Autoria de Emerson Falconi Chimendes. Policial Rodoviário Federal e Instrutor de Armamento e Tiro, com formação superior em Segurança Pública e especializando em Inovação e Tecnologia na Educação.
Nesse artigo vou abordar um tema pouco explorado, mas de suma importância na atividade de armamento e tiro.
Quando vamos treinar no estande e erramos o alvo, fora das nossas expectativas, gera certa frustração. Você sabe onde está errando? Você lembra das correções feitas pelo seu instrutor?
Esperandio (2020) diz em seu artigo que “a função de instrutor demanda valências interpessoais, comunicação eficaz e metodologia de ensino adequadas a matéria ministrada”.
Comunicação eficaz… como alcançá-la?
Durante o curso de especialização em Educação, tive a oportunidade de assistir a uma entrevista do neurocientista Eric Kandel, onde, em determinado momento, ele diz que:
“A habilidade de comunicar uma ideia é tão importante quanto ela própria.”
Quem nunca teve um professor escolar que, apesar de ser douto no assunto, não conseguia colocar suas ideias em palavras para entendimento do seu público?
Mas como um instrutor pode melhorar sua capacidade de comunicação com o aluno? Coyle (2010) respondeu essa pergunta apresentando uma virtude essencial no
instrutor, a Perspicácia. Ela se traduz na capacidade de observação do aluno, ou seja, o instrutor precisa conhecer o seu aluno, para depois aplicar elogios e correções na medida da necessidade do aluno, com o objetivo de mantê-lo focado, observando suas reações a cada intervenção.
Esperandio também cita a necessidade de metodologia de ensino. Aqui vou aprofundar um pouco mais sobre esse assunto.
Curso de Formação de Instrutores de Armamento e Tiro
Em uma breve pesquisa no mercado, fiz uma busca sobre os conteúdos programáticos dos cursos de formação de instrutores de diversas escolas de tiro. Em linhas gerais, todas elas têm como objetivo principal a preparação dos instruendos para a prova aplicada pela Polícia Federal para cadastramento de instrutores.
Mas observei que, com exceção de um curso que citou “Análise de alvo”, nenhum dos demais tratou do assunto ou chegou perto de Correção de Tiro.
Que tipo de instrutores o mercado anda preparando por aí?
Seriam eles capazes de corrigir um aluno de modo eficaz e eficiente? Essa é uma pergunta muito difícil de responder, pois vai depender da carga de
estudos e experiências que o candidato traz em sua bagagem.
Vale ressaltar que a prova aplicada pela Polícia Federal tem como objetivo
credenciar os instrutores de armamento e tiro responsáveis pela avaliação técnica dos proprietários de armas (art. 5o, §2o da Lei no 10.826/03) e dos vigilantes (art. 7o, §2o da Lei no 10.826/03), nem mais, nem menos que isso.
Mas quem vai ensinar o instrutor a corrigir o tiro do aluno?
Essa é a grande questão.
Um grande instrutor que conheço, certa vez me disse:
- Até eu conseguir entender o que era realmente corrigir um disparo, eu corrigia o aluno pedindo pra colocar mais dedo no gatilho, ou ajustar mais a força da mão esquerda. Hoje eu sei que a correção se baseava em tentativa e erro, até acertar.
Considerando essa fala, quantos disparos foram realizados pelo aluno até a efetiva correção?
Hoje, a única fonte de conhecimento disponível sobre o assunto é o QUADRO DE ANÁLISE DE TIRO DE ARMA CURTA, facilmente encontrado na internet.
Quadro de Correção de Tiro de Arma Curta
Datado de 1977, esse quadro ainda é muito citado e muito utilizado para análise de tiro de arma curta, pois como diz o próprio texto “[…] ainda hoje pode ser útil na aprendizagem dos atiradores iniciantes e juniores sobre fundamentos técnicos […]”.
Um fator muito importante na utilização do referido quadro é a necessidade de grupamento dos tiros. Então, o quadro é aplicável “quando os seus tiros se agrupam repetidamente em um determinado setor do alvo”.
