1 – INTRODUÇÃO
Quem estuda um pouco mais sobre armas de fogo certamente já se deparou com a expressão “calibre de alta energia”, se referindo aos calibres de fuzil. Muito possivelmente você já até empregou essa terminologia, que é recorrentemente utilizada, principalmente no meio policial. Aliás, o termo “energia” é frequentemente empregado, principalmente nos estudos relacionados à balística terminal, inclusive em algumas teorias de incapacitação, como é o caso da teoria da “Transferência de Energia”. A atual legislação é um exemplo, ao empregar a energia como um dos fatores para definir se um determinado calibre é de uso permitido ou restrito, conforme estabelecido no Decreto 9.847, de 25 de julho de 2.019:
Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:
I – arma de fogo de uso permitido – as armas de fogo semiautomáticas ou de repetição que sejam:
a) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules;
b) portáteis de alma lisa; ou
c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, não atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules;
…
II – arma de fogo de uso restrito – as armas de fogo automáticas e as semiautomáticas ou de repetição que sejam:
a) não portáteis;
b) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules;
c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules;
Decreto 9.487, de 25 de julho de 2019 – grifos nossos
Apesar da “Energia” ser um conceito bastante massificado, o presente artigo pretende mostrar que é utilizado de maneira inadequada na maioria absoluta das vezes. Isso significa que calibres com energias diferentes podem ter resultados balísticos semelhantes e também que calibres com mesma energia podem ter comportamentos balísticos completamente diferentes a depender do que se está analisando.
De antemão já peço desculpas aos leitores que não são familiarizados com a física. Como “energia” é um conceito físico, não tem como tratar do tema sem explorar essa área do conhecimento. Vou, entretanto, tentar usar uma linguagem mais simples e trazer exemplos do mundo real para tornar a análise mais palatável
2 – GRANDEZAS ESCALARES E VETORIAIS
Para se compreender o conceito de energia e a sua relação com a balística, é importante entender a diferença entre grandezas escalares e vetoriais. Esse assunto é abordado no primeiro ano do ensino médio, época que pode ser (muito) remota para alguns leitores. Vamos relembrar, de maneira mais simples.
Grandeza escalar é aquela que é definida tão somente pela sua intensidade (também chamada de valor ou módulo), como por exemplo, temperatura, distância percorrida, área, volume, tempo decorrido, dentre outras. Ainda exemplificando, com casos práticos:
- Temperatura: “Hoje a temperatura na minha cidade alcançará os 45 graus celsius!”. Ao ler essa frase você certamente deve ter pensado no calor que essa previsão promete, não é? Bastou informar a intensidade.
- Distância percorrida: “Hoje vou correr 42 quilômetros”. Novamente, bastou informar a intensidade para que você saiba exatamente qual será a distância percorrida.
- Volume: “Está tão quente que vou beber cinco litros de chopp!”. Eis aqui mais um exemplo no qual a informação do valor foi suficiente para trazer todas as informações necessárias para a compreensão. (Ok. Admito que este não foi um bom exemplo, pois faltou falar qual seria a marca do chopp… rsrsrs)
Grandeza vetorial é aquela que, para ser definida, precisa não só da informação da intensidade, mas também da direção (eixo) e sentido (de onde para onde). É um conceito físico pouco compreendido pela população em geral, mas de uso muito comum na física. Como exemplos de grandezas vetoriais temos o deslocamento, velocidade, aceleração, força, dentre outros. Novamente exemplificando com casos práticos:
- Força: para que você abra uma porta comum, não basta fazer força na porta, mas também empurrá-la na direção e sentido de abertura.
- Deslocamento: “Como faço para chegar no Bar do Bigode? Siga três quarteirões (intensidade) na Rua Canarinho (direção) seguindo para o centro (sentido)”. Se a única informação que a pessoa receber for a distância (siga três quarteirões,) certamente a outra pessoa ficará perdida sem saber onde fica o tal Bar do Bigode.
