Em 19 de janeiro, quatro policiais foram designados para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão na residência de traficantes de drogas numa cidade mineira.
Eram 6h quando a equipe chegou ao local e se dividiu em duplas; dois policiais entraram pela porta principal da casa e os outros dois seguiram por um corredor lateral até os fundos do lote, cercando o lugar. Um muro de concreto pré-moldado dividia a porta principal daquele corredor, e por isso, tão logo as duplas se posicionaram para a entrada, elas ficaram definitivamente separadas.
De repente, a dupla que entrou pelo corredor foi surpreendida por dois indivíduos fisicamente poderosos, resistentes, ágeis, autoconfiantes, inteligentes, capazes de tolerar a dor e com vontade de lutar até o fim. Se isso não bastasse, esses indivíduos carregavam uma herança genética herdada de seus ancestrais que atacavam touros, ursos, cavalos e outros cães em eventos medievais denominados Bull Baiting.
A agilidade desses indivíduos é considerada tão grande que eles são capazes de transpor muros e usar os dentes para escalar cercas de proteção. Quando estão nas ruas, eles devem usar focinheiras, enforcadores ou coleiras resistentes, sendo conduzidos com guias curtas e por pessoas com força física suficiente para contê-los no caso de ficarem violentos.
Então, ao ver os cães da raça Pit Bull vindo em sua direção, o policial A pensou em voltar. Mas ele percebeu que não teria tempo e se fizesse isso, o policial B ficaria sozinho com os cães.
Daí, os policiais começaram a atirar contra os animais. Com os estampidos, o Pit Bull A fugiu, mas o Pit Bull B continuou a investida até ser incapacitado e tombar a aproximadamente 1,5 metros dos policiais.
Quando caiu, o Pit Bull B ainda estava vivo apesar de ter sido atingido duas vezes no tórax e uma vez na cabeça. O policial A havia disparado oito tiros, enquanto o policial B quatro vezes. Portanto, dos 12 disparos somente três acertaram o alvo, gerando uma taxa de acerto de 25% (trato sobre essas taxas no livro Sobrevivência Policial).
O policial A percebeu que, em dado momento, o animal perdeu o controle motor das patas traseiras e tentou alcançar os policiais usando as patas dianteiras, mas logo depois tombou e parou. Só então a dupla prosseguiu até o quintal da residência onde rendeu alguns dos alvos da operação.
Sob o ponto de vista “tático”, o uso de cães violentos pode representar um sério risco para os policiais. Não só pelos ferimentos provocados pelas mordidas, mas como dispositivo de alarme para a presença policial. Assim, quando o uso de animais interrompe a surpresa da operação, o criminoso ganha tempo para fugir. Mas pior ainda, ele pode usar esse tempo adicional para se preparar para o confronto ou, simplesmente, atirar contra os policiais que estão focados em se desvencilhar dos animais.
Um mês depois foi protocolada na Delegacia de Polícia uma requisição de instauração de inquérito policial para apurar possível ocorrência do crime de abuso de autoridade praticada pelos dois policiais. A requisição foi baseada nas declarações prestadas por uma parenta dos traficantes presos e que era a proprietária dos cães agressores. Ela declarou que os policiais, sem mandado de busca, chegaram portando armas de fogo de grosso calibre, fazendo vários disparos, inclusive matando um dos três cachorros, sendo morto um cão de pequeno porte. Se o requisitante estivesse do lado dos policiais vivenciando tal experiência, talvez essa requisição jamais existisse.
Então vejamos! Especialistas informam que a velocidade que um cão pode atingir depende da idade, do condicionamento físico, do gênero (macho ou fêmea) e também da motivação para correr. Cães desenvolvidos para rinhas não costumam defender seus territórios, mas atacam em função da herança genética. Portanto não é preciso grande motivação para que um Pit Bull corra em sua direção, ainda mais se você estiver na casa dele. Desse modo, a velocidade que um Pit Bull pode atingir gira em torno de 40 a 48 km/h, isso dá cerca de 11 a 13 m/s.
