Considerações Iniciais
O tema “Treinamento de Tiro” vem ganhando significativa relevância no cenário nacional. Isso obviamente decorre do cenário político atual e pelo esforço de diversos especialistas no assunto, que se propõem a apresentar treinamentos novos e significativos.
Com o volume de informações disponíveis nos dias de hoje e a abundância delas no meio virtual, é ilusório crer que que todos os denominados instrutores tenham a capacidade de oferecer um produto fielmente acabado e, ainda, que todos os consumidores de treinamentos dessa espécie tenham a dedicação para estudarem, treinarem e se especializarem de forma adequada.
Ainda que isso ocorra em um contexto utópico, não há como garantir, com meros cursos de 01(um) ou 02(dois) dias, a aderência ao aprendizado para que haja uma aplicação exitosa das técnicas em situações reais.
É por essa razão que se exige treino contínuo e repetitivo – baseado em programas completos que envolvam diversas habilidades além de atirar – para se atingir um nível de excelência no que concerne ao cumprimento, o mais próximo possível da realidade, dos protocolos treinados.
Isso posto, nesse artigo será exposta a importância de treinamentos desenvolvidos com ética e respeito, que vão muito além do treinamento de tiro e que tem por objetivo levar tanto o aluno como o treinador a um próximo nível de desempenho e, o mais importante, que desenvolvam nos alunos um senso crítico de como pensar e agir, ao invés de apenas como fazer.
O Treinamento de Autoproteção
Qualquer treinamento de tiro que pretenda ser enquadrado como um treinamento de autodefesa – que na metodologia da IMPACTUS TACTICAL é denominado “Técnicas de Autoproteção” – deve ser parte da estratégia de longo prazo de uma performance defensiva para a criação, consolidação, adaptação ou mesmo mudança de comportamento e de toda uma cultura de sobrevivência. A sua formatação bem estruturada permite a aderência e o comprometimento dos participantes a conceitos e técnicas funcionais que poderão salvas as suas vidas.
É necessário registrar, desde já, que um treinamento de autoproteção/autodefesa não se confunde com uma simples aula de tiro. Pois em uma aula a expectativa é que haja uma forte carga de aprendizado novo; o treinamento de autoproteção, por sua vez, tem como objetivo principal a consolidação de conhecimentos já internalizados ou o aprofundamento de assuntos já aprendidos na instrução elementar de tiro. Nesse espectro, o treinador (o famigerado instrutor) é uma espécie de facilitador do conteúdo, e nunca um transmissor de primeiro grau.
Em segundo lugar, o treinamento de autoproteção não deve ser confundido com seminário ou workshop. Por incrível que pareça muitos instrutores conduzem treinamentos para um número elevado de pessoas, fazendo com que esses treinamentos mais pareçam uma das espécies de apresentação supramencionadas e não um programa de desenvolvimento e consolidação de habilidades.
Os treinamentos de autoproteção devem ter poucas pessoas para que a aderência ao conteúdo e retenção das informações sejam altas, além de permitir a interação e aplicação das técnicas por parte do instrutor e do aluno. Sim, no nosso entendimento o instrutor deve demonstrar, sempre que possível, as técnicas que está ensinado, mas isso é um assunto para outro artigo.
Em terceiro lugar, o treinamento de autoproteção, para que seja efetivo, deve ser realizado por profissionais que tenham experiência em andragogia 1 ou, no mínimo, a capacidade de se conectar com os seus princípios básicos, a saber:
- Os adultos devem estar envolvidos no planejamento e avaliação da instrução
- A experiência é a base do aprendizado
- Adultos estão mais interessados em aprender algo com impacto ou relevância imediata em suas vidas
- O aprendizado com adultos é centrado em problemas, e não em conteúdo
É por essa razão que não necessariamente um militar, policial, ou um operações especiais será automaticamente um bom instrutor, pois ter o domínio do assunto não significa que a transmissão do conteúdo virá de maneira sequencial; é necessário que o treinador passe por um processo de preparação para os programas de transmissão de conhecimentos alinhados à prática.