Algumas grandezas escalares se relacionam com grandezas vetoriais. A distância percorrida se relaciona com a velocidade multiplicada pelo tempo gasto para percorrer a distância. Por exemplo, se um carro está se deslocando a 60 km/h, sabemos que a distância percorrida por ele em três horas será de 180 quilômetros. Repare que não estamos nos referindo ao deslocamento (grandeza vetorial), pois para isso teríamos que saber qual foi o trajeto inicial e final. O deslocamento pode ser até mesmo zero, por exemplo caso o carro percorra 150 km em um caminho e 150 km no mesmo caminho, só que no sentido contrário, retornando ao ponto de partida.
3 – CONCEITO FÍSICO DE ENERGIA E ENERGIA CINÉTICA
Embora seja um termo de uso comum, o conceito de energia não é algo muito claro para a maioria das pessoas. Você saberia me dizer o que é energia? Temos uma noção intuitiva de energia, muitas vezes se confundindo com outro conceito físico, que é a Potência. Como ambos se confundem, seguem abaixo suas respectivas definições:
- ENERGIA: capacidade de realização de trabalho.
- POTÊNCIA: quantidade de trabalho realizado em um determinado intervalo de tempo.
Para auxiliar na compreensão, analise o exemplo a seguir:
- Um trator e um carro precisam arrastar cargas idênticas de um ponto a outro de uma estrada. O trator arrasta a carga em 20 segundos, mantendo velocidade constante, e o carro arrasta a mesma carga pela mesma distância, porém gasta 90 segundos, também mantendo velocidade constante. Neste caso, ambos realizaram o mesmo trabalho: arrastar a carga em velocidade constante por uma determinada distância. Entretanto, por ser mais potente, o trator conseguiu arrastar a carga em um tempo muito menor. Repare que muito embora o tempo tenha sido diferente, a força empregada foi a mesma pois, no caso, a velocidade constante indica que a força empregada era igual à força de atrito, que é a mesma nos dois casos. A energia empregada em ambos os casos foi a mesma, afinal o trabalho realizado foi o mesmo, porém a grande diferença reside em COMO essa energia foi empregada. Daí já é possível perceber que a energia em si não é elemento suficiente para avaliar o desempenho de várias coisas, sejam elas veículos ou calibres de arma de fogo.
No caso das armas de fogo, a energia na boca do cano a qual nos referimos se trata da ENERGIA CINÉTICA, que é a parcela de energia relacionada ao movimento de um corpo. Matematicamente ela é definida como se segue:
Analisando a fórmula podemos perceber algumas coisas importantes:
- A energia tem uma relação de proporção direta tanto com a massa, erroneamente chamada de peso, quanto com a velocidade. Isso significa que se a massa for maior, a energia será maior. Se a velocidade for maior, a energia será maior. Assim, podemos variar a energia de duas maneiras diferentes: alterando a massa ou alterando a velocidade.
- O aumento da energia em função da massa é linear, ou seja, a energia aumenta na mesma medida que a massa aumenta. Se a massa dobra, a energia dobra. Se a massa for multiplicada por 4, a energia será multiplicada por quatro. Se a massa for reduzida à metade, a energia será reduzida à metade.
- O aumento da energia em função da velocidade NÃO É linear e sim quadrático, ou seja, se a velocidade aumentar, a energia aumentará muito mais que a velocidade! Se a velocidade dobrar, a energia aumentará quatro vezes. Se a velocidade for multiplicada por 4, a energia será 16 vezes maior! Se a velocidade cair pela metade, a energia será dividida por 4.
A análise acima é válida para QUALQUER corpo em movimento, seja uma pessoa, um carro ou um projétil propelido por arma de fogo. É importante lembrar que a energia é uma grandeza escalar e isso é algo extremamente importante de ser ressaltado. Vamos analisar, agora, como isso se aplica na balística e o porquê da energia não ser um bom parâmetro para a comparação dos calibres.
4 – DINAMICA DA FORMAÇÃO DE LESÕES POR PROJÉTEIS PROPELIDOS POR ARMAS DE FOGO
Na legislação, nas tabelas de munições, nas conversas entre atiradores, policiais e outros entusiastas de armas de fogo são muito comuns as menções às energias dos calibres. Muitas vezes, tais menções estão associadas ao desempenho balístico, às lesões produzidas ou ao alcance dos projéteis.
