Introdução
Quando comecei a estudar com maior profundidade a estrutura do treinamento tático e suas consequências para a atividade de segurança pública, me chamaram a atenção os trabalhos do Psicólogo e Oficial do Exército americano Dave Grossman (2017). O nível de praticidade e importância acadêmica e operacional dos comentários contidos em seus livros são assustadoramente notáveis, porém pouco implementados nos processos de ensino para forças policiais no Brasil. Para isso, é fundamental compreender as consequências do estresse no corpo e na mente, a fim de propor soluções de treinamento mais eficazes para a sobrevivência.
Relação entre estresse e performance
Seguindo esse entendimento e analisando o trabalho de Grossman, chamou atenção uma de suas constatações, que reuniu diversas pesquisas corroborando sua conclusão, onde o autor nos apresenta o gráfico abaixo, que relaciona estresse e performance:
Ele é a junção do tradicional modelo de U invertido da curva de performance mediante estresse, proposto por Robert M. Yerkes e John Dillingam Dodson em 1908, com os trabalhos sobre os níveis de tensão e suas consequências fisiológicas, que resultaram no modelo de cores, o qual se tornou famoso através da difusão feita pelo Coronel Jeff Cooper em suas aulas, com livros de diversos autores comentando sobre esse modelo. É de suma importância compreender de forma antecipada (sem precisar ter passado por situações críticas) como a tensão de uma ocorrência pode mudar o rendimento e a capacidade de pensar e de agir.
Código de cores de Cooper x adaptações de Grossman
Para além do entendimento sobre a performance em situações de estresse, as cores, de acordo com Jeff Cooper (1996) e livros de outros autores que também relatam o mesmo modelo(Jerry Ahern, em 2010 e Joe Rosenberg em 2011), representam os estados da mente, onde, na condição BRANCA, o indivíduo está completamente relaxado e vulnerável. Na condição AMARELA o indivíduo está calmo, porém alerta ao que ocorre ao seu redor, com ritmo cardíaco maior que na condição anterior. A condição amarela é a que deve se encontrar todo policial durante seu período de serviço. A condição VERMELHA é relacionada ao momento da intervenção em uma ocorrência crítica, uma vez que o ritmo cardíaco vai estar ainda mais elevado, uma série de hormônios entra em ação e o indivíduo estará em sua capacidade máxima de performance para sobreviver (lutando ou fugindo)
Após a condição vermelha, estudos mostram que os indivíduos comuns perdem rendimento de maneira proporcional ao aumento do ritmo cardíaco provocado pela tensão. Grossman em sua obra retirou a cor LARANJA (que segundo o código de cores de Cooper significa um alerta especifico, como quando identificamos um indivíduo em situação suspeita e decidimos fazer uma abordagem, ou quando identificamos um carro com a mesma placa que foi passada no rádio como a de um carro roubado instantes antes) e acrescentou a condição CINZA e PRETA,as quais detalham basicamente os problemas relacionados à deterioração do desempenho, porém a condição cinza e preta foram negadas por Cooper, que destacou isso em publicação que fazia com comentários diversos (1996, p. 637).
O grande destaque das observações de Dave Grossman (2017), no entanto, é entender as cores como uma representação não apenas de um estado da mente (algo que escolhemos), mas uma sólida consequência fisiológica e psicológica da elevação do ritmo cardíaco mediante tensão. Podemos estar em uma viatura, numa situação calma, ao lado de uma pessoa que já está passando da condição vermelha para a condição cinza, por exemplo.
Distorções de percepção
Além disso, é necessário entender também que esses estágios acarretam em alterações de percepção que precisam ser consideradas durante o treinamento. Sendo assim, para entender melhor sobre os fenômenos psicológicos durante momentos de extrema tensão, a Dra. Alexis Artwohl (1997) realizou uma pesquisa com policiais que haviam se envolvido em confronto armado. Os resultados foram importantes para desmistificar um pouco do efeito dos filmes de hollywood no imaginário da população e de boa parte dos operadores, trazendo-os para a realidade e destacando questões que tornam muitos treinamentos inúteis ou inadequados, no entanto dando sentido a outros treinamentos que os instrutores até utilizavam, mas alguns sem saber o verdadeiro motivo. Sob forte tensão, não conseguimos ouvir direito, ver direito, e muitas vezes não conseguimos simplesmente pensar. O quadro abaixo organiza de forma simplificada e com o percentual de operadores que apresentaram cada tipo de distorção perceptual.
Essas distorções possuem TOTAL relação com o gráfico de estresse e performance que discutimos anteriormente. São efeitos físicos e psicológicos resultantes do aumento do ritmo cardíaco, provocado pela tensão da ocorrência. De acordo com isso, podemos entender a importância de exercitar procedimentos que favoreçam o escaneamento do ambiente, checagem da arma de fogo, conhecimento prévio de onde está localizado cada carregador de pistola ou arma longa e formas de comunicação visual como linguagem das armas. Devemos fazer com que o treinamento desafogue o nosso cognitivo, deixando-o livre para as fricções especificas da ocorrência.
O operador de alto rendimento
A última e mais importante observação é a respeito da linha pontilhada do gráfico, mostrando uma extensão do pico de performance até a condição cinza. Essa linha pontilhada se refere aos profissionais de ALTO RENDIMENTO, ou seja, profissionais que treinaram tanto (e de maneira adequada) que conseguem se manter no pico de performance, mesmo com toda a carga de tensão da condição cinza ,em que efeitos psicológicos como o de “piloto automático” (no qual a pessoa não pensa sobre o que está fazendo) estão atuando. Os profissionais de alto rendimento possuem um treinamento tão intenso que simplesmente conseguem reproduzir procedimentos eficientes sem pensar! Sim, isso existe!
Aí reside a motivação pela qual devemos levar a sério a forma como instruímos e o quanto investimos em capacitação, evitando formar operadores que não compreendem as próprias limitações e que acham que desenvolveram uma determinada habilidade por ter praticado algumas vezes.