Cumpre destacar que não é fácil treinar alguém para tomar decisões de maneira que o resultado será a salvação ou a perda da sua própria vida. Isso porque a própria inércia operacional pode fazer com que a pessoa espere que outras pessoas tomem tais atitudes em seu favor. Além disso é muito difícil reproduzir ambientes inseguros e instáveis como os que são encontrados nos violentos confrontos armados.
É consenso em qualquer atividade que o certo e errado são conceitos muito subjetivos que dependerão, para serem interpretados, do ponto de vista e experiência dos atores que participam da atividade. Entretanto, em se tratando de treinamento de autodefesa, essa subjetividade deve ceder espaço para elementos mais objetivos, que se mostrem por meio de atividades concretas como podem se tornarem efetivos.
Dentre esses elementos, aplicamos um conceito conhecido como “O uso dos 6Cs” 2 , que se consubstancia em qualidades que o treinador deve demonstrar para criar empatia com seu público e em consequência trazer melhor resultado para seus ensinados.
Os 6 Cs
Os 6 Cs nada mais é do que qualidades que se aderidas ao instrutor podem fazer com que os problemas em um contexto de treinamento sejam minimizados e, ainda, que os resultados se tornem altamente produtivos e extremamente eficazes. Segue abaixo:
- Confiança – O instrutor/treinador deve sentir-se confiante com o conteúdo que está facilitando, mas sem ser presunçoso ou demonstrar arrogância;
- Controle – O treinador deve ter pleno controle do ambiente, mas sem que seja extremamente controlador em relação aos participantes. Esse controle só não pode ser mitigado no que diz respeito aos aspecto “segurança na instrução”;
- Consideração – O instrutor deve estar ciente das discrepâncias e diferentes pessoas que podem ser encontradas na audiência e saber lidar com isso. Pode haver, em uma única turma, personalidades, conhecimentos, comportamentos e engajamentos distintos;
- Comunicação – O instrutor, facilitador do treinamento, deve aplicar boas técnicas de apresentação e comunicação, sobretudo o que concerne à linguagem corporal, mas sem correr o risco de ser um showman;
- Conexão – O treinador deve estabelecer uma conexão real com seu público, para que possa realmente transmitir a sua mensagem; e
- Compromisso – O instrutor deve ter compromisso e paixão pelo que faz, pois tem que ser o primeiro a acreditar no que está ministrando.
Conclusão
No início do artigo foi mencionado sobre o emergente mercado de instrução de tiro, o que não vemos nada de errado. Entendemos que o profissional que decide labutar nessa área deve ser no mínimo estudioso do assunto e temas correlatos.
Ocorre que muitas vezes a vontade, empolgação e outros interesses sobrepõe a razão, fazendo com que muitos se aventurem em uma atividade em que a entrega de um produto mal acabado ou mal compreendido pode custar a vida de pessoas ou gerar lesões nestas pelo resto de uma vida.
Conduzir uma instrução de tiro não é o mesmo que conduzir homens para um objetivo. Quando uma pessoa se propõe a ensinar técnicas de autodefesa, que vai muito além de uma instrução de tiro, ela deve ter plena consciência da importância do produto que pretende entregar e antes de tudo deve se fazer algumas perguntas internas:
- Eu realmente sei o que estou fazendo?
- Eu sei até onde posso ir?
- Quais as consequências do produto que vou entregar?
Assim sendo, se as respostas para essas perguntas forem satisfatórias para o treinador, é importante que o mesmo tenha plena consciência que preparar alguém para enfrentar a morte é bem diferente e mais complexo do que de preparar alguém para acertar com precisão um alvo de papel a alguns metros.
Na verdade, em todo esse contexto, a principal preocupação do instrutor, antes de qualquer ação e propositura de marketing, deve ser primeiramente preparar a si mesmo. Pois saber se proteger e ainda desenvolver em outras pessoas o senso crítico de agir é muito mais do que apenas disparar uma arma de fogo. É um “sacerdócio” que somente a própria pessoa e a sua consciência dirá se vale a pena.