Por enquanto vamos tratar apenas das lesões produzidas pelos projéteis. Vamos tratar o assunto de maneira resumida, visto que é um assunto amplo e que daria não um mas vários artigos. Por ora, vamos tratar dos fenômenos das cavidades temporária e permanente.
Diferentemente de outros instrumentos, que resultam no deslocamento mínimo ou quase nulo dos tecidos adjacentes à região atingida pelo instrumento, o projétil propelido por arma de fogo (PAF) produz, além da lesão propriamente dita, uma onda de choque ao empurrar os tecidos, por meio de uma ação contínua de compressão e esmagamento, que se desloca radialmente à medida que o projétil avança pelo tecido. Com isso, mesmo tecidos não diretamente atingidos pelo projétil acabam por perceber a ação do instrumento, não necessariamente resultando em lesões.
Ao se chocar contra o alvo, parte ou toda a energia cinética contida no projétil se dissipa em outras formas de energia, como por exemplo energia térmica (calor), energia sonora (som), deformação dos tecidos (que também pode ser entendida como energia mecânica, desta vez energia potencial elástica, em função da elasticidade dos tecidos), sendo esta última a principal causadora da lesão propriamente dita. A elasticidade dos tecidos que compõem o corpo varia de acordo com a região e estruturas atingidas. Um tecido muscular esquelético possui fibras mais resistentes e com maior elasticidade que um órgão com maior quantidade de água, como o baço, por exemplo. Os ossos possuem maior resistência mecânica e menor elasticidade, quebrando-se ao invés de expandir. Todos esses fatores aumentam consideravelmente a compreensão de como é produzida a lesão por tiro.
Além das variações inerentes às diferentes estruturas que compõem o corpo humano, outras variáveis externas devem ser consideradas, tais como a velocidade, formato, dimensões e massa do projétil que atinge o corpo. Considerando a mesma região atingida, projéteis com características diferentes produzem lesões diferentes. Projéteis com as mesmas características atingindo diferentes regiões produzem lesões diferentes. Tais fatores obrigam o Perito a analisar diversas variáveis simultaneamente para concluir como se deu o mecanismo da lesão.
Para melhor compreensão de como se dá a lesão resultante da ação de um PAF, pode-se dividir esta ação em dois momentos, sendo um deles o instante imediato da ação do projétil, enquanto a energia ainda está se dissipando nos tecidos, denominado CAVIDADE TEMPORÁRIA, e o outro aquele encontrado após a estabilização dos tecidos em sua acomodação pós-perturbação implementada pelo projétil, denominado CAVIDADE PERMANENTE. Tais momentos serão analisados a seguir.
4.1 – O estudo da cavidade temporária
Conforme explicado anteriormente, a energia do projétil se dissipa no corpo de diversas formas, sendo uma delas a deformação dos tecidos. As fibras dos tecidos possuem certa elasticidade, variável de acordo com a estrutura atingida, de maneira que a compressão produzida pela passagem do projétil se acumula na forma de energia potencial elástica nessas fibras, sendo então devolvida depois de cessada a expansão produzida pelo projétil, ocorrendo a reacomodação dos tecidos. Todo esse movimento de expansão e reacomodação de tecidos é denominado CAVIDADE TEMPORÁRIA, pois ocorre em fração de segundo, com duração e raio de expansão dependente de diversos fatores, dentre eles a região atingida, o formato e velocidade do projétil.
Para se ter uma ideia de como é a cavidade temporária produzida pela passagem de um projétil basta efetuar um tiro em um material que permita a expansão da onda de choque, mas que não possua elasticidade para a reacomodação do material no trajeto de passagem do projétil. Vários materiais podem ser empregados neste teste, tais como argila, plastilina (massa de modelar) ou sabão em barra. Veja na FIGURA 1 a cavidade temporária de um projétil produzida em um bloco de argila.
