela.
Agora você tem a arma numa posição mais segura, com maior controle e capaz de realizar disparos efetivos a curtíssima distância sem perder o controle entre a conexão Combate Corpo-a-Corpo.
TREINE DA FORMA CORRETA
Acredito que você não perca tempo treinando isso nos seus cursos de pistola? Estou certo? Você é inteligente o suficiente para saber que deve justificar o uso de uma técnica através de aspectos que vão além daquilo que você “acha” ou “viu”, como por exemplo biomecânica, comportamento motor, neurociência, psicologia, evidências, estatísticas e outros fatores que orbitam a realidade do confronto armado.
Se você usa o “Speed Rock” nos seus cursos, que seja para mostrar o quanto ela é ineficiente como técnica isolada de tiro. Mas se você a treina incansavelmente no estande, então está perdendo o seu tempo e o seu dinheiro em algo que não tem aplicação na realidade.
O “Speed Rock” é uma opção tática e não estratégica, você deve tratá-lo como uma técnica de transição do Combate Corpo-a-corpo para uma plataforma de tiro dinâmica. Logo podemos parafrasear o brilhante instrutor Craig Douglas:
“Pense como um Método de Combate, não como uma posição de tiro”.
Você deve entender que nenhum saque é mais rápido que uma arma na mão. Sacrificar mobilidade, equilíbrio, plataforma de tiro, capacidade de aquisição de múltiplas ameaças para executar uma técnica que não tem conexão com a realidade te faz ser menos letal, menos efetivo e mais “circense”.