Introdução.
No mundo das armas de fogo, quando o assunto é o recuo da arma de fogo, é comum observarmos o estabelecimento quase que imediato da relação entre maior recuo da arma com a utilização de projéteis mais pesados. Notamos ainda a utilização dos dados da energia do projétil na boca do cano para sustentar tal argumento, indicando que mais energia resulta em recuos mais agressivos. Será que essa visão está devidamente alinhada com os conhecimentos científicos que norteiam a Balística ?
Para tal, resolvemos investigar a balística envolvida no recuo da arma de fogo e consequentemente os fatores de influência sobre esse fenômeno a fim de estabelecermos uma relação entre o recuo da arma e a variação das massas dos projéteis. Os resultados e discussões que serão apresentados aqui foram retirados do artigo (Rocha, O.L.V; Barbosa, C.E. Investigação do fenômeno balístico do recuo de arma de fogo via conservação do momento linear: uma análise da variação da massa do projétil. 2022) de autoria do Prof. Dr. Osvaldo Rocha e do Perito Criminal Carlos Eduardo Barros.
Escolhemos para nossa análise as munições de calibre 9 x 19 mm (9 mm Luger) apresentadas no Informativo Técnico N 32- Munições e Cartuchos para Uso Policial , disponibilizados pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC).
Vale salientar que os princípios de conservação na Física são indispensáveis para lidarmos com fenômenos cujo alto grau de complexidade tornam o conhecimento de todos os detalhes envolvidos no evento algo inconcebível. E no que tange ao estudo dos fenômenos mecânicos, as leis de conservação da energia e do momento lineares são fundamentais. De modo que apresentaremos aqui um breve resumo da teoria utilizada para o estudo desse caso
O caso balístico: análise do recuo de uma arma de fogo.
” A propulsão de um foguete é essencialmente o mesmo que o recuo de uma arma de fogo: não há necessidade de nenhum ar para empurrá-lo ́ ” Richard Feynman
Uma explosão é substancialmente um sistema com certo grau de complexidade, em que pese, por mais controlada que seja, não damos conta de detalhar o fenômeno completamente. O fenômeno do disparo de arma de fogo pode ser tratado de maneira análoga, após a explosão uma pequena massa m (projétil) é ejetada com altíssima velocidade V, fazendo com que a arma seja impulsionada num movimento em sentido oposto. O princípio físico da conservação ̧da quantidade de movimento dá conta de tratar esses caso e de maneira simplificada a velocidade com que a arma recua, pode ser definida por,
v= V.m/M ( 1 )
sendo m e V, a massa e velocidade do projétil e M a massa do ferrolho.
A velocidade de recuo da equação ( 1 ) está diretamente relacionada ao impulso causado na mão do atirador! De modo que um maior recuo está ligado à uma maior variação na quantidade de movimento, que acarreta como consequência operacional uma maior dificuldade em manter a arma alinhada para um próximo disparo, ou seja, dificuldade em realizar o Follow-Through adequadamente (ver GIF acima).
Análise do recuo de arma de fogo dada a variação de massa de projéteis ejetados.
Já conhecemos os efeitos físicos do recuo do armamento relacionados à variação do momento linear ∆p, e de posse de informações relativas à munição como massa no projétil m e velocidade deste na boca do cano V, buscamos estabelecer uma relação entre o impulso ∆p, e a variação da massa m do projétil.
A partir dos dados apresentados pela CBC, construímos a Tabela 1 na qual incluímos os resultados dos nossos cálculos na coluna “ Momento linear” assim como a variação de momento “∆p”. O impulso ∆p, associado ao recuo foi calculado tomando como referência a munição de menor massa, sendo ela a COPPER BULLET TACTICAL com massa de 92,6 grains. Evidentemente que tal escolha se deu por referenciar o projétil de menor massa, pois buscamos entender como aumentar a massa do projétil pode influenciar o recuo do armamento.
Todas as grandezas serão analisadas a partir da munição “ Referência”, e estando elas acima deste valor será aplicada à célula a cor verde, enquanto que valores menores ou iguais adotaremos a legenda vermelha para o dado.