É importante destacar que não se pode associar a cavidade temporária diretamente à lesão produzida, pois não necessariamente a cavidade temporária resultará em lesão. No caso de projéteis dotados de menor velocidade, a cavidade temporária terá expansão mais lenta, de maneira que a elasticidade dos tecidos consegue absorver a energia, dissipando-a pelo aquecimento das fibras, sendo as lesões observadas somente nas regiões diretamente atingidas pelo projétil. Já em projéteis com maior velocidade, as dimensões muito maiores da cavidade temporária, com maior velocidade de expansão, podem resultar em uma distensão dos tecidos que ultrapassa a capacidade elástica dos mesmos, produzindo lesões mesmo em regiões não atingidas diretamente pelo projétil. A literatura é consistente neste sentido, conforme pode ser visto a seguir:
“Se a cavidade temporária for produzida rápida o bastante para ultrapassar a capacidade elástica do tecido, será capaz de produzir lesões em decorrência do estiramento provocado. Este efeito é percebido em projéteis de calibres de alta energia, como os de fuzis, mas não pelos calibres mais comuns de armas curtas. Para que a cavidade temporária de um projétil seja capaz de produzir um efeito lesivo, a velocidade do projétil precisa exceder os 2.000 pés por segundo (610 m/s).
Em velocidades menores, desenvolvidas por armas curtas, a cavidade temporária não possui velocidade suficiente para produzir nenhum efeito lesivo, portanto qualquer diferença de cavidade temporária produzida por calibres de armas curtas é irrelevante.”
(DIMAIO, 2016) – grifos nossos
Importante destacar no texto de Dimaio que o fator preponderante para a formação de lesões pela cavidade temporária não é a energia e sim a velocidade, como citado por ele em três momentos, a despeito de ter empregado a denominação “calibres de alta energia”, exemplificando os fuzis.
A velocidade de formação da cavidade temporária está associada intimamente à velocidade do projétil. Quanto mais rápido estiver o projétil, mais rápido ele irá “empurrar” os tecidos e produzir a cavidade temporária.
4.2 – O estudo da cavidade permanente
Uma vez cessada a cavidade temporária, pela reacomodação dos tecidos, percebe-se o dano final resultante da ação do projétil, sendo este dano a lesão final propriamente dita, denominada cavidade permanente, que será sempre menor que a cavidade temporária. Assim como no caso da cavidade temporária, as dimensões e caraterísticas cavidade permanente dependerão de diversos fatores (região atingida, velocidade e dimensões do projétil, etc). Nos casos em que a velocidade do projétil é insuficiente para causar danos pela cavidade temporária, a cavidade permanente terá dimensões muito próximas às dimensões do projétil, de forma que projéteis maiores produzem cavidades permanentes maiores. Projéteis que se expandem resultam em cavidades permanentes maiores que projéteis que não se expandem. Já nos casos em que a velocidade é suficiente para gerar lesões pelo mecanismo da cavidade temporária, a cavidade permanente poderá ter dimensões consideravelmente maiores que o diâmetro do projétil, alcançando regiões não atingidas diretamente por ele.
A Figura 2 mostra um desenho esquemático explicando a formação das duas cavidades:
5 – TIPOS DIFERENTES DE CALIBRES DE “ALTA ENERGIA”
Você deve ter estranhado o título deste tópico pelo emprego do termo “alta energia”. O emprego foi proposital. Aqui serão mostrados calibres que são reconhecidamente denominados de alta energia, comparados com outros calibres de energias semelhantes, ou até maiores, bem como as diferenças nos seus comportamentos, associadas não só às diferentes velocidades como também a outros fatores.
Veja a tabela abaixo, mostrando as velocidades, massas e energias dos calibres .223 Remington, 5,56x45mm NATO, .308 Winchester e 7,62x51mm NATO, todas obtidas do site da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC):
Calibre | Velocidade (m/s) | Massa (grains) | Energia (Joules) |
---|---|---|---|
.223 Rem | 990 | 55 | 1.745 |
5,56x45mm | 995 | 55 | 1.763 |
.308 Win | 795 | 180 | 3.686 |
7,62x51mm | 850 | 144 | 3.372 |
Agora, observe a tabela abaixo, apresentando as velocidades, massas e energias dos calibres .44 Remington Magnum (arma com de 24”), .454 Casul e .500 S&W (revólver)
Calibre | Velocidade (m/s) | Massa (grains) | Energia (Joules) |
---|---|---|---|
.44 Rem Mag | 456 | 240 | 1.616 |
.454 Casul | 548 | 260 | 2.531 |
.500 S&W | 490 | 400 | 3.113 |
.500 S&W | 550 | 325 | 3.187 |
Observando as tabelas anteriores, é possível notar que todos os calibres na primeira tabela apresentam velocidades consideravelmente superiores aos 600 m/s descritos por Dimaio como a velocidade mínima necessária para que cavidade temporária do projétil seja capaz de produzir lesões. Isso não significa que os calibres mostrados na Tabela 1 sejam mais ou menos eficazes que os calibres mostrados na Tabela 2, mas sim que a atuação deles se dá de maneira diferente.