No Brasil, aguardar o aluno fazer um grupamento para então realizar uma intervenção pode sair caro. Qualquer grupamento de 10 tiros representa um custo alto para o aluno.
Mas seria possível fazer uma análise do tiro com poucos disparos?
E se o aluno espalhar o tiro sem fazer grupamento?
A proposta a seguir é apresentar uma metodologia visando auxiliar o instrutor na correção do tiro.
O “Método Falconi”
Muitos instrutores possuem métodos próprios de aplicar a correção de tiro nos alunos, pois existem muitas formas de fazer. O que venho propor aqui é um procedimento sistematizado para correção do tiro do aluno, baseado nas experiências que tive atuando em diversos cursos e observando instrutores mais experientes.
A metodologia apresentada é composta por 5 etapas relativamente simples:
- Análise do Alvo;
- Identificação da Falha;
- Convencimento do Aluno;
- Propriocepção no Erro;
- Autocorreção.
- Ao final da aplicação do método, o aluno deverá ser capaz de corrigir seus erros de
modo autônomo, através da identificação, do entendimento dos fenômenos relacionados ao erro cometido e do autocontrole para aplicação correta da técnica.
Análise do alvo
Como o próprio Quadro da Figura 1, existe uma grande probabilidade de identificar o erro cometido pelo aluno através do impacto no alvo. Mas isso é apenas uma probabilidade. Para você entender o que está provocando o erro, é necessário fazer um exercício mental de todas as possibilidades de erro que o aluno possa cometer, para então realizar uma análise detalhada do aluno.
O erro mais comum é o tiro para baixo. Geralmente causado pela expectativa do aluno em relação ao tiro. Esse assunto foi bem explorado no artigo DICA DE OURO PARA NÃO ERRAR O TIRO, que pode ser encontrado na aba Treinamento do site INFOARMAS.
Seguindo a orientação do QUADRO DE ANÁLISE DE TIRO DE ARMA CURTA, teremos três possibilidades:
- – Estrangulamento – excesso de força na empunhadura;
- – Torção do Pulso – inclinação da arma para baixo pela torção do pulso;
- – Gatilhada – acionamento rápido demais do gatilho.
Mas ai eu pergunto:
Não há Outra possibilidade de erro para esse agrupamento de tiro?
Certamente que sim. Durante o enquadramento rápido, o Aluno não percebe que a arma está apontada para baixo, seja por ter fechado os olhos para realizar o disparo, seja por realizar o fundamento de Visada de forma incorreta.
Portanto, é necessário que o instrutor explore e conheça todas as possibilidades de erro para os pontos de impacto no alvo, para então voltar sua atenção para o aluno.
Identificação da Falha
No momento em que o instrutor volta sua atenção para o aluno, ele deve observá-lo sem sequer piscar os olhos (força de expressão). Você deve fazer dos olhos câmeras de qualidade cinematográfica. Seu propósito é buscar a informação, decifrar o fenômeno que está causando o erro.
Como você já tem um rol de possibilidades da causa de erro do aluno, você observará detalhadamente onde está a falha ou as falhas cometidas, pois pode ser mais de uma.
Identificadas as falhas, seguimos para o próximo passo.
Convencimento do Aluno
Talvez essa seja a etapa mais difícil desse processo.
Nicholas Boothman (2012) diz que o convencimento depende do aprimoramento das habilidades de persuasão, da comunicação e da empatia com seus interlocutores. Ele não apresenta uma receita mágica, pelo contrário, mostra que essa habilidade depende de treinamento (como qualquer outra).
Em determinada parte do livro ele diz:
“Capture a imaginação e você vai capturar o coração. Tudo na vida é comportamento. Imaginação desperta emoção, emoção desperta atitude e atitude molda comportamentos.”
Então, para que você possa convencer o aluno sobre o erro que está cometendo, você precisa saber exatamente onde quer chegar, observar o resultado obtido com a tua explanação e ajustá-la até que obtenha o resultado esperado. Para isso, precisa haver coerência entre o que diz ao aluno e a sua linguagem corporal. A partir disso, você terá acesso ao aluno, fazendo com que ele busque entender o que está acontecendo.
O aluno precisa entender o que está fazendo, em que momento, o porquê e como.
Propriocepção no Erro
Após o aluno entender o que está acontecendo, o instrutor precisará fazê-lo perceber o erro no momento em que ele ocorre.
O termo Propriocepção está relacionada a capacidade de reconhecer a localização espacial do corpo, as forças exercidas e a posição de cada parte do corpo, sem utilizar a visão.
Nessa etapa, o instrutor terá que usar sua imaginação para, com segurança, fazer com que o aluno perceba-se cometendo o erro.
Em 2014, eu ainda iniciante na atividade, durante um Curso de Formação da PRF, recebi uma dica do instrutor Cícero, simples e muito eficaz que utilizo até hoje. Um aluno repetidamente realizava o tiro atingindo o alvo na parte inferior. Ele chegou e me disse para tirar a munição da câmara, e manobrar o ferrolho da pistola dando a entender ao aluno que a arma estava pronta para o disparo. O aluno se preparou para o tiro visado no alvo e ao acionar o gatilho, fez uma forte torção de pulso, apontando a arma para baixo, mas o tiro não saiu. Foi ali que percebeu o erro que estava cometendo.
Autocorreção
A partir do momento em que o aluno sabe que erro está cometendo e percebe quando isso aconteceu, ele terá a capacidade de exercer o autocontrole para que não cometa o erro novamente.
Quanto esse estágio é atingido, o aluno terá a capacidade de realizar a autocorreção mesmo quando identificar que cometeu o erro novamente.
O instrutor acompanha à distância, retomando o contato com o aluno de modo eventual para lembrá-lo de um ou outro detalhe.
Considerações Finais
Dominar a arte de corrigir o tiro de modo eficiente e eficaz é algo extremamente trabalhoso.
Para alcançar esse domínio, tenho observado instrutores veteranos, experientes e de outras instituições, sempre que tenho oportunidade, para entender como eles aplicam a correção e quais fatores os tornam diferenciados e habilidosos nessa arte. Como eu, tantos outros fazem o mesmo.
Mas será que os cursos não poderiam acrescentar esse assunto no seu conteúdo programático? Penso que sim, deveria ser abordado em todos os cursos de formação de instrutor dada sua importância, mas essa ainda não é uma realidade.
Portanto, se você ainda utiliza o Quadro de Análise de Tiro de Arma Curta como uma bíblia, reveja seu método, pois como o próprio texto explicativo que acompanha o quadro diz:
“[...] ainda hoje pode ser útil na aprendizagem dos atiradores iniciantes e juniores sobre fundamentos técnicos [...]” (GRIFO NOSSO)
Ou seja, é uma excelente ferramenta, mas você não pode ficar engessado a ela. Estude, experimente, troque experiências, amplie seus horizontes!
Referências Bibliográficas
BOOTHMAN, Nicholas. Como convencer alguém em 90 segundos. São Paulo: Universo dos Livros, 2012.
COYLE, Daniel. O Código do Talento: um programa para desenvolver habilidades especiais aplicáveis à vida pessoal e aos negócios. Rio de Janeiro: Agir, 2010.
CHIMENDES, Emerson Falconi. Dica de outro para não errar o tiro, 2020. Disponível em <https://infoarmas.com.br/dica-de-ouro-para-nao-erra-o-tiro/>. Acesso em: 18/04/2020. ESPERANDIO, Marcelo. I
nstrutores, Fraudes e Afins, 2020. Disponível em <a href="http://<https://infoarmas.com.br/instrutores-professores-fraudes-e-afins/>. Acesso em 18/04/2020. QUADRO DE ANÁLISE DE TIRO DE ARMA CURTA. TEEZ BRAZIL, 2020. Disponível em <https://www.teesbrazil.com.br/docs/TIRO_ARMA%20CURTA_QUADRO%20ANALISE.pdf> . Acesso em: 18/04/2020.
POLÍCIA FEDERAL. Orientações para Credenciamento de Instrutores de Armamento e Tiro, 2019. Disponível em <http://www.pf.gov.br/servicos-pf/armas/instrutores-de-armamento-e-tiro/orientacao-para-cre denciamento>. Acesso em 18/04/2020.