Quando os policiais perceberam a iminência do ataque, deu-se início à reação de sobrevivência (luta, fuga ou obediência), e devido às alterações fisiológicas e de comportamento cada um percebeu o tempo e a distância de modo particular. O policial A estimou em aproximadamente sete metros a distância entre ele e os cães. Já o policial B percebeu uma distância de 15 metros. Uma análise no local do incidente revelou uma distância de quase 12 metros.
Imaginando que os cães estivessem correndo a uma velocidade de 12 m/s, e considerando uma distância de 20 metros, quanto tempo eles teriam para reagir até que os animais os alcançassem? Um segundo e sessenta e seis centésimos (1,66 s). Entretanto um policial comum com uma pistola, disparando o mais rápido possível, gasta 31 centésimos de segundo para disparar o primeiro tiro depois de ter percebido uma ameaça. Agora, diminua 0,31s de 1,66s, e você terá o tempo disponível para salvar sua vida se algum dia você vivenciar uma situação semelhante à enfrentada por estes dois policiais, ou seja, 1,35s. Bem otimista, não é mesmo?
Contudo eles estavam a 15 metros dos cães, de acordo com a percepção do policial B. Assim, o Pit Bull sobrevivente correndo a 12 m/s cobriria estes 15 metros em 1,25s. Um segundo e vinte e cinco centésimos menos 0,31s, dá 0,94s. Agora, faça as contas para a distância de 12 metros. Resultado: 0,69s.
O policial A atirou o mais rápido que pode com sua pistola (oito tiros), o policial B, também com uma pistola, disparou tentando acertar (quatro tiros), e apesar de nenhum deles saber quem acertou o cão, ambos sabem onde foram parar os tiros que erraram o animal (dentro da igreja vizinha dos fundos). Quem sabe, na próxima operação policial, você não leve aquela ESPINGARDA CALIBRE 12 que está esquecida na armaria.
Porém, há outro detalhe neste incidente: a perspectiva visual. Isto significa que um objeto distante parece ser menor do que um objeto mais próximo, mesmo que eles tenham o mesmo tamanho. Criadores de Pit Bulls informam que a altura da raça é de 51 cm (da cernelha ao solo, ou seja, da omoplata e as partes moles que a revestem até o chão), mas não ultrapassa os 58 cm. Então, os policiais empunhando suas armas com os braços esticados perceberiam (na massa de mira e na posição de pé) a altura do Pit Bull B da seguinte forma: o animal a 15 metros de distância pareceria ter 2,2* cm de altura; a 12 metros de distância, o cachorro pareceria ter 2,7* cm de altura; a 10 metros o cão teria 3,4* cm; e a 7 metros ele teria 4,7* cm. Só para constar, outro policial recomendou atirar de joelhos em situações assim! Mas se você acreditar que AJOELHAR pode tirar sua mobilidade e tomar muito tempo, eu sugiro as posições AGACHADO e AGACHADO BAIXO.
Portanto, pense como seria atirar em algo tão pequeno se movendo rápido o suficiente para lhe alcançar em apenas um segundo. Agora imagine o recuo da arma elevando cada vez mais o cano durante os tiros sequenciais enquanto você tenta mirar/atirar cada vez mais baixo porque o cão está se aproximando. Como seria se você simplesmente esperasse para ser atacado? Como seria ver essa fera saltando sobre você para morder com toda a força seu rosto, sua cabeça ou seu pescoço? Será que seu colega conseguiria se safar para ajudar você? Você conseguiria ajudar seu colega? Será que no meio dessa confusão, os policiais não atirariam um no outro sem querer na tentativa de acertar o cachorro?
Infelizmente, no trabalho policial você precisa solucionar problemas violentos num piscar de olhos. Se você falhar, isso pode custar a sua vida; se você sobreviver, talvez custe sua paz de espírito, e se depender de algumas pessoas talvez custe algo mais. Portanto, aqueles que não estão presentes quando o pior acontece e não compreendem as dinâmicas e as dificuldades do trabalho policial jamais deveriam avaliar ou julgar as atitudes legítimas de autodefesa policial que ocorrem numa fração de segundo. E quando você deixar a delegacia para cumprir mandados na residência de alguém, vá preparado e sempre acredite naquela placa que diz CÃO BRAVO.
*Medidas aproximadas.