Tomem-se como exemplo os calibres .223 Remington (1.745 Joules) e .454 Casul (2.531 Joules). Repare que o segundo apresenta energia consideravelmente maior que o primeiro, embora não receba a denominação de “calibre de alta energia”, que normalmente é empregada no caso do calibre .223 Remington. Isso mostra que o que torna os calibres ditos de “alta energia” especiais não é exatamente a energia e sim outros fatores que trazem vantagens táticas, a depender do emprego.
6 – MUITO ALÉM DA ENERGIA
Outras diferenças entre esses calibres devem ser observadas, tais como a massa, formato e dimensões do projétil. Na Tabela 1, os projéteis apresentam massa consideravelmente menor, ponta mais afinada, diâmetro menor, comprimento maior, com o corpo oblongo. Na Tabela 2 os projéteis apresentam massa maior, ponta achatada, diâmetro maior e comprimento mais próximo do diâmetro, com formato mais “quadrado”. Veja na Figura 1 a comparação entre projéteis de calibres .223 Remington, e.454 Casul:
Ao analisarmos a arquitetura dos dois projéteis mostrados na Figura 1 percebemos diferenças claras. O projétil de calibre .223 Remington possui o comprimento aproximadamente 3,7 vezes maior que o diâmetro, conferindo um formato alongado ao corpo do projétil. Este formato alongado faz com que o projétil tenha uma aerodinâmica muito melhor, pela melhora do coeficiente balístico, porém faz também com que tenha uma estabilidade menor, demandando uma velocidade de rotação maior para maximizar o efeito giroscópico. O princípio é o mesmo da alavanca. Quanto maior o comprimento da alavanca, maior será a força que ela irá fazer. A ponta mais fina favorece a penetração, uma vez que a pressão é inversamente proporcional à área. A base do projétil possui um chanfro, chamado boat tail (do inglês, cauda de barco), que visa minimizar a turbulência atrás do projétil, conferindo mais estabilidade. Observe também a presença de uma cinta no terço inferior do projétil. Esta cinta, além de permitir melhor crimpagem[1] da boca do estojo ao projétil, se torna um ponto de fragilidade quando o projétil tomba.
Já o projétil de calibre .454 Casul apresenta comprimento aproximadamente 1,5 maior que o diâmetro apenas. Com um formato mais “redondo”, a estabilidade é favorecida, enquanto o coeficiente balístico é consideravelmente prejudicado. Justamente pelo formato do projétil favorecer a estabilidade, a base pode ser reta. A ponta achatada reduz a pressão e, consequentemente a penetração. Apresenta também a cinta para crimpagem, mesma forma que o projétil de calibre .223 Remington, só que neste caso, em função do maior diâmetro do projétil, tal cinta não atua como ponto de fragilidade.
7 – CONCLUSÃO… por enquanto!
Até o momento foram mostradas apenas as características dos calibres ditos de alta energia, tentando demonstrar que este não é um parâmetro adequado para a comparação de calibres. Já foi possível perceber que a energia depende tanto da massa quanto da velocidade, porém tais fatores contribuem de maneiras diferentes. Calibres podem possuir a mesma energia, porém com velocidades maiores ou menores, sendo essa velocidade um fator importante na dinâmica da produção da lesão. Destaca-se que o assunto da dinâmica da produção da lesão também não foi esgotado, bem como outros aspectos relacionados a esses calibres. Falaremos adiante sobre as características desses calibres em alvos rígidos, como madeira e chapas metálicas, e alvos moles, como o corpo humano e meios líquidos. Por ora, espero que já esteja se acostumando a deixar de se referir aos calibres de fuzil como calibres de alta energia e passando a se reprogramar para denomina-los calibres de alta velocidade.
[1] Estreitamento da borda da boca do estojo