A coluna que trata acerca da variação do momento linear ∆p, de maior interesse para esse trabalho, receberá o mesmo tratamento no que tange ao contraste de cor, entretanto utilizaremos como parâmetro de comparação o valor médio da variável descrita por ∆p, que para a tabela em estudo assumiu o valor de ∆p =7,52%
- Célula verde: ∆p ≤
∆p; Célula vermelha: ∆p >∆p
A tabela apresentada na figura 1, explicita a nossa incapacidade de definir um padrão geral para o comportamento das variáveis massa m e quantidade de movimento. Entendemos que isso se deve ao fato que mais elementos da balística interna do sistema devam fazer parte dessa dinâmica. A Tabela 1 apresenta uma classe bem heterogênea de projetos de munições, que carregam características específicas a exemplo de distintas geometrias e materiais constituintes, que de alguma forma podem ser fatores influenciadores dos resultados. Partindo dessa premissa, revisamos a tabela e realizamos um exame dos dados associados a munições que carregassem aspectos balísticos anômalos.
No nosso trabalho apresentamos originalmente o conceito de “subclasses das munições” (Figura 2), onde agrupamos essas de acordo com características dos projetos de cada munição, culminando em quatro subclasses, sendo elas: ogival, ponta plana, expansivo ponta oca e a subclasse expansivo ponta oca +. Note que todas as subclasses oferecem incremento na massa do projétil e alterações na variação do momentum linear, possibilitando assim a adequada análise.
Resultados e Discussões.
Apresentaremos a seguir alguns resultados que julgamos relevantes e que podem fundamentar a importante tomada de decisão de qual munição utilizar. Em balística, nenhuma informação é soberana e escolhas se dão por uma série de razões. Assim, esperamos que nossos resultados possam contibuir positivamente para você, operador!
A subclasse ogival apresenta uma variação da quantidade do movimento abaixo do valor médio para a classe de projetos, i.e, ∆p > ∆p. Significando que para essa subclasse as alterações para munições mais pesadas, não trarão alterações significativas no recuo.
Quando analisamos a subclasse ponta plana, notamos que existe um acréscimo de cerca de 14% na variação de ∆p, indicando uma taxa considerável dessa variável, que dentro dos nossos parâmetros passa a ser um fator modificador perceptível no recuo da arma. Note que houve uma variação substancial da massa em cerca de 54 %.
Discutiremos a subclasse “expansivo ponta oca”, que é sabidamente o projeto de munição de defesa mais usado atualmente em revólveres e pistolas. Tomamos a munição do tipo EXPO como a referência e notamos com isso que todas as demais munições dessa subclasse ultrapassam o valor médio de variação de ∆p. A propósito mesmo as munições que apresentam equivalência na massa m, sendo elas EXPO + P + e EXPO + P + Bonded , apresentam um comportamento destoante entre si. É incontestável que as munições classificadas como +P e + P + por terem maior pressão na câmara do que as munições de uso comum (standard), exigem um tratamento distinto. Poderíamos ser levados a utilizar o parâmetro energia, apresentado na tabela balíıstica, para explicar o fenômeno, contudo observamos que mesmo dentro da subclasse a munição com maior recuo do ferrolho ∆p detém uma das menores energias E, de modo que ainda não conseguimos estabelecer relações mais gerais entre impulso ∆p e energia do projétil na boca do cano.
A subclasse “expansivo ponta oca +”, que é aquela com características de maior pressão na câmara de combustão, é a que melhor acompanha a predição teórica trazida pela eq. ( 1 ) É inequívoco o bom comportamento dessa subclasse, ao tomarmos a munição EXPO +P+ GOLD como referência, e partindo à comparação com a munição ̃EXPO +P+ Bonded de mesma massa m, admiravelmente os parâmetros todos se mantêm inalterados a menos de uma variação insignificante na energia. Essa subclasse mostra-se tolerante quanto a permuta entre todas munições disponíveis, haja vista que diante das alterações o resultado final mostrou-se imperceptível no que tange ao recuo.
Vale o destaque para os resultados obtidos para a nova munição homologada pela CBC, a Expansivo Ponta Oca Pro Shock, que apresenta um momento linear com variação negativa ( ∆p = −4,93% ). Indicando que apesar de termos um projétil mais pesado para essa subclasse, ainda assim teremos uma maior facilidade em lidar com o recuo do armamento.
Para essa subclasse fica bem definido que independente da configuração de munição escolhida e/ou possível alteração a condição operacional no que tange os aspectos da manutenção do alinhamento da figura alça/maça, ou seja o Follow-through, está preservado.
Um importante resultado que alcançamos neste trabalho, está relacionado ao aspecto da energia do projétil na boca do cano como forma de quantificar o recuo da arma. Tal parâmetro se mostrou ineficaz ao longo das análises, ficando fortemente evidenciado na subclasse expansiva ponta oca, uma vez que a energia apresentada na tabela não oferece nenhuma vantagem quanto ao fenômeno do recuo da arma